27 novembro, 2007

Sem papas na língua (III)

Referi-me a duas afirmações polémicas de António Nóvoa, uma das quais já comentei. A outra comento hoje. "Queremos também ir além da letra da lei [sublinhado de AN] no que diz respeito ao reordenamento da rede do ensino superior em Lisboa, juntando-nos com outras escolas no sentido de agregar esforços, construindo um espaço institucional coerente, universitário e politécnico."

Essa coerência, ou talvez melhor abrangência, faz sentido, tanto quanto julgo perceber a ideia de AN. Para além de uma integração do ISCTE, que me parece evidente, até pela localização e pela coincidência de pessoas no Instituto de Ciências Sociais, a aglutinação com o IPL traria a área das engenharias, a comunicação social, a gestão e contabilidade e, talvez com o reequacionamento das ciências da educação na UL, também a formação de professores.

No entanto, AN tem razão ao escrever que isto é ir além da letra da lei. O RJIES consagra o já tradicional carácter rígido do nosso sistema binário, com distinção radical entre universidades e institutos politécnicos. Exceptua-se o caso das escolas politécnicas das universidades de Aveiro e do Algarve, bem como mais recentemente, a inclusão nas universidades das escolas de enfermagem de Évora e das ilhas. Isto não impede que tenham sido aprovados cursos expressamente declarados como de ensino politécnico na U. dos Açores, mas sem criação de uma estrutura correspondente.

Este caso, aliás, é apenas um exemplo de muitos, de cursos marcadamente politécnicos ministrados por universidades e de cursos de natureza mais científica oferecidos por institutos politécnicos. Fala-se muito de "deriva académica" dos politécnicos, mas também há "deriva tecnológica" nas universidades. Muito mais importante do que distinguir institucionalmente os dois tipos de ensino parece-me ser distinguir por natureza os diversos cursos e organizá-los especificamente, eventualmente com grande flexibilidade institucional.

O que, a meu ver, é essencial é que cada um dos ensinos se enquadre num meio cultural próprio, o que inclui a mentalidade, experiência e carreira dos docentes, a cultura científica versus inovação com sentido económico, o tipo de relações com a sociedade. Sem querer prejudicar a sempre desejável colaboração, julgo que esta distinção, com reflexos estatutários e de prática de governação, deve ser muito clara a nível de faculdade (universitária) e de escola (politécnica), mas é-me relativamente indiferente - ou melhor, objecto de reflexão casuística - a distinção a nível de cúpula institucional.

Lembremo-nos do exemplo espanhol, sempre apontado como um anacronismo europeu de sistema unitário. Só é verdade formalmente, porque na Espanha só há universidades. Simplesmente estude-se bem a lei e a organização prática das universidades e veja-se como é clara a situação das "Escuelas técnicas superiores" integradas nas universidades. É uma situação mais clara e bem definida do que o retrocesso inglês da transformação de tudo em universidades. E, como bem se sabe, esta modalidade à inglesa não é hipótese a afastar liminarmente em Portugal, tantas são as pressões.

1 comentário:

Anónimo disse...

Meu caro João,

Um dos problemas dos cursos de índole politécnica que forçadamente (pois as Escolas continuam a agurdar pela sua homologação) estão a serem ministrados nas Universidades é a impossibilidade de terem os seus orgãos próprios como está defenido na Lei ( ex.: Conselho Científico, Gestão independente, Definição de estratégias de desenvolvimento, etc) e ao mesmo tempo estão presos aos Departamentos e suas vontades ( pois daí vêm os prof. contrafeitos ministrar aulas áquilo a que chamam cursos de segunda categoria com saídas profissionais destintas mas isso eles não querem saber. se há uma cadeira de contabilidade esta será igual para quem tem que tirar, economia ,gestão, finanças, acção social, turismo, etc. è maneira de se ganhar uns cobres mas é igulmente maneira de destruir uma universidade e por agora me calo...