31 dezembro, 2005

Exigências aos candidatos

Ao longo da semana, lendo o Público, sou confrontado com diversos colunistas. Um dos mais prezados é São José Almeida. Conheci-a há muitos anos, quando era uma jovem jornalista de serviço às reuniões politicas. Entrevistou-me várias vezes como porta-voz do MDP e lembro-me da sua acutilância e visível simpatia por tudo o que fosse novidade em relação à nossa esquerda esclerosada.

Li hoje com muito agrado a sua crónica do Público, "2005". Fala das presidenciais e, embora não explícita, a sua tese parece-me ser a de que o mais relevante é conhecermos a "visão de Portugal" de cada candidato. Inteiramente de acordo.

Tenho desta campanha que é um pouco uma conversa de surdos e em sítios aparentemente não intersectantes. Num canto, discutem-se já cansativamente os poderes presidenciais, que parecem reduzidos ao magistério da palavra e da influência. Noutro espaço, como se não tivesse nada a ver com este, a afirmação de propostas concretas: a Ota e o TGV, o risco da privatização da água, a segurança social, a privatização ou não do serviço nacional de saúde. Ainda noutro, as interferências directas na acção governamental, como a ideia cavaquiana de um secretário de estado para acompanhamento dos investimentos estrangeiros. Lugar geométrico comum, o vazio do que mais importa e a que São José Almeida alude, são as declarações balofas. Isto deixa grande margem para a decisão eleitoral fútil: melhor sorriso, gravata mais à moda, mis telegenia.

Vou partir de um pressuposto que não parece merecer mais discussão: o principal poder do PR é o da influência. Então, isto depender da sua convicção, firmeza, capacidade de persuasão, mas tudo isto é adjectivo. Substantivo é o que tem de estar por detrás, como visão de Portugal no mundo. Claro que isto não é um programa politico, é a visão político-cultural que queremos conhecer quando o PR discute com o primeiro ministro ou com outros dirigentes mundiais: qual é a sua visão da ordem mundial? da globalização? do papel de Portugal no "mundo plano"? das relações UE-lusofonia? da antevisão do novo mundo BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China)? da imensidão das perspectivas das ciências da vida? e, mais proximamente, dos nossos grandes problemas actuais, a integração dos imigrantes, a pobreza, a inclusão na educação, as ameaças ao estado social, a desertificação de metade do território nacional, a destruição do património cultural e ambiental, sei lá que mais?

O PR tem muitas palavras a dizer. Mas quero saber com que filosofia e visão política. Por isto, aqui ficam estas questões.

30 dezembro, 2005

O mito sebastianista

Esta campanha tem sido muito pautada pela contradição entre as expectativas de acção presidencial e a ideia da limitação dos poderes presidenciais. Falando agora no que julgo ser o trio principal, as diferenças são notórias. Soares, evocando uma antiga ideia do seu magistério de influência, nunca provado, nacional e internacionalmente, refugia-se no discurso do discurso. O apelo à afectividade tem limites! Alegre fica a meio termo. Respeita os poderes constitucionais mas numa visão substantiva da Constituição. Adiro, embora com receio de consequências politicas práticas indesejáveis.

Cavaco é um caso flagrante de gato escondido de rabo de fora. Fala com aparente conhecimento dos poderes constitucionais do PR, mas tropeça todo o tempo no que provavelmente deseja, continuação noutro cargo da sua experiência de primeiro ministro. A última asneira, sobre um secretário de estado a acompanhar as empresas estrangeiras, é sublime. Nem se trata de interferência com o poder legislativo, em geral, é uma intromissão no privilégio mais exclusivo do governo, o da sua organização interna. Até gora, eram os seus apoiantes a defenderem uma deriva presidencialista, agora é ele próprio.

Mas dou agora a palavra ao Zé Povinho. A questão do nosso regime de presidencialismo dual tem sido muito discutida por constitucionalistas. Quantos os lêem? Não será que, na crise politica e num sentimento generalizado de orfandade política e cívica, o povo quer um D. Sebastião aureolado de "misticismo político" (a memória é curta e a imagem do péssimo primeiro ministro Cavaco já se foi)? Com uma relativa excepção de Manuel Alegre, ainda não vi os outros candidatos agirem em função deste redencionismo que, provavelmente vai decidir muitos votos. E creio que esses votantes não se preocupam nada com o sistema constitucional de poderes.

29 dezembro, 2005

O Velho-Natal

Pai Natal! Na minha terra e no meu tempo, chamava-se o Velho do Natal ou o Velho-Natal. O velho querido da minha infância desapareceu. Hoje reunimo-nos em família e dou os presentes aos netos, que já não querem saber daquele velho rotundo que fez parte dos meus mitos de infância. Os meus pais eram católicos fervorosos mas tiveram a intuição de que o Pai Natal era mais atraente do que os presentes do Menino Jesus.

Da mesma forma, o seu espírito religioso compatibilizava bem o presépio com a árvore de Natal. Na família, presépio era o do meu avô, enorme, sempre com um grande céu estrelado que eu o ajudava a pintar. Em casa dos meus pais era reduzido, mas, agora que um dos meus irmãos mais novos o continua a fazer, recordo a magnífica colecção de bonecos que tínhamos, herança recuada, e que, amador, tendo a datar do séc. XVIII, pelo inegualável gosto barroco à Machado dos Santos e pela qualidade artística de cada uma dessas figuras.

Na minha casa, a véspera de Natal era a noite de alforria sem hora marcada para a cama. Era a grande festa da família íntima, porque o jantar de 25, de que hoje sou herdeiro, era do patriarca da família, o meu avô, depois o meu pai, jantar de capão recheado e champanhe. Nos meus tempos de criança, primeiro a missa do galo. Como todas as cerimónias solenes da liturgia, com destaque para as da semana santa, atraía-me muito mais o aparato do que a devoção. Creio que foi assim que nasceu a minha posterior paixão pela ópera.

Depois da missa, toda a família e os amigos íntimos para a ceia. O primeiro a chegar era o meu grande amigo João que, para desespero da minha mãe, fazia logo desaparecer os canapés de queijo com mostarda. Felizmente que não gostava dos demais, que sobravam para os outros convidados. Deixava-se ir a festa até nos pingar o olho de sono. Então, o grande momento.

Preparava-se com antecedência. O meu pai olhava para o relógio e pedia mais silêncio. A expectativa da miudagem era enorme, a olhar para a despensa, anexa à sala de jantar onde toda a gente estava reunida (não tínhamos lareira por onde descer o Velho-Natal). Num segundo, era o clímax. As luzes apagadas, uma campainha a tocar (uma sineta de prata, herança de família, que bem gostava de ter) e o Velho-Natal a correr da despensa para o quintal, deixando atrás o saco das prendas.

Julgam que eram gameboys, iPods, ténis de marca? Eram coisas deliciosas, carrocinhas de madeira, cornetas e tambores, acrescentos ao Mecano, carrinhos de lata e, isso chateava-me como ainda hoje com a minha mulher, umas roupinhas que prefiro ser eu a escolher. Oferta obrigatória, um livro da biblioteca dos rapazes do DN (O Conde de Monte Cristo, A Ilha do Tesouro, Os Três Mosqueteiros, O Último Moicano, Moby Dick, Robinson Crusoe, As Viagens de Gulliver, Tom Sawyer, sei lá que mais, perdição das minhas leituras de menino). Um dos meus irmãos gostava mais da condessa de Ségur. Devorava pela enéssima vez um livro que creio chamar-se O Brás e debulhava-se em lágrimas. Hoje gosta de se fazer passar por homem sabido, mas eu acho que essa pieguice de menino ainda lhe influencia a vida.

Com os anos, comecei a ter uma dúvida, porque o meu habitual Velho-Natal fugia um pouco à imagem tradicional. Coitado do meu tio Carlos personificador, que era magro que nem um espeto!

Apesar disto tudo, na penumbra da memória, julgo que acreditei no Velho-Natal até aos 5 ou 6 anos de idade. Que felicidade!

27 dezembro, 2005

A Ota e o TGV

Interrompo esta série de entradas sobre as presidenciais para algumas notas, muito difíceis, sobre os megaprojectos Ota e TGV. Digo difíceis porque o assunto envolve aspectos técnicos de grande complexidade, que me ultrapassam, apesar de, nos últimos tempos, ter lido todos os estudos acessíveis. Apesar deste problema, o investimento é de tal montante e tão irreversível que ninguém, como cidadão, se pode manter alheio.

Começo pelo TGV. Contra muitas opiniões certamente mis abalizadas, não dou importância à linha Lisboa-Porto. Viajo frequentemente nos alfas e tenho normalmente a curiosidade de ir acompanhando as informações sobre a velocidade. Verifico que em boa parte da linha, a velocidade ultrapassa os 200 km/h. Muito menor é entre Porto e Aveiro e na aproximação a Lisboa. Com a correcção destes troços, não se conseguiria um tempo de viagem competitivo com o TGV, em termos de custos-benhefícios? Se estimar (é mero palpite) que o bilhete do TGV vai custar 1,5 vezes o do alfa, certamente que nunca viajarei no TGV para encurtar meia hora a duração do trajecto. Com o jornal ou um livro, nem dou por essa meia hora.

Admito que seja diferente a questão da linha Lisboa-Madrid. Hoje vou lá menos, mas cheguei a fazer mais de meia dúzia de viagens por ano. Uma hora no aeroporto de Lisboa, uma hora de voo, uma hora de autocarro para Colón, é quase o tempo de uma vigem de TGV. Depois, a questão da carga, de que só posso falar como amador. Julgo que uma ligação de Sines ao TGV Lisboa-Madrid é importante. Isto justifica, IMHO, o trajecto do TGV pela margem sul do Tejo (o que reforça a minha reserva em relação à linha Lisboa-Porto, com uma grande volta para além Tejo, com entrada em Lisboa pela nova ponte - mais um investimento caro).

Passo ao novo aeroporto, mas neste contexto. Novamente, não conseguindo dominar os estudos, vou falar como simples passageiro, e em notas soltas.

1. A pretensão de fazer de Lisboa um hub rival de Madrid parece-me uma fantasia. Creio que um hub ibérico só pode viver do tráfego americano (mas como rivalizar com Londres, Paris ou Frankforte?) ou do tráfego sul-americano. Aqui, temos o Brasil, mas que peso terá em relação ao movimento para a Europa de todos os países de língua castelhana, do México à Argentina?

2. Parece-me notório que, para além do governo e dos investidores, a Ota só é defendida principalmente pelo lóbi do Centro. No Norte, receia-se que esvazie Pedras Rubras. Em Lisboa, para além dos utentes habituados ao aeroporto às portas, protestam os operadores turísticos.

3. Como utilizador, a Ota parece-me uma aberração. Viajo muito para a Madeira e para os Açores. Meia hora para chegar ao aeroporto, mis uma hora no aeroporto. Agora, vou ter de acrescentar mais pelo menos meia hora para chegar à Ota, com grandes riscos de perder o avião se não contar com meia hora extra.

4. Mas também não me satisfaz a manutenção da Portela. Não falo de aspectos técnicos, mas de duas notas pessoais. Só ouço falar de expansão das pistas e parqueamentos de aviões, não da aerogare, coisa apertadíssima, com gente a acotovelar-se, meia hora para passar o controlo de bagagens. Por outro lado, confesso sentir sempre uma certa angústia a sobrevoar toda a cidade a poucas centenas de metros de altitude.

5. Por tudo isto, e também relacionando com o TGV, desejaria um novo aeroporto, mas na margem sul e muito mais próximo do que a Ota. Vou admitir que os estudos que condenam Rio Frio são correctos e que Montijo também levanta graves problemas ambientais e riscos de voo, por causa das aves. Mas do campo de tiro de Alcochete ninguém diz nada. É tabu? Para treino da nossa vestigial força aérea ou por compromissos com a Nato?

Hoje, estão disponíveis muitos estudos. Só os técnicos os conseguem ler e, mesmo assim, com a diversidade de opiniões que se tem visto. O que eu gostaria era de respostas claras, para leigo, sobre questões típicas do cidadão e do utilizador, como as que apresentei.

15 dezembro, 2005

O debate Alegre-Soares

Tinha receio de o debate de ontem ser de picardias, rasteiras e caneladas. Afinal, foi civilizado. Em princípio, era um debate importante para o eleitorado do PS. Não sei como terá reagido. Sobre o conteúdo, gostaria de realçar um aspecto importante, que já é leit-motif destes debates: o dos poderes presidenciais. Alegre é o candidato que, nesta matéria, se tem aventurado mais e, por isso, tem sido criticado. A sua posição de ontem sobre a dissolução em virtude de medidas como a hipotética privatização da água ou da rede eléctrica é certamente polémica mas não leviana.

Para mim, há alguma incongruência na relação entre a importância dada ao cargo e os seus poderes. Assistimos a uma campanha renhida e com grande investimento de meios. Candidatam-se pessoas de grande peso político. Os eleitores interessam-se, como se vê pela audiência dos debates. É o único cargo para o qual há eleições directas e com candidatos uninominais. No entanto, grande parte das respostas nos debates repete infindamente que respeitarão os poderes constitucionais, mas que estes são reduzidos (bem, segundo os candidatos) e repetem as coisas vagas que podem fazer: conversar com o primeiro ministro, enviar mensagens à Assembleia da República, vetar leis, mas com o veto sujeito à confirmação da lei pelo parlamento.

Não estou com isto a defender o alargamento dos poderes, apenas a notar que esta situação faz esbater bastante a diferença entre os candidatos e possivelmente desinteressa os eleitores. Só Alegre se afasta um pouco do coro geral, com um entendimento menos formal do que é o "regular funcionamento das instituições", mas que abre a porta a receios quanto à estabilidade politica. Por outro lado, ainda sobre a dissolução, a tese de Soares de que o PR se deve demitir se o eleitorado voltar a eleger a mesma maioria parece-me descabida.

De Manuel Alegre, retenho ainda uma outra ideia nova: a do envolvimento das forças armadas num braço armado da CPLP para operações de manutenção da paz. Também apreciei a sua critica à falta de empreendedorismo e de inovação de muitas empresas que só vivem dos salários baixos (acabou-se, com a China). A sua tese de que, quanto à Ota e ao TGV, a maior preocupação do PR deve ser a da transparência do financiamento também o demarca das declarações vagas de outros candidatos.

Acrescento algumas notas técnicas. Não sou especialista de imagem mas sei alguma coisa empírica de comunicação e tive alguma experiência politica.

1. Alegre voltou a usar um fato que lhe cai mal. Já a gravata vermelha lisa foi bem simbólica, naquele debate. Quanto ao discurso, pareceu-me mais elegante e fluido do que no primeiro debate (o nervosismo da estreia?). As condições de som, ao contrário das muito más no debate com Cavaco, valorizaram agora uma pequena arma, mas importante: a voz. Mas, em relação ao som, é incompreensível que a "régie" não tenha tirado o som os jornalistas enquanto os candidatos falavam.

2. Nunca critiquei a candidatura de Soares por causa da sua idade, mas admito que isso conte para o eleitorado. Ontem, ela foi visível, principalmente porque há, para comparação, uma muito maior memória da figura anterior. Soares está cansado, naturalmente perdeu a sua vivacidade, que tanto contribuía para a sua imagem. Acrescido ao facto de que ninguém acredita em que ele possa corresponder à estabilidade que os eleitores desejam e que têm mostrado com a muito fácil reeleição do presidente, porque, naturalmente, só poderia cumprir um mandato. A ideia de que será como Bento XVI, um papa para duração curta, não o favorece.

3. Talvez por esse cansaço, cometeu dois erros clamorosos. Primeiro, por duas vezes, usou a expressão "o presidente Cavaco Silva". Inadmissível, para o instinto politico de Soares. Depois, na intervenção final, se não é bom olhar para os jornalistas - e Alegre aprendeu já a não o fazer - muito pior é estar quase todo o tempo de olhos baixos, a olhar para a cábula, como fez Soares.

4. Na técnica da última frase de cada intervenção, Soares esteve muito mal. Alegre terminava cada intervenção com uma frase síntese para ficar no ouvido; Soares terminava-as com uma frase banal, que não parecia transmitir qualquer ideia chave. Até numa simples aula, um professor experiente conhece a importância do remate.

13 dezembro, 2005

O debate Alegre-Louçã

O debate de ontem foi o de que mais gostei, até agora. Em nota anterior, já tinha chamado a atenção para a importância dos debates à esquerda. Este foi um debate em que, a meu ver, ambos ganharam, principalmente no objectivo essencial de, com respeito pelas diferenças, fixarem eleitorado de esquerda. O facto de apoiar Alegre em nada me inibe de afirmar que a candidatura de Louça também é muito importante e que, numa perspectiva mental e política de esquerda aberta e dialogante, também me satisfaz que tenha tido uma boa prestação.

Tecnicamente, o que também é importante, Alegre melhorou. Mais bem vestido, com um casaco que não se dobrava no pescoço, a falar mais para o público, olhos nos olhos, do que para os entrevistadores.

À margem: a campanha de Soares está a descarrilar e agora mudou de inimigo principal. Vejam-se os ataques ferozes a Manuel Alegre por Joana Amaral Dias, no "Bicho carpinteiro".

12 dezembro, 2005

Notas sobre as notícias do dia

1. Mário Soares parece ter uma habilidade especial em despertar incidentes que só lhe dão benefícios. É uma forma especial de consequência da demagogia. Esta não vem no Público, mas houve uma notícia a fazer-me lembrar as piores características de MS. Há dias, recordando a morte de Sá Carneiro e de Snu Abecassis, disse que ela deve ter desempenhado um papel muito importante na vida de Sá Carneiro. Anos atrás, em campanha contra este, afirmou que quem não é capaz de governar a sua família não é capaz de governar o país. O homem terá mudado?

2. "O candidato presidencial Francisco Louçã afirmou hoje na Madeira que destituiria Alberto João Jardim da presidência do governo regional no caso de existirem graves perturbações no funcionamento das instituições", sublinhando no entanto que o chefe de Estado "só deve pôr em causa um governo perante gravíssimas violações e perante factos concretos que ponham em causa a existência de regras essenciais".

Concordo e acho que já houve milhentas razões para justificar a dissolução dos órgãos regionais madeirenses. No entanto, a politica tem as suas regras: em que posição ficaria o PR se convocasse eleições na Madeira e AJJ as vencesse outra vez, talvez até com maioria mais larga do que a que tinha antes? Acho que só ficaria com margem de manobra para convocar um referendo a saber se Portugal quer ser independente da Madeira, como uma vez escreveu Vital Moreira.

3. Disse Mário Soares: "Durante o PREC, participei em muitas acções fundamentais para defender a religião católica, em particular em Braga". Lembro-me bem. Foram comícios em franca colaboração com o cónego Melo e que terminaram sempre na destruição das sedes dos partidos de esquerda.

4. "O secretário-geral do Partido Socialista (PS), José Sócrates, apelou à mobilização de todos os que defendem os "valores de uma esquerda democrática e moderna" em volta da candidatura de Mário Soares à Presidência da República. Discursando anteontem durante um jantar de Natal da federação distrital do PS- Viseu, que segundo a organização reuniu 1300 pessoas, o líder partidário realçou que "esta eleição não é neutra" porque o que está em causa é "a escolha entre um projecto de direita ou um projecto de centro esquerda". "A esquerda só pode ter uma vitória com um político que sabe falar ao centro, um político moderado e equilibrado, que se dirige a todos os portugueses e que tem apoios em todo o lado. Ninguém que seja muito à esquerda pode ambicionar ganhar uma eleição presidencial", avisou. Por isso, para que não restem eventuais dúvidas, José Sócrates reiterou que o único candidato apoiado pelo PS é Mário Soares porque é quem "melhor representa os valores e projectos políticos de uma esquerda democrática moderna e moderada em Portugal".

Muito teria isto que se lhe diga, até, principalmente, fora do contexto das presidenciais. O próprio Soares tem dado a entender que as eleições serão um momento de confronto entre esquerda e direita. Para Sócrates, desapareceu a esquerda e o confronto é entre direita e centro-esquerda. Fico a saber em que quadrante ele se posiciona e o seu governo.

Depois, esquerda democrática moderna, com o que concordo, associada em definição a moderada. Também fico esclarecido. De moderação em moderação até à direita final.

Os debates à esquerda

Manuel Alegre (MA), tendo iniciado a série de debates com Cavaco, esgotou, nesta fase, o combate pelo centro (isto sem considerar tudo a que a campanha ainda vai ser). Creio que MA percebeu muito bem que estas eleições, ao contrário do que parece, não vão ser de polarização esquerda-direita e, nesse debate, esteve muito bem a dirigir-se ao outro grande grupo, o centro, a que eu prefiro chamar o pântano, de acordo com a velha sabedoria politica francesa (o "marais"), ou o "centrão", à brasileira.

Desde as eleições presidenciais de 1996, Sampaio-Cavaco, nunca mais tivemos ideia segura sobre o que é a sempre alegada maioria de esquerda em Portugal. Por exemplo, querer extrapolar os resultados de maioria absoluta do PS nas últimas legislativas é um erro, porque essa maioria comporta muito do pântano, movendo-se sempre conjunturalmente, naquele caso por rejeição do inefável Santana Lopes. Mesmo em 1996, Cavaco não fixou o pântano, que se lembrava dele como primeiro ministro. Essa mesma volatilidade se passará agora, mas, lamentavelmente para mim, creio que será Cavaco a conquistar as águas lodosas.

A minha expectativa de "wishful thinking" está numa segunda volta. MA e a sua equipa não precisam de conselhos, mas não resisto. A postura correcta que MA mostrou no debate com Cavaco não me parece a fundamental, na primeira volta, embora a deva manter. Deve ficar para a segunda. Agora, o objectivo, difícil (cuidado com o entusiasmo com as sondagens!) é o da passagem à segunda volta. Para isto, tenho o palpite de que o pântano contará pouco e que o combate é claramente à esquerda.

A meu ver, para além de uma fracção do eleitorado PS, cujo peso desconheço, julgo que MA vai ter de captar muitos milhares de eleitores na minha situação, de todas as idades (atenção, o discurso tem de ser variado e adaptado a essas gerações): esquerda independente, incapacidade de se reverem nos projectos actuais, desgosto com a vida politica dominada pela partidocracia medíocre, grande exigência de ética republicana, abertura mental às grandes mudanças que desafiam a cristalização ideológica, importância dos temas transversais (ambiente, minorias, diferença sexual, etc.). Neste sentido, aguardo com muita expectativa os debates de MA com Jerónimo de Sousa e, hoje, com Francisco Louçã.

Mis difícil vai ser o debate com Soares. Adivinho-o como um jogo de futebol em que um bom árbitro teria de mostrar meia dúzia de cartões vermelhos (espero que não a MA). É claro que será decisivo, porque é a disputa pelo eleitorado do PS. Como não o conheço bem, não vou dar palpites.

Finalmente, uma provocação. Parece-me uma posição de fragilidade a candidatura contra os aparelhos e a manutenção da sua situação de membro de um aparelho. Acho que MA devia ter suspendido toda a actividade politica partidária. Mas vou mais longe. Com esta lógica de candidatura, não devia MA declarar que a sua candidatura é uma rotura clara com a lógica politica em que esteve inserido até agora e que, por isto, sejam quais forem os resultados e as consequências, não regressa a ela?

10 dezembro, 2005

O amigo de Peniche

José António Saraiva desde a semana passada que escreve um conselho aos candidatos de esquerda, que desistam em favor de um único. A tese é obviamente errada para quem conhece a diversidade do eleitorado de esquerda e o risco de uma única candidatura lançar muita gente para a abstenção, dando logo a Cavaco a vitória na primeira volta.

Mas fico muito obrigado pelo conselho de Saraiva, um homem, como se sabe, genuinamente empenhado na derrota de Cavaco. É o que se chama gato escondido com o rabo de fora! O mal é quando os gatos julgam que todos os outros são ratos e, ainda por cima, parvos.

Com isto, podem perguntar-me porque é que compro o Expresso. Por uma muito boa razão: o D. Quixote com magníficas ilustrações do Pomar.

06 dezembro, 2005

O Dr. Manuel Alegre

Não gostei de ver Alegre aceitar o tratamento por "Dr.". Que eu saiba, não terminou o seu curso de Direito, mas por razões de que se deve orgulhar. Por castigo político, foi chamado para a tropa. Em Angola, esteve preso e foi reenviado para Coimbra, com residência fixa. Depois, exilou-se e foi figura marcante da oposição portuguesa em Argel, ficando o curso para trás, por outros valores mais altos. Politicamente, não precisa para nada do Dr. É caso bem diferente de políticos não doutores porque a sua meteórica passagem das "jotas" para o primeiro plano partidário não lhes deixaram tempo para a conclusão do curso (e para alguma experiência da vida).

O debate Alegre-Cavaco

Dá que pensar, em registos diversos. Primeiro, morto por ter cão, morto por não o ter. De candidatos a PR, espera-se compostura, seriedade, sentido de Estado acima dos interesses imediatos. Creio que isto foi conseguido, por ambos. Mas, neste novo circo romano que é a TV, as pessoas esperam sangue. Nestes termos, dizem que o debate de ontem foi morno. Bem gostava que, deste ponto de vista, todos o fossem, mas não acredito. Para quem gostar das caneladas e entradas em falta, há um candidato exímio.

Li críticas a Manuel Alegre por não ter atacado Cavaco como perigo para a democracia. Um amigo que estava comigo disse-me: "mas não se vê logo que este homem tem cara de fascista?". M. Alegre teve razão em não entrar por este caminho.

Nestes debates, a técnica conta muito. Neste sentido, parece-me que Cavaco conseguiu, surpreendentemente para mim, minimizar a sua completa falta de telegenia e que, surpreendentemente, Alegre não a usou devidamente. Cavaco é mais alto, Alegre ofereceu-lhe isto, curvando-se. E, com isto, ninguém do seu staff lhe puxou para baixo o casaco, que aparecia sempre dobrado atrás do pescoço. Mais surpreendente foi o discurso. Cavaco tem péssima dicção e uma voz muito feia, o oposto de Alegre. Mas este não valorizou isto, com um discurso literariamente pobre e com uso frequente de bordões.