11 fevereiro, 2009

Remissão

A habituar os meus leitores fiéis a passarem a ver os meus sítios de nova escrita, indico as páginas correspondentes ao que aqui escrevia.



P. S., 5.1.2011 - Regresso à blogosfera, com os escritos de reflexão e crítica política, social, cultural, e o mais que venha a propósito, em No moleskine. As notas gastronómicas ficam para outro blogue, Gosto de bem comer.

18 janeiro, 2009

Finis, agora é que é mesmo

Tenho muitos e estimados amigos que dão um contributo importante à blogosfera. Em muitos casos, considerando os seus afazeres e dificuldade de desenho das suas próprias páginas, os blogues são obviamente o seu melhor meio de intervenção. Não no meu caso, segundo creio.

Antes do mais, gostaria de não tomarem o fim deste Bloco de Notas (BN) como sinal de cansaço, de falta de motivação para a intervenção cultural, cívica, de responsabilidade humana. Cada vez sinto mais a necessidade disto, nos tempos que correm e como compensação do pesar dos anos em maleitas e fadigas, daquele recordar soturno da lareira de Damião de Gois. Apenas creio que há outras formas melhores, mais eficazes embora talvez mais trabalhosas, de optimizar essa intervenção. A primeira coisa, que nenhum jornalista esquece, para a qual vive e projecta na sua carreira vivaça, é a audiência. A média do BN era de cerca de 200 há dois anos, é agora de 80 visitantes diários (“unique visitors”). Como vivo na terra e não na nuvens com asinhas e uma harpa, devo pensar, embora com muito respeito, sem considerar a opinião de alguns meus amigos que dizem que um leitor diário já lhes justifica o esforço da escrita. "Porra, sou lúcido".

Admitamos que cada dia de blogue me custa uma hora de trabalho. A muitos custará cinco minutos, mas eu tenho o azar de ser perfeccionista, de só me sair uma palavra à quinta revisão; ou então, mal dos meus pecados, quando o coração me sobe à boca. Se eu escrever num jornal uma crónica semanal que me ocupe cerca de 2 horas e for lida por 21.000 pessoas (porque não vou nas audiências oficiais), tenho uma taxa de impacto diária de 1500 leitores diários por hora de escrita minha. Neste blogue tenho uma taxa de 80. Claro que são 80 leitores muito estimados, mas, por isso mesmo, eles merecem que o seu apreço pela minha escrita me obrigue a tentar optimizar o seu impacto.

Também não estou disposto a deixar-me condicionar pelas regras nem sempre de bom nível da eficácia da blogosfera. Algumas são inadmissíveis e obviamente que nem penso nelas: a atitude levianamente provocatória, a piada fácil (mesmo nos blogues políticos pretensamente sérios que muitas vezes vivem do aparte tradicional, de que ao menos o Conde de Abranhos se envergonhava), a acusação rasteira sem provas, a masturbação intelectual, a piscadela de olho ao tacho, mesmo que aquele pequenino tacho, mais um fervedor, em que cozo um ovo. Vejam só o que se passa numa blogosfera particular, mas não muito fora da norma geral, os comentários a notícias dos jornais “online”.

Outras regras são sérias, por exemplo, a necessidade do “sound bite” (será que nunca mais vou ler o ignorantemente execrável "sound byte"?) corresponder à incapacidade do leitor mediano em ler mais do que um parágrafo. Em média, cada entrada de um dos nossos blogues políticos de topo contém 104 palavras (corresponde a quantos segundos de uma aula de Direito?). Outro, muito visitado, desce para os 59. Eu não consigo uma média inferior ao meu valor de 363, que me envergonha, em termos de aparência de simplificação aldrabona do discurso. O problema é meu, nunca gostei de reduzir as discussões a slogans.

Esta obrigatoriedade de leitura rápida ou na diagonal é compreensível em números. Fiz agora uma experiência. Leio no monitor 4 palavras por segundo. Tenho no meu agregador de “feeds” muitos blogues bem estimados - fora os de leitura na diagonal - que chegam a valer-me cerca de 6000 palavras diárias, ou seja, no total, 1500 segundos, 25 minutos! E eu estou reformado, mas ainda tenho de encaixar na minha manhã “online” os principais jornais estrangeiros (o Público que se lixe e DN é coitadinho) e o muito correio dos amigos.

Reparo também num aspecto particular que até nem me afecta, o dos blogues colectivos. Por um lado, alguns tendem a estreitar a colaboração, chegando-se mesmo a eu ter subscrito a assinatura de alguns por causa de um autor em particular que depois deixou por completo de escrever. Dou alguns exemplos, dos mais conhecidos, em que a lista de autores é fantasista: Causa nossa, Bicho carpinteiro, Puxapalavra. Noutros casos, passa-se o contrário, o autor é que vale por mais do que um blogue, muitas vezes com entradas rigorosamente iguais; ainda não consegui perceber a lógica de Paulo Pedroso. Finalmente, o bombardeamento de blogues com listas enormes de autores, em que todos escrevem diariamente, obviamente com o risco de ninguém ter tempo para os ler, porque ninguém lê mais do que dois ou três “posts” diários no mesmo blogue: Ladrões de bicicletas, De rerum natura, Jugular, etc.

Por estas e por outras, já tenho escrito que a intervenção na blogosfera está no fio da navalha, uma navalha que ainda não se percebe bem para que lado vai cortar. Mas que vai cortar vai, sinto-me certo. Assim, pesa especialmente que o ter ido na onda tenha prejudicado outras intervenções importantes. Além do Bloco de Notas (e, antes, do Professorices, culpado deste meu erro, por sucesso ilusório), há muito tempo que tinha um “site” pessoal, com duas vertentes relativamente distintas. No “Reformar a educação superior”, ganhei algum merecimento e audiência pela actualidade, importância e âmbito da informação disponibilizada, para além de muitos artigos, meus e de outros. Com a falta de actualização a que o condenei nos últimos meses, perdeu impacto. Tenho muita pena e quero corrigir isto. Que mais não seja, é uma justiça elementar para muitos autores de artigos, personagens destacadas da nossa educação superior, que acharam que o “site” era digno da publicação de artigos seus.

O mesmo aconteceu com o conjunto de páginas pessoais “Inquietude permanente”. Dão acesso a muito mais do que as notas diárias de um blogue, desde textos de fundo, evocações açorianas, histórias de família, contos, até receitas de cozinha.

A mudança radical da minha intervenção deveria corresponder também a uma nova imagem gráfica, em que estou a trabalhar. Infelizmente, muitos afazeres me prejudicaram esta coincidência desejada de mudança essencial e formal. Prometo para breve uma maior frescura de imagem.

Essencialmente, o que vai mudar?

1. A intervenção ligeira bloguística vai dar lugar a uma escrita mais ponderada, sempre com a pretensão de eu poder dar um contributo autorizado que não seja só mais uma opinião entre muitas respeitáveis mas cheias de ruído internético. Não gosto nada de poluição sonora! Os textos serão mais longos, mais articulados, sem nenhuma consideração pelas regras de estilo, o certo mas perigoso KISS, “keep it simple, stupid!”. O primeiro texto, já hoje, é exemplo.

2. Os textos farão parte de um “site” por onde o leitor se pode passear facilmente, aproveitando muito mais coisas que o autor lhe pretende oferecer. Não os lerá com a pressa com que despacha diariamente os seus blogues favoritos? Paciência, é aposta minha, prefiro que meia dúzia ou até menos, num dia, leiam uma nota de actualidade e daí vão a uma evocação do Antero, a máximas dos filósofos gregos, a uma crónica de gosto de bem comer, a um vídeo ou uma música escolhidos para o dia (não é para amanhã, será para a tal reforma do “site”).

Claro que isto não é invenção minha e, até grande snobismo, é imitação de páginas de pessoas célebres. Faço-o em penitência e homenagem, em boa parte porque a leitura sem proveito de muitos blogues me tira tempo para leitura bem gratificante de páginas mais ricas como as de Timothy Garton Ash, Paul Krugman , Frank Furedi , Spengler (grande segredo, quem é?), Richard Dawkins, muitas mais cuja leitura me enriquece e não me dá sabor de tempo desperdiçado como tanto fede na nossa blogosfera.

3. No caso das notas sobre a educação superior, há uma pequena diferença. Serão incluídas num portal, mais do que num “site”. Vou tentar reanimar o RES como local de referência para informação e debate sobre a educação superior. Sabem o que é um portal? Por alto, diria que é uma página que dá acesso a uma vasta colecção de informação, de artigos, de debates, no próprio “site” ou em outros e sempre muito frequentemente actualizada. É como se fosse um jornal “online”, em que se pretende que todos os dias o leitor encontre novidades que justifiquem a sua visita.

4. Com isto, que ninguém espere “sound bites”, escritas fáceis e provocatórias. Creio que ninguém que compra um jornal lê um artigo de opinião com a ligeireza com que lê um “post” de um blogue. Até há o caso notório, competente, de um articulista semanal que à terça feira publica sempre um “post” com o tema do seu artigo de jornal, mas em linguagem de “header” jornalístico.

5. É claro que isto implica um ritmo de escrita tão lento como o das fases da lua. Como fazer chegar as minhas destilações mentais aos leitores? Com os recursos da web2 seria fácil, porque ambos os meus sítios têm páginas associadas de tipo RSS. Abrindo no inefável Internet Explorer os meus “sites”, vêem na barra do endereço URL um ícone RSS. Dá acesso a uma página com as actualizações do "site". No entanto, dizem-me que a gente do Windows só agora está a começar a descobrir isto, coisa velha para o Safari dos Mac.

Parece-me que vou ter de prevenir por “mail” do aparecimento de coisas que imodestamente considere importantes. Além disto, sugiro que façam favoritos/bookmarks do Reformar a educação superior e do Inquietude permanente, bem como do “novidades” (RSS) do primeiro e do segundo.

P. S. - Há outra coisa a afirmar-se na net, as revistas online. É outra coisa, com grande impacto, mais uma vez coisa séria sem nada a ver com a ligeireza dos blogues. Vou convencer alguns amigos da esquerda que verdadeiramente falta. Será um dia destes.

14 janeiro, 2009

Finis laus deo

E com a última entrada me vou. Vou bem, com um dos meus padroeiros. Ah, mas não é verdade. "Et mon panache?" Não me posso ir como quem sai sorrateiro pela esquerda baixa, como as regras primárias vicentinas impunham à minha querida prima Manuela, tão pequenina que era obrigatoriamente o Joane do TEUC, depois de anunciar sem pudor que tinha morrido de caga merdeira, samicas de caganeira, enquanto eu a esperava nos bastidores para combinarmos a minha tarefa semanal de lhe garantir a boleia para o Porto, para os nossos namoros. Açorianices, sempre, não era só ela, também o Nestor como inesquecível Job no Breve Sumário.

Devo explicação, então andei aqui a cativar leitura de gente respeitável para agora as aboiar à misera das ervinhas do esquecimento, da bosta da gueixa no cerrado? Que mais não fora nunca eu pudera haver-me com a zanga do Marcelo e o seu possível castigo de falta de umas cervejolas a apontar à barra do Gomes Freire. Ou deixar de ter as piscadelas de olho do CP a partilhar comigo o gozo requintado com  os bem instalados de alguma esquerda que parece que sai mas entalando sempre o pé na porta para que ela não se feche. Ou com aquele ab frat de apoio às minhas escritas que me podem parecer patetas e senis mas que ele, exemplo maior do rigor intelectual, herança paterna, acha que são muitas vezes "mesmo na mouche!". Ou com aqueles, como o Jorge, que muito escreveram, com tanta ou maior frontalidade como eu, mas que legitimamente se cansaram e, no entanto, me continuaram a ler. 

Vou ter de escrever relambório, esmifrar-me em desculpas, que ninguém que se preze aceita dizer apenas "adeus, até ao meu regresso do nunca, muitas propriedades para o próximo ano e obrigado ao Movimento Nacional Feminino". Que se bliquem mas não têm nada a ver com eu preferir usar melhor o meu tempo, com comezainas, bebedices, ordinarices de conversa de tasca, ouvir padres e freiras em confissão, do que escrever em blogues como se fosse pago à peça para ter sinecura socrática ou, ao invés, justificar autoridade para andar ao colo com a financeira feiona. 

Para despedida, amanhã ou depois, aporradando-me fingidamente com couces de mão no peito e ferindo-me com o chicote de seda suave da minha hipocrisia, ao mesmo tempo que me rio de tudo e de todos com o arroto que nunca aprendi a dar e que, por isto, substituo por um grande peido, vou escrever a despedida agora anunciada. Isto é coisa estúpida mas deliciosamente pérfida, anunciar natais importantes, como se esse anúncio não significasse exactamente que tudo é gozo, que nada tem importância. Minto, que uma coisa importante na vida é saber bem qual é a diferença entre Casanova e D. Juan, entre Quixote e Sancho Pança, entre Cyrano e D'Artagnan, entre Woody Alen e Herman José, entre entrar pela porta principal ou pela porta das traseiras.

Para faruel,vou escrever amanhã ou depois coisas muito brunidas, como os cadáveres maquilhados que regressavam à minha terra para descanso de lides derridas nas terras calafonas. Vou escrever coisas muito honestas de justificação, rastejantes de humildade beniditina, coisa tétrica disfarçada de humilde a que só se perdoa o magnífico canto gregoriano em hora de laudes - que matinas só para bebés a berrarem pelo biberão -, coisas tão brilhantemente elaboradas que hão-de ficar nos manuais dos escribas de intervenções mintiroses dos ministros. Fica para amanhã ou depois, não deixem de comprar o bilhete, nos próximos dias, para esta sessão de despedida dos hábitos das matinês de três filmes do Marítimo, agora interrompidas porque se fundiu a lâmpada e não há dinheiro para o pitrol nem o pai do Pedro está disponível para lá ir resolver o problema, com a sua sabedoria do nimas.

Desculpem a demora, fui pôr a gravata para o anúncio solene. O mais importante que vou escrever amanhã ou depois não é que o Bloco de Notas se fanou, paz à sua alma, "raio animado dessa luz celeste / à qual a morte as almas restitui" (e esta, hein?!!!), não vou escrever ao Jorge Amaral a pedir-lhe uma encomendação das almas quando ele encabeçar, daqui a poucos meses, o rancho dos romeiros da Lagoa. Vou é dizer "THE SHOW MUST GO ON!" e explicar como e onde.

P. S. - Relendo, lá dou por coisa vergonhosa neste escrito, é certo que escanzeladamente escondida, mas não tanto que não fede (as vogais estão certas!) logo aos meus críticos que muitas vezes me acusam de uma tendência coprolálica mal cheirosa. Mas há grande mal em falar de peidos? Afinal, depois do prazer carnal aos 20, do prazer estomacal aos 40, qual é o genuíno prazer aos 60? ;-) E razão tem o meu povo sãmicaelense, que não gosta de finuras de se passar, se finar, falecer, outras delinquices de cultura tísica, prefere antes dizer, "Éme, Manel, o Jacinte lá deu o peido mestre". Ou, se quer ser mais conveniente na presença de sinharas, adoça a expressão e diz que o Jacinte lá foi dar de comer às couves pela raiz.

Fraquezas...

Em 31.3.1875, alguém publicou anonimamente na Revista Ocidental uma crítica entusiástica às Odes Modernas, de Antero. O anonimato não esconde uma grande actualidade de cultura poética, alguém que conhecia e apreciava Walt Whitman (não me passava pela cabeça que algum crítico português do fim do séc. XIX conhecesse o poeta americano, quando o fradiquismo orbitava à volta de Paris). Quem seria este apreciador do meu padroeiro Sto. Antero? Adivinhem. Daqui a dias, digo. Entretanto, aqui vai a tal nota de crítica literária.
"Este livro, quando pela primeira vez apareceu, vai em dez anos, levantou no mundo literário não pequena borrasca, borrasca que ao sopro de ventos rijos se transformou na famosa tormenta, conhecida pela Questão Literária, que tantos destroços produziu ... e tantos folhetos! Foram tempos tormentosos esses; e no meio da paixão geral, era naturalíssimo que em nenhum dos dois campos rivais fosse o livro do moço e audacioso poeta, julgado com equidade. Assim sucedeu. O livro, em que uns quase saudavam uma espécie de Messias que vinha abrir uma nova idade literária, e diante do qual velavam outros a face como diante da abominação da desolação da antiga, sã e respeitável poética lusitana, o livro afinal não merecia «ni cet exces d'honneur ni cette indignité». Tudo isto passou. Hoje, em face desta segunda edição, sentimo-nos muito sossegados e podemos dizer, que se o pensamento do autor é por vezes violento e como que profeticamente exaltado, a ponto de transpor não raro os limites da poesia para se precipitar nas declamações ou proclamações revolucionárias, em compensação esse pensamento conserva sempre uma elevação crente e, ainda nos seus excessos, nobremente filosófica, que ninguém confundirá a raiva a frio de um petroleiro sistemático. O sr. Antero é um «revolucionário idealista»: dizendo isto não pretendemos elogiá-lo nem censurá-lo, mas tão-somente definir as tendências do seu espírito. O seu livro teve, quando apareceu, e tem ainda hoje, uma grande novidade (ou, se quiserem, originalidade) pois que este género de poesia de que as Odes Modernas são na literatura portuguesa um exemplo único, em nenhuma das literaturas contemporâneas é muito cultivado: em França, em Inglaterra, nos Estados Unidos, é mais ainda uma tendência do que uma escola, embora essa tendência tenha já inspirado obras como Les Jambes, de Barbier, L’année terrible, de Hugo e Leaves of grass de Walt Whitman. Dizem alguns que as Odes Modernas fizeram escola entre nós. Não nos parece isso. O tom da nossa poesia portuguesa não é bem este: aqui há uma corda mais grave, mas ao mesmo tempo mais rude, e é isso o que nos faz crer que o livro do sr. Antero ficará na literatura portuguesa como um monumento isolado – tanto mais curioso e interessante, por isso mesmo. Nesta segunda edição (onde há que louvar, para quem a cotejar com a primeira, o esforço visível do autor para conseguir a máxima correcção de forma) incluem-se várias composições inéditas, onde nos parece encontrar, ao lado de um estilo mais seguro, mais senhor de si, uma maior harmonia e equilíbrio de pensamento, o que tudo constitui seguramente um progresso digno de ser notado. Esperemos agora esta reincidência do autor, reaparecendo diante do público com o livro escandaloso na mão, se ainda afligir as almas piedosas, pacatas ou satisfeitas, ao menos não levante ruído que incomode os estudiosos."
P. S. - Pensando bem, a mistura complicada de deísmo, espiritualismo e realismo de Whitman estará muito distante de Antero? Provavelmente é mais afastada, no plano formal, a sua liberdade de estilo, comparada com o classicismo de rima e métrica de Antero.

P. S. 2 - Desculpem o snobismo, mas acho que há referências parvamente intelectualoides que podem ter alguma graça. Falei de Antero e, de raspão, aludi a fradiquismo. Lembram-se de que Fradique, como Antero e - já agora - também eu e muitos meus leitores, era parido de lava e mar açorianos? Há anos, tinha eu mordomia de motorista, conversava muito com o impagável JPN, ex-marinheiro convertido a motorista, que dessa situação passada tirava a liberdade de me dizer "agora, prof., vai uma de marinheiro para marinheiro". Outras vezes, reagia quando me falava em alguém e eu dizia que era meu conterrâneo: "prof,  não pode ser, começo a pensar que, aqui em Lisboa, se eu der um pontapé numa pedra saltam logo debaixo três açorianos importantes".

11 janeiro, 2009

O valor das palavras

O líder do Hamas, Khaled Mechaal, disse que "no plano militar, o inimigo falhou completamente, não atingiu nenhum dos seus objectivos. O inimigo falhou ao cometer um verdadeiro Holocausto no solo de Gaza".

Em situações dilacerantes em relação às nossas atitudes pessoais, de protesto, de simpatia, em que muitas vezes nada é claro, acontece haver "pequenas" coisas com tal valor que ficam acima de qualquer dúvida de simpatia, de interpretação. Pense-se de Israel o que se pense, pense-se da causa palestiniana o que se pense ou até (não é a mesma coisa) pense-se do Hamas o que se pense, o que me parece indiscutível é que, num momento em que a principal e legítima acusação a Israel se dirige à desproporção da sua acção, nada justifica a absurda desproporção de se comparar as mortes causadas agora em Gaza por Israel (condenáveis, deixo claro) com o Holocausto de seis milhões de judeus. E Israel quer fazer um Holocausto dos palestinianos? Já começou a construir as suas câmaras de gás?

Há afirmações que são inaceitável pornografia moral.

Normalmente, a declaração de interesses vem no início, esta vem no fim. Tenho uma grande simpatia pelo povo judeu (digam ou não o contrário, ele existe, conseguiu manter-se com identidade numa diáspora de quase dois milénios), recebeu uma pátria que resultou de uma luta anticolonialista (contra o domínio inglês na Palestina) em que os árabes não participaram, aceitou a partilha do território que foi logo contrariada de armas na mão pelos países árabes. Depois, conquistou o seu território actual, com total desprezo pelos residentes palestinianos, actuou muitas vezes manu militare como verdadeiro estado terrorista. Também sempre tive grande simpatia e solidariedade pelo povo palestiniano, afinal vítima também dos seus "irmãos" árabes. Romanticamente, e qual é o "revolucionário" que não se alimenta de algum romantismo, ponho igualmente nos meus afectos os lados fracos, as brigadas revolucionárias, os guerrilheiros da Sierra Maestra, os vietcong de pé descalço, a saga dramática dos últimos tempos bolivianos do Che, mais tarde, e é o que aqui importa, a intifada, pedras contra o poderio bélico. Com tudo isto, creio que tenho o direito abalizado de me indignar com a tal pornografia moral.

10 janeiro, 2009

A notícia mais importante do dia


Uderzo decidiu que Astérix vai continuar

Público, 10.01.2009, Carlos Pessoa

As aventuras de Astérix continuarão depois da morte de Uderzo, anunciaram ontem as Éditions Albert René, editor francês do herói. Esta empresa cedeu a autorização de publicar a série ao grupo Hachette, número um da edição em França que adquiriu recentemente 60 por cento da editora criada por Uderzo e pela filha de René Goscinny após a morte deste, em 1977. Durante muito tempo, o desenhador hesitou quanto à decisão a tomar, enquanto Anne Goscinny era favorável à continuidade do personagem. "É óptimo para Astérix", disse esta última à AFP, lembrando que o herói é um "notável sobrevivente" que foi prosseguido por Uderzo após a morte do seu pai. A decisão dos dois detentores dos direitos de autor do herói põe termo às especulações quanto ao futuro de Astérix após o negócio com a Hachette, que passou a controlar integralmente a vertente editorial do herói, assim como os direitos derivados do personagem.

P. S. - Quando estava na Suíça (1972-74) coleccionei no Le Monde um álbum do Astérix que perdi e de que já não recordo o nome. Ficou-me a memória de um dos mais espantosos desenhos que já vi: um cavalo que apanha meio metro à frente com um menhir atirado pelo Obélix. O cavalo está nem sei o quê, esbugalhado, siderado, tremente, fremente, esbaforido, a babar ranho medroso. Alguém me ajuda a localizar este desenho?

P. S. (11.1.2009) - Sim, ajudou-me José Carlos Santos (ver os comentários), permitindo-me publicar a tal imagem fantástica de "un caballo al borde de un ataque de niervos".

Inumeracia política

Leio hoje que está em formação um movimento cívico que se propõe intervir contra o marasmo da vida democrática por intermédio do apelo à abstenção. Estupidez! Onde é que já vi isto? Quando a 5ª divisão, em 1975, apelou ao voto em branco como significando falta de informação sobre as opções partidárias, com resultado ridiculamente nulo (o meu amigo e colega Ramiro Correia era de medicina, o que em geral se identifica com aversão à lógica matemática e ignorância do cálculo de probabilidades).

É óbvio que qualquer mensagem com reflexos eleitorais tem de ser perceptível em números, neste caso votos. Façamos algumas contas. Se este movimento pegar e se recolher adeptos até às próximas eleições legislativas, coisa de 9 meses, um tempo muito curto para fazer vingar uma ideia, admitamos que recolhe 20.000 adeptos, coisa muito considerável quando pensamos que um partido se constitui com 7500 assinaturas. Mas o que é isto em termos de abstenção, em termos de garantia de um “sound bite" na noite eleitoral? Andamos por volta de 40% de abstenções, cerca de 350.000 votos. Em que é que se nota o efeito do movimento abstencionista, menos de 10% da abstenção média, com uma expressão muito variável, que vai de 30 a 50% ou mais, conforme o tipo de eleição e a conjuntura política, social e económica? Tenham juízo e saibam alguma coisa de numeracia. Afinal, Bolonha e a sua tese das competências sempre têm razão.

06 janeiro, 2009

Morte em Veneza

Mário Soares, com os seus 84 anos, ainda se consegue fazer ouvir numa entrevista relevante à SIC N. Faz logo lembrar que toda a moeda tem duas faces. Uns verão uma face e dirão que o homem ainda está bastante bem, fala lenta mas articuladamente, parece estar a fazer um esforço para raciocinar acertadamente e que não se espera que diga mais do que banalidades. Outros verão melhor a outra face da moeda e pedirão aos seus filhos e netos, como eu o farei, que não nos deixem expor-nos em público de forma a fazer esquecer os tempos de glória. 

P. S. (7.1.2009, 23:12) - Liguei agora a televisão e ouço novamente MS, a ser entrevistado creio que por Clara Ferreira Alves. O primeiro acto da comédia, de que falei ontem, ainda dava margem para alguma benevolência. Ao ver este segundo acto, digo "chega". Faço duas perguntas. 1. Não há ninguém no extenso círculo soarista, a começar pelo filho, que consiga controlar um pouco a visibilidade dos males da idade? 2. Quem está interessado em expor na comunicação social este espectáculo doloroso?

Fico ainda a observar uma coisa mais agradável. Nestas conversas de agora, MS fala com evidentes limitações intelectuais mas, felizmente, agora que o seu controlo mental já não é possível nem necessário, vem-lhe ao de cima um discurso pobre, mesmo banal, quase que politicamente infantil, mas encantadoramente rico de valores de esquerda, de solidariedade, de combate. Quero crer que, esquecidos todos os episódios tristes de tacticismo político, de oportunismo, de desenho do que é hoje o PS, esta é a substância nuclear do homem MS.

05 janeiro, 2009

Gaza, novamente

Em 30.12.2008, Margarida Santos Lopes escreveu no Público um artigo rigoroso, "Uma guerra para mudar as regras do jogo". Fiz um exercício, que me parece instrutivo: sem alterar uma letra, destaquei afirmações objectivas, postas um pouco a esmo, a não ser por obedecerem a uma ordem cronológica. Parafraseando, "não há regras neste jogo", vale tudo, ganha o maior batoteiro e aldrabão (desde que tenha boas cartas). Leia-se MSL:
"A 4 de Novembro deste ano [2008], Israel assassinou seis membros do Hamas, violando uma tahdiyeh ou trégua, que estabeleceu (mas nunca reconheceu publicamente) com o movimento islâmico, sob mediação egípcia, a 17 de Junho."

"O Hamas intensificou o lançamento de mísseis e morteiros sobre cidades israelitas - em sete anos, estes disparos mataram pelo menos 20 civis."

"Israel retaliou sujeitando a Faixa de Gaza a um duro bloqueio económico - com restrição de entrada de alimentos e medicamentos e cortes de combustível -, agravando uma situação humanitária que o Banco Mundial e ONG descreveram como 'catastrófica'."

"Khaled Meshaal, o chefe do Hamas exilado em Damasco, justificou a decisão de revogar a tahdiyeh, a partir do dia 18 de Dezembro, invocando as execuções dos seus operacionais e o cerco a que Gaza está sujeita."

"Segundo o diário hebraico Ha'aretz, os preparativos para a vasta operação militar em curso começaram há seis meses - quando o Egipto mediava novamente negociações para a prorrogação da trégua - o Hamas exigia como condição o levantamento do bloqueio."

"Na altura, o ministro israelita da Defesa, Ehud Barak, terá ordenado aos serviços de espionagem que identificassem todos as instalações das "forças de segurança" do Hamas e de outros grupos radicais em Gaza."
Mas, afinal, pergunto-me eu [JVC], há regras para o jogo da guerra? Ainda há Anterroche, "messieurs les Anglais, tirez les premiers"? Ou o general francês mais genuíno não terá sido Cambronne, com o seu "tout simple, tout court" "Merde!"? E a guerra é mesmo um jogo, a que se assiste nos clubes ingleses com o mesmo snobismo com que se discute o último jogo de cricket? Com a noção desportiva do handicap que justifica que é bom negócio, com base no valor de mercado dos humanos, trocar um isreaelita, até já cadáver, por 100 palestinianos?

A guerra é um jogo? Estupidez, dirão, como é que este tipo pergunta isto, deve estar senil! Ai sim, o que é que diferencia as horas passadas por um jovem ao computador ou até frente à televisão a jogar jogos de guerra na Playstation das horas em que nós madurões sabidos e controlados passamos a ver, na mesma televisão, em directo, todos os efeitos visuais (infelizmente não virtuais) da guerra em directo (Afganistão, Sérvia, Kosovo, Iraque)?

Estaremos longe de a guerra vir a começar à hora dos telejornais, como os discursos dos líderes nos comícios partidários? Os "efeitos colaterais" não serão apenas uma espécie de perdas extraordinárias no balanço e contas destes novos empresários belico-mediáticos, da nossa versão actual de "panem et circenses"?

Esta história das guerras actuais faz-me pensar que talvez uma verdadeira negação de Marx, ao contrário de outras que por aí correm, em época de emergência de consciência revolucionária, de classe, do novo proletariado (os banqueiros falidos e especuladores financeiros em revolta contra o nefando capitalismo que os traiu), essa negação estranha, dizia, vem do Solnado e da sua guerra de 1908.

Marx disse que a história se repete, primeiro como drama, depois como farsa. Não é verdade, o Solnado é que adivinhou: primeiro como farsa, depois como drama. 

03 janeiro, 2009

Máxima

Não me ocorre ter lido esta máxima, mas estou absolutamente certo de que já alguém a escreveu. Ninguém reinventa a roda.

"Uma das principais características de um homem superior é a capacidade de se rir de si próprio"

02 janeiro, 2009

Ainda a crise de Gaza

O Público transcreve do Project Syndicate uma declaração importante de algumas figuras internacionais eminentes (Havel, Tutu e outros) sobre a crise em Gaza. Extraio uma passagem que me parece muito importante, em relação a um facto que ou desconhecia ou tinha esquecido.
Um protectorado internacional nesta área [JVC - incluindo a Cisjordânia] para proteger os palestinianos dos mais perigosos dos seus elementos, os palestinianos dos israelitas e talvez os israelitas de si próprios já foi proposta, mas recebeu um escasso reconhecimento.
Não me custa a crer que não mereça apoio. Nunca o governo israelita poderia exercer contra autoridades internacionais a sua política de retaliações desmesuradas, até porque provavelmente não teria pretexto de actos contrários. Por outro lado, o Hamas não teria grande viabilidade para a sua política de ser bom matar israelitas mas ainda melhor que morram palestinianos.

Creio que, de parte a parte, o problema de um protectorado é o do reconhecimento de um estado palestiniano, possivelmente prejudicado por uma situação de protectorado, simbolicamente oposta à de estado soberano. Parece-me claro que será muito difícil para a Autoridade Palestiniana defrontar o seu povo com tal recuo, depois de Oslo. Paradoxalmente, também Israel tira proveito político da ideia de um futuro estado palestiniano, significando a sua benevolência e espírito de diálogo e de paz, embora apenas uma bandeira de jogo político.

Ainda mais difícil me parece outra internacionalização, teoricamente óbvia (“IMHO”), a de Jerusalém, património da humanidade, cidade sagrada das três religiões abraâmicas.

Perante a crise

Neste início de 2009, a inevitabilidade da crise, a pequenez do cidadão comum para a defrontar, a preocupação dos governos com os grandes – os especuladores, os que se passaram do neoliberalismo "hardcore" para um keynesianismo hipócrita – levam-me, em quase protesto subconsciente, a "filosofar barato". Ao menos isto ninguém me tira. Hoje lembrei-me de uma passagem do Cyrano de Bergerac que dá uma luz interessante, talvez ajustada à minha idade, ao sentido das lutas.
"Que dites-vous?. . . C'est inutile?. . . Je le sais!
Mais on ne se bat pas dans l'espoir du succès!
Non! non!
c'est bien plus beau lorsque c'est inutile!"
Já agora, sem ter tanto a ver com a crise, as últimas frases de Cyrano, de que me lembro sempre:
"Oui, vous m'arrachez tout, le laurier et la rose!
Arrachez! Il y a malgré vous quelque chose
Que j'emporte, et ce soir, quand j'entrerai chez Dieu,
Mon salut balaiera largement le seuil bleu,
Quelque chose que sans un pli, sans une tache,
J'emporte malgré vous, et c'est. . .
(...)
Mon panache."

In memoriam


Helen Suzman, falecida ontem com 91 anos, combatente corajosa contra o apartheid, como deputada (branca) do Partido Unido. Heróis e heroínas que muitos desconhecem neste jardim confortável, há muitos. Desconhecimento triste, num país que, há décadas, revelou ao mundo também muitos resistentes internacionalmente respeitados e apoiados em acções de solidariedade política.

01 janeiro, 2009

Optimismo

Althusser escreveu um dia que os cientistas desenvolvem uma"filosofia espontânea" muito própria, em que ressalta muito caracteristicamente uma crença optimista no progresso, progresso em parte substancial resultante do conhecimento científico e das suas aplicações. Vale a pena, neste primeiro dia de um ano que se adivinha muito difícil, recordar um dos exemplos mais famosos dessa atitude racionalmente optimista. Trata-se da resposta de Pasteur aos discursos de homenagem na sua sessão jubilar, em 1892.

Vous enfin, délégués des nations étrangères, qui êtes venus de si loin donner une preuve de sympathie à la France, vous m'apportez la joie la plus profonde que puisse éprouver un homme qui croit invinciblement que la science et la paix triompheront de l'ignorance et de la guerre, que les peuples s'entendront, non pour détruire, mais pour édifier, et que l'avenir appartiendra à ceux qui auront le plus fait pour l'humanité souffrante.

P. S. - Esta nota foi-me evocada por uma de Luís Moutinho, na UniverCidade.

P. S. 2 - Lembro-me de uma estátua de Nobel, creio que em Paris, que tem inscrita no pedestal uma célebre máxima de Pasteur: "L'ignorance sépare les hommes, la science les approche".