"Este livro, quando pela primeira vez apareceu, vai em dez anos, levantou no mundo literário não pequena borrasca, borrasca que ao sopro de ventos rijos se transformou na famosa tormenta, conhecida pela Questão Literária, que tantos destroços produziu ... e tantos folhetos! Foram tempos tormentosos esses; e no meio da paixão geral, era naturalíssimo que em nenhum dos dois campos rivais fosse o livro do moço e audacioso poeta, julgado com equidade. Assim sucedeu. O livro, em que uns quase saudavam uma espécie de Messias que vinha abrir uma nova idade literária, e diante do qual velavam outros a face como diante da abominação da desolação da antiga, sã e respeitável poética lusitana, o livro afinal não merecia «ni cet exces d'honneur ni cette indignité». Tudo isto passou. Hoje, em face desta segunda edição, sentimo-nos muito sossegados e podemos dizer, que se o pensamento do autor é por vezes violento e como que profeticamente exaltado, a ponto de transpor não raro os limites da poesia para se precipitar nas declamações ou proclamações revolucionárias, em compensação esse pensamento conserva sempre uma elevação crente e, ainda nos seus excessos, nobremente filosófica, que ninguém confundirá a raiva a frio de um petroleiro sistemático. O sr. Antero é um «revolucionário idealista»: dizendo isto não pretendemos elogiá-lo nem censurá-lo, mas tão-somente definir as tendências do seu espírito. O seu livro teve, quando apareceu, e tem ainda hoje, uma grande novidade (ou, se quiserem, originalidade) pois que este género de poesia de que as Odes Modernas são na literatura portuguesa um exemplo único, em nenhuma das literaturas contemporâneas é muito cultivado: em França, em Inglaterra, nos Estados Unidos, é mais ainda uma tendência do que uma escola, embora essa tendência tenha já inspirado obras como Les Jambes, de Barbier, L’année terrible, de Hugo e Leaves of grass de Walt Whitman. Dizem alguns que as Odes Modernas fizeram escola entre nós. Não nos parece isso. O tom da nossa poesia portuguesa não é bem este: aqui há uma corda mais grave, mas ao mesmo tempo mais rude, e é isso o que nos faz crer que o livro do sr. Antero ficará na literatura portuguesa como um monumento isolado – tanto mais curioso e interessante, por isso mesmo. Nesta segunda edição (onde há que louvar, para quem a cotejar com a primeira, o esforço visível do autor para conseguir a máxima correcção de forma) incluem-se várias composições inéditas, onde nos parece encontrar, ao lado de um estilo mais seguro, mais senhor de si, uma maior harmonia e equilíbrio de pensamento, o que tudo constitui seguramente um progresso digno de ser notado. Esperemos agora esta reincidência do autor, reaparecendo diante do público com o livro escandaloso na mão, se ainda afligir as almas piedosas, pacatas ou satisfeitas, ao menos não levante ruído que incomode os estudiosos."P. S. - Pensando bem, a mistura complicada de deísmo, espiritualismo e realismo de Whitman estará muito distante de Antero? Provavelmente é mais afastada, no plano formal, a sua liberdade de estilo, comparada com o classicismo de rima e métrica de Antero.
P. S. 2 - Desculpem o snobismo, mas acho que há referências parvamente intelectualoides que podem ter alguma graça. Falei de Antero e, de raspão, aludi a fradiquismo. Lembram-se de que Fradique, como Antero e - já agora - também eu e muitos meus leitores, era parido de lava e mar açorianos? Há anos, tinha eu mordomia de motorista, conversava muito com o impagável JPN, ex-marinheiro convertido a motorista, que dessa situação passada tirava a liberdade de me dizer "agora, prof., vai uma de marinheiro para marinheiro". Outras vezes, reagia quando me falava em alguém e eu dizia que era meu conterrâneo: "prof, não pode ser, começo a pensar que, aqui em Lisboa, se eu der um pontapé numa pedra saltam logo debaixo três açorianos importantes".
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