05 janeiro, 2009

Gaza, novamente

Em 30.12.2008, Margarida Santos Lopes escreveu no Público um artigo rigoroso, "Uma guerra para mudar as regras do jogo". Fiz um exercício, que me parece instrutivo: sem alterar uma letra, destaquei afirmações objectivas, postas um pouco a esmo, a não ser por obedecerem a uma ordem cronológica. Parafraseando, "não há regras neste jogo", vale tudo, ganha o maior batoteiro e aldrabão (desde que tenha boas cartas). Leia-se MSL:
"A 4 de Novembro deste ano [2008], Israel assassinou seis membros do Hamas, violando uma tahdiyeh ou trégua, que estabeleceu (mas nunca reconheceu publicamente) com o movimento islâmico, sob mediação egípcia, a 17 de Junho."

"O Hamas intensificou o lançamento de mísseis e morteiros sobre cidades israelitas - em sete anos, estes disparos mataram pelo menos 20 civis."

"Israel retaliou sujeitando a Faixa de Gaza a um duro bloqueio económico - com restrição de entrada de alimentos e medicamentos e cortes de combustível -, agravando uma situação humanitária que o Banco Mundial e ONG descreveram como 'catastrófica'."

"Khaled Meshaal, o chefe do Hamas exilado em Damasco, justificou a decisão de revogar a tahdiyeh, a partir do dia 18 de Dezembro, invocando as execuções dos seus operacionais e o cerco a que Gaza está sujeita."

"Segundo o diário hebraico Ha'aretz, os preparativos para a vasta operação militar em curso começaram há seis meses - quando o Egipto mediava novamente negociações para a prorrogação da trégua - o Hamas exigia como condição o levantamento do bloqueio."

"Na altura, o ministro israelita da Defesa, Ehud Barak, terá ordenado aos serviços de espionagem que identificassem todos as instalações das "forças de segurança" do Hamas e de outros grupos radicais em Gaza."
Mas, afinal, pergunto-me eu [JVC], há regras para o jogo da guerra? Ainda há Anterroche, "messieurs les Anglais, tirez les premiers"? Ou o general francês mais genuíno não terá sido Cambronne, com o seu "tout simple, tout court" "Merde!"? E a guerra é mesmo um jogo, a que se assiste nos clubes ingleses com o mesmo snobismo com que se discute o último jogo de cricket? Com a noção desportiva do handicap que justifica que é bom negócio, com base no valor de mercado dos humanos, trocar um isreaelita, até já cadáver, por 100 palestinianos?

A guerra é um jogo? Estupidez, dirão, como é que este tipo pergunta isto, deve estar senil! Ai sim, o que é que diferencia as horas passadas por um jovem ao computador ou até frente à televisão a jogar jogos de guerra na Playstation das horas em que nós madurões sabidos e controlados passamos a ver, na mesma televisão, em directo, todos os efeitos visuais (infelizmente não virtuais) da guerra em directo (Afganistão, Sérvia, Kosovo, Iraque)?

Estaremos longe de a guerra vir a começar à hora dos telejornais, como os discursos dos líderes nos comícios partidários? Os "efeitos colaterais" não serão apenas uma espécie de perdas extraordinárias no balanço e contas destes novos empresários belico-mediáticos, da nossa versão actual de "panem et circenses"?

Esta história das guerras actuais faz-me pensar que talvez uma verdadeira negação de Marx, ao contrário de outras que por aí correm, em época de emergência de consciência revolucionária, de classe, do novo proletariado (os banqueiros falidos e especuladores financeiros em revolta contra o nefando capitalismo que os traiu), essa negação estranha, dizia, vem do Solnado e da sua guerra de 1908.

Marx disse que a história se repete, primeiro como drama, depois como farsa. Não é verdade, o Solnado é que adivinhou: primeiro como farsa, depois como drama. 

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