Muito se tem escrito sobre o quadragésimo aniversário de Maio de 68, a meu ver com alguma dose de mitificação. Não me arrogo o direito de falar em nome da geração que, cá longe, o acompanhou, a minha geração, de/dos 60, mas parece-me que temos uma visão mais objectiva do que foi Maio de 68.
Por exemplo, escreveu há dias o director do Público, José Manuel Fernandes, que a juventude portuguesa devia duas coisas essenciais ao movimento de Maio: a liberdade sexual e o despertar para o envolvimento na reforma da universidade. Nada mais errado. Em 1968, a vida sexual entre namorados estudantes era coisa banal. Quando muito, pode-se dizer, ao que me recordo, que não havia era promiscuidade considerável, como veio a acontecer para o fim da década seguinte. Quanto à reforma da universidade, tal afirmação é uma ofensa a tudo o que de estudos, debates, publicações marcou a vida associativa dos anos 60.
Sou de opinião que Maio de 68 em França pouco marcou os estudantes portugueses, com excepção dos exilados em França. Aliás, passou-se um pouco o mesmo por toda a Europa, com excepção de Berlim. De certa forma, foi um fogacho. A provável estranheza com que alguns leitores lerão isto, leva-me a recorrer à glosa de um artigo provocador, “
Praga y Memphis en Mayo”, de Antonio Muñoz Molina, publicado recentemente no El País. Até reproduz a célebre boutade de Pasolini, dizendo que tinha mais simpatia pelos polícias do que pelos estudantes, porque os primeiros eram filhos de operários e camponeses e os segundos eram filhos de burgueses ricos.
A reacção portuguesa, provavelmente também a espanhola, tem muito a ver com a influência marcante do partido comunista, com o aparecimento ainda quase vestigial dos grupos maoistas, sendo ambas as correntes claramente reticentes, para não dizer hostis, ao anarquismo ou a alguma influência trotskista sobre Maio de 68. Anarquistas e trotskistas, cá, só raros e por brincadeira. Por isto, para a minha geração, “a imaginação ao poder” e outros slogans eram engraçados, mas não pareciam coisa séria.
É por tudo isto que teve muito maior repercussão no movimento estudantil português, até com dissidências políticas que maio de 68 não causou, a concomitante Primavera de Praga. Aí sim, víamos revolução, adivinhávamos (ou desejávamos) uma rotura histórica com o então já fossilizado regime soviético. Não se deve esquecer também o reflexo entre nós do movimento estudantil americano. Mais uma vez, lidava-se com coisas bem menos ligeiras do que em França, era a guerra do Vietnam, que muito nos dizia por os nossos protestos contra ela serem facilmente relacionáveis com a nossa luta anti-colonial.
Como nota final, por já estar fora da universidade e com pouco contacto com Coimbra, não faço ideia sobre se a crise de Coimbra de 1969 deve muito, pouco ou nada a Maio de 68. Pelos seus principais protagonistas e as suas posições políticas, suspeito de que não deve muito.