16 outubro, 2007

A guerra não escolhe

Acabei de ver o primeiro episódio da série “Guerra”. Devia esperar, reflectir, amadurecer a escrita, mas não resisto. Há alturas em que não se pode travar a alma. Parabéns, RTP, parabéns, Joaquim Furtado. Já não era sem tempo. Exorcismo, catarse, informação, cada um verá estes documentários à sua maneira, mas certamente sem a frieza de olhar de revés para telelixo, entre cocacola e pastilha elástica.

Só algumas notas soltas.

1. As declarações do então governador geral, Silva Tavares, são patéticas. O excelso Salazar não fazia a mínima ideia do que era Angola, embalado no seu sonho imperial. 1500 soldados, organizados em termos de guerra clássica contra a “Rússia”, concentrados nos grandes centros urbanos. Nos Dembos, para onde a informação militar já chamava a atenção, nem um soldado. Por isto, naqueles dias, a declaração oficial foi “Deus vos proteja”. Como na Índia, em que a pátria e o império exigiam a morte gloriosa daqueles infelizes militares para lá desterrados.

2. Surpresa, a imagem de Holden Roberto. Aparece como um homem sensível, que atrasa dois dias (de 15 para 17 de Março de 1961) o anúncio do levantamento da UPA, impressionado com os excessos que não conseguiu controlar. Hipocrisia? Não sei, mas dou sempre o benefício da dúvida.

3. Também a confirmação, ainda a guerra ia no começo, de que não se pode vencer uma guerra de guerrilha. Veja-se aquela coisa elementar dita por Holden Roberto: “escolhemos Março, época das chuvas. Os camiões portugueses atolavam-se na lama, nós chegávamos perto e disparávamos o que podíamos, retirávamo-nos a pé, debaixo da chuva, só nos molhava”.

4. O papel dramático dos bailundos, os pobres contratados do café, quase vestígios da escravatura. Entre os dois fogos, odiados por uns e outros, morreram também. É difícil num conflito não tomar partido claro.

5. Alguns pormenores de política internacional que não conhecia: o apoio tunisino, tendo sido tropas tunisinas de capacete azul da ONU que levaram as primeiras armas para Angola. Também o papel de Franz Fannon. E o das missões protestantes, este sim, já conhecia (amigo Timótio, catequista protestante na Quissala, provavelmente já estás com o teu Deus).

6. Finalmente, o aparecimento na TV de uma figura impressionante, um guerrilheiro de 1961, José Mateus Lelo, desertor do exército português. Sabedoria de velho africano, imagino-o bem como o meu velho amigo rei do povo do Quissacala, na beira do meu pai rio Zaire. A ele fico a dever o título exemplar desta nota: “a guerra não escolhe”.

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