25 outubro, 2007

Nova constituição?

A primeira grande tirada do novo presidente do PSD não espanta, é coisa recorrente em políticos que julgam ter grande sucesso com a reclamação de uma nova constituição. Sem isto, Portugal é ingovernável. Simplesmente, nunca ouvi explicarem-me porquê e portanto o que é necessário mudar. Não deixa de ser relevante que há muita gente de direita, neoliberal, conservadora, que diz que não temos nenhum problema constitucional. Alguns voltaram agora a dizê-lo, a propósito das declarações de Luís Filipe Menezes.

Paradoxalmente, até vou dar uma ajudazinha a LFM e apontar para uma disposição constitucional que, a meu ver, precisava de ser revista, mas não por eu seguir a lógica menezina, muito pelo contrário. Trata-se da alínea (e) do nº 2 do artº 74º, que obriga o Estado a “estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”. Não tenho qualquer dúvida em relação aos graus que, em cada momento, a lei defina como ensino obrigatório. Não é manifestamente o caso do ensino superior. Pior, esta disposição é perversa e tem, a meu ver, consequências sociais que são opostas às intenções piedosas dos constituintes.

Como se sabe, esta disposição não impede a existência de propinas nem mesmo a sua actualização, mas o “progressivamente” impede claramente o seu agravamento para além de uma simples correcção do seu valor nominal, não do valor real. Relembro o que escrevi, em artigo recente a propósito dos empréstimos aos estudantes da educação superior ("O financiamento da educação superior - O modelo dos empréstimos"). Não creio que o valor das propinas seja o factor mais adverso à inclusividade da educação superior, quando comparado com custos de subsistência, de deslocação do meio familiar, até o "custo da oportunidade da educação" (a falta do contributo salarial para a economia familiar).

É neste sentido que o actual sistema de financiamento me parece socialmente injusto. Estão a beneficiar de propinas relativamente baixas muitos e muitos estudantes que já foram beneficiados, por aquelas razões, na facilidade de acesso à educação superior. Por outro lado, com custos crescentes da educação superior (e Bolonha é muito cara, se for a sério!), o Estado não poderá financiar adequadamente um sistema eficaz de apoio social (refiro-me principalmente ao sistema de empréstimos, mas à inglesa, não este simulacro agora anunciado em Portugal) continuando a financiar ao nível actual as instituições. Logo, estas terão de ir buscar o financiamento a um aumento considerável das propinas.

Não cabe nesta nota discutir em pormenor a tese que defendi no referido artigo, mas repito, no essencial. O encargo público, de todos os contribuintes, não aumentaria. O que mudaria era a redistribuição. Um bom sistema de empréstimos alargaria consideravelmente a possibilidade de acesso aos estudantes de menores posses; ao mesmo tempo, o aumento das propinas faria pagar justamente pelos mais favorecidos o benefício privado que tiram de um curso superior; e, “last but not the least”, seria um factor de procura competitiva de financiamento pelas instituições e, portanto, um desafio a acréscimos de qualidade.

Quando chegar a altura de uma revisão constitucional, voltarei a lembrar isto. Até lá, paciência.

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