09 outubro, 2007

Novamente o Público e o ensino do jornalismo

Leio habitualmente com atenção a crónica dominical do provedor do Público, Rui Araújo, sempre isenta e ponderada. A correspondência que lhe envia este "chato do costume" encheria páginas e sou sempre tratado por ele com consideração. Não concordo com uma sua afirmação na última crónica. O tema até não me diz muito, o surf, mas vê-se que a colecção de asneiras escritas pelo jornalista é mesmo digna de um jornal “de referência”. O provedor termina com coisa parecida com o que aqui já escrevi: “o surf é só um desporto, mas é certo que estes erros são preocupantes. Podem deixar presumir que o conjunto das matérias noticiadas no jornal contém inúmeros erros. Ora, como se sabe, qualquer generalização é perigosa”. Concordo, em geral, com a última frase, mas, lamentavelmente, não neste caso. Já apanhei tantos erros do Público em assuntos que domino que me parece legítimo extrapolar para o conjunto das matérias.

A este propósito, volto a insistir no que já aqui uma vez discuti. Não tenho dados seguros, mas creio que a maioria dos jornalistas das gerações mais recentes são licenciados em comunicação social. É um exemplo típico de curso da época do apogeu da chamada banda estreita, dos cursos especializados. Foi um curso muito inovador, e é bem pena que não tivessem podido usufruir das suas vantagens gente como Norberto Lopes, Mário Neves, Rodrigues da Silva, Saramago ou Baptista Bastos. Que bons jornalistas teriam sido!

Volto a um exemplo que extraio de um conjunto de dados com que ilustro normalmente, nas minhas palestras, a questão da empregabilidade geral. A Universidade de Chicago oferece graus de BSc (licenciatura) em 94 áreas, algumas tão estranhas para nós como Mundo mediterrânico, Estudos gerais (!), Estudos judaicos, História da cultura, Pensamento social. Curiosamente, esqueceu-se da comunicação social ou jornalismo. Se formos ver qual a formação dos seus graduados que se empregaram no jornalismo (imprensa rádio e televisão), 7% são de ciências, 10% de economia, 17% de história e 66% de todas as humanidades.

Em Portugal, diz-se que os licenciados em humanidades não têm emprego. Na comunicação social, sofrem a competição dos respectivos licenciados. Este ano, inscreveram-se em cursos de comunicação social 516 estudantes (e também vão ter emprego?…). O contingente de áreas com formação cultural de base para o jornalismo é muito maior: 245 em história, 417 em geografia, 407 em ciências políticas e internacionais, 475 em culturas (excluindo as línguas, em sentido estrito). Aposto que o triste panorama dos jornais (incultura, falta de rigor intelectual, barbaridade na escrita em português) seria bem diferente se fosse este o campo de recrutamento preferencial dos jornalistas.

Nota - A jornalista Catarina Gomes escreve sobre "as sepulturas judias" vandalizadas. Asneira. Judia é o feminino do substantivo judeu, mas não do adjectivo judeu. Podia ter escrito era judaicas. São pequenas coisas de cultura geral e da língua, enfim, picuinhas, qual é o jornalista que tem de se ralar com isto? A propósito, escrevi "tem de". Quantos jornalistas escrevem "tem que"?

P. S. (10.10.2007) - Eu não dizia? Vem hoje no Público: "Chrysler pode ter que enfrentar..." E é título, o que, segundo julgo, nunca é da responsabilidade de um jovem jornalista.

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