15 dezembro, 2005

O debate Alegre-Soares

Tinha receio de o debate de ontem ser de picardias, rasteiras e caneladas. Afinal, foi civilizado. Em princípio, era um debate importante para o eleitorado do PS. Não sei como terá reagido. Sobre o conteúdo, gostaria de realçar um aspecto importante, que já é leit-motif destes debates: o dos poderes presidenciais. Alegre é o candidato que, nesta matéria, se tem aventurado mais e, por isso, tem sido criticado. A sua posição de ontem sobre a dissolução em virtude de medidas como a hipotética privatização da água ou da rede eléctrica é certamente polémica mas não leviana.

Para mim, há alguma incongruência na relação entre a importância dada ao cargo e os seus poderes. Assistimos a uma campanha renhida e com grande investimento de meios. Candidatam-se pessoas de grande peso político. Os eleitores interessam-se, como se vê pela audiência dos debates. É o único cargo para o qual há eleições directas e com candidatos uninominais. No entanto, grande parte das respostas nos debates repete infindamente que respeitarão os poderes constitucionais, mas que estes são reduzidos (bem, segundo os candidatos) e repetem as coisas vagas que podem fazer: conversar com o primeiro ministro, enviar mensagens à Assembleia da República, vetar leis, mas com o veto sujeito à confirmação da lei pelo parlamento.

Não estou com isto a defender o alargamento dos poderes, apenas a notar que esta situação faz esbater bastante a diferença entre os candidatos e possivelmente desinteressa os eleitores. Só Alegre se afasta um pouco do coro geral, com um entendimento menos formal do que é o "regular funcionamento das instituições", mas que abre a porta a receios quanto à estabilidade politica. Por outro lado, ainda sobre a dissolução, a tese de Soares de que o PR se deve demitir se o eleitorado voltar a eleger a mesma maioria parece-me descabida.

De Manuel Alegre, retenho ainda uma outra ideia nova: a do envolvimento das forças armadas num braço armado da CPLP para operações de manutenção da paz. Também apreciei a sua critica à falta de empreendedorismo e de inovação de muitas empresas que só vivem dos salários baixos (acabou-se, com a China). A sua tese de que, quanto à Ota e ao TGV, a maior preocupação do PR deve ser a da transparência do financiamento também o demarca das declarações vagas de outros candidatos.

Acrescento algumas notas técnicas. Não sou especialista de imagem mas sei alguma coisa empírica de comunicação e tive alguma experiência politica.

1. Alegre voltou a usar um fato que lhe cai mal. Já a gravata vermelha lisa foi bem simbólica, naquele debate. Quanto ao discurso, pareceu-me mais elegante e fluido do que no primeiro debate (o nervosismo da estreia?). As condições de som, ao contrário das muito más no debate com Cavaco, valorizaram agora uma pequena arma, mas importante: a voz. Mas, em relação ao som, é incompreensível que a "régie" não tenha tirado o som os jornalistas enquanto os candidatos falavam.

2. Nunca critiquei a candidatura de Soares por causa da sua idade, mas admito que isso conte para o eleitorado. Ontem, ela foi visível, principalmente porque há, para comparação, uma muito maior memória da figura anterior. Soares está cansado, naturalmente perdeu a sua vivacidade, que tanto contribuía para a sua imagem. Acrescido ao facto de que ninguém acredita em que ele possa corresponder à estabilidade que os eleitores desejam e que têm mostrado com a muito fácil reeleição do presidente, porque, naturalmente, só poderia cumprir um mandato. A ideia de que será como Bento XVI, um papa para duração curta, não o favorece.

3. Talvez por esse cansaço, cometeu dois erros clamorosos. Primeiro, por duas vezes, usou a expressão "o presidente Cavaco Silva". Inadmissível, para o instinto politico de Soares. Depois, na intervenção final, se não é bom olhar para os jornalistas - e Alegre aprendeu já a não o fazer - muito pior é estar quase todo o tempo de olhos baixos, a olhar para a cábula, como fez Soares.

4. Na técnica da última frase de cada intervenção, Soares esteve muito mal. Alegre terminava cada intervenção com uma frase síntese para ficar no ouvido; Soares terminava-as com uma frase banal, que não parecia transmitir qualquer ideia chave. Até numa simples aula, um professor experiente conhece a importância do remate.

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