05 novembro, 2007

Deontologia médica

Quem escreve sobre deontologia de outras profissões devia preocupar-se um pouco com a deontologia de quem tem a comunicação social à sua disposição. Não é o que faz António Bagão Félix (ABF), num artigo de há dias no Público, "Aborto: ética e lei". Protesta contra a intenção do governo de fazer consagrar no código deontológico médico (CDM) a adequação à actual lei do aborto, deixando de ele ser considerado, como hoje, praticamente em todos os casos, como uma violação ao CDM.

Escreve ABF que "é habitual a confusão entre a lei e a ética. Mas o que é certo (e elementar) é que nem tudo o que é legal tem automaticamente o estatuto de conformidade ética e nem todo o enquadramento ético é regulado pela lei". Isto é verdadeiramente elementar, como ABF escreve.

A grande confusão, que me custa a compreender numa pessoa com a cultura de ABF, é entre ética e deontologia. São coisas completamente diferentes. A ética, embora com raízes sociais e culturais colectivas, é essencialmente do domínio individual. Neste sentido, a lei vai-lhe como companheira de caminho, mas com marchas diferentes. E a lei até é generosa, permitindo, neste caso como em muitos outros, a objecção de consciência, que, lembre-se, é um acto estritamente individual.

Deontologia é diferente. Embora assente em valores éticos, traduz-se num código imperativo, que já não tem a ver com a ética individual mas sim com o conjunto de regras que rege a prática profissional, numa determinada situação histórica, cultural e social. E, sendo um código, implica penalização pelo seu não cumprimento, independentemente da opção ética individual.

Lembremo-nos de que foi esta a opinião do bastonário. Em declarações que agora não posso reproduzir literalmente, disse que esse "valor deontológico" (não percebo: a deontologia tem regras exactas ou valores?) é milenar, já vem do juramento de Hipócrates e deve manter-se. Isto é espantoso, que um velho grego ainda continue a mandar nos tempos de hoje, mas adiante. Disse também o bastonário que, apesar disto, a Ordem não tencionava processar nenhum médico que cumprisse a nova lei. Raramente tenho lido maior exemplo de hipocrisia!

P. S. (10:00) - Acabo de ler um texto sobre o mesmo assunto de Vital Moreira, no causa nossa.

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