18 fevereiro, 2007

Miguel Sousa Tavares

Não conheço pessoalmente Miguel Sousa Tavares (MST), mas tenho uma grande relação com ele, como leitor. Relação ambígua. Não vou falar do escritor, do "Equador", seria coisa longa. Agora vou falar do MST jornalista. Não gosto do MST arrogante, sobranceiro, com tiques de "menino bem". Mas acho piada à sua verve, à sua acutilância, e admiro a sua coragem, ao lutar, muitas vezes, contra o mais fácil e confortável.

Reproduzo parte da sua crónica no último Expresso, "Prova de vida". Um mimo de sabor queiroziano (e lá volto a pensar no "Equador", queirozianismo muito mal conseguido, a meu ver, mas fica fora desta conversa).
"Façam para aí umas sondagens, perguntem aos portugueses na rua, e eles estão todos de acordo com tudo o que lhes cheire a 'modernidade': os fumadores agradecem que os proíbam de fumar em todo o lado; os pacientes das filas de trânsito em Lisboa estão de acordo com os novos radares municipais que os vão explorar até ao tutano, nos raros locais e ocasiões em que possam circular a mais de 50 kms/hora; os gordos agradecem que lhes acabem com o queijo da Serra amanteigado e se preparem para fazer o mesmo às horríveis sardinhas assadas; os "pacientes" (extraordinária palavra!) do colesterol estão reconhecidos a quem determinou que o azeite tem de ser todo igual, de marca, inviolável e sem sabor; os sedentários suspiram por um decreto que os obrigue a correr três quilómetros por dia, como o engenheiro Sócrates; os noctívagos estão mortinhos pelo dia em que só lhes sirvam pirolitos e sumos naturais nos bares; os caçadores nada mais desejam do que a hipótese de se curarem clinicamente desse instinto homicida que os leva a querer matar animaizinhos que voam ou correm por essa natureza fora; os doentes do futebol querem que os castiguem de cada vez que chamarem nomes à mãe do árbitro ou rogarem pragas ao presidente do outro clube. Todos, se perguntados, vão querer um país novo, livre de pecado e vício, de cheiro a sardinhas assadas ou jaquinzinhos fritos, um país assim... como Bruxelas, essa cidade empolgante. Só escapam os casinos - que esses são modernos, cheios de «glamour», «design», cultura, «soshi», «smokings», «jackpots» e «nouvelle cuisine». Os portugueses adoram que os flagelem, que os proíbam, que os controlem, que os persigam, que tomem conta deles, como nos bons velhos tempos do senhor de Santa Comba.

É por estas e por outras que eu cada vez admiro mais os espanhóis. Disseram-lhes que tinham de adoptar os horários e hábitos de vida europeus e eles continuaram com a sua sesta. Quiseram-nos proibir de fumar em todo o lado e eles não levaram a sério. Deram-lhes uma lei do aborto igual à que nós tínhamos e eles levaram-na a sério e não deixaram que o lóbi dos médicos católicos a boicotasse. Ousaram sugerir a proibição dos touros de morte e eles responderam "nem se atrevam!" E, com tanta resistência pacífica e cívica, a Espanha é hoje um dos mais modernos e civilizados países do mundo. Continuando fiel à sua identidade e orgulhosa dela. Um país que não respeita as suas tradições não presta. Um país que não res¬peita os seus hábitos e a sua cultura, não existe: é assim uma espécie de alforreca, sem cor, nem cheiro, nem identidade. Uma Maria vai com todos."
É claro que tudo isto tem margem para discussão séria, mas é difícil darem-me esta margem, os novos puritanos, sem me irritarem e fazerem vir ao de cima o espírito de criança reguila. Falem-me em politicamente correcto e eu dou logo um grande traque em dó maior.

1 comentário:

Anónimo disse...

Man, és dos meus!
Às vezes também abomino o MST, mas não há dúvida que de vez em quando produz uns bons nacos de prosa.
E adoro a ideia do traque...