05 fevereiro, 2007

A coluna de João Caraça

Este meu "amigo fraterno" escreve mensalmente umas crónicas curtas, de grande qualidade, no suplemento de economia do DN. Deu-me agora o prazer de as publicar aqui. A honra é minha e aqui ficam registados, para hoje e para o futuro, os meus agradecimentos. Amizade à parte, maravilham-me sempre pela clareza aparentemente muito simples das ideias, aliada a uma grande concisão em que cada palavra tem de ser bem pensada. "Very british", coisa que ambos admiramos.

AS LIMITAÇÕES DE DAVOS

João Caraça

Quando o estado maduro de um período de transformação estrutural na economia se aproxima, naturalmente tolda-se a perspectiva clara do futuro. O ímpeto organizador de todo o funcionamento económico, e que permeou o da sociedade, vai-se espraiando: outras alternativas e problemas perfilam-se como igualmente legítimos. No caminho começam a surgir obstáculos e bifurcações. É esta a situação que vivemos hoje em relação à globalização, ou à “sociedade de informação e do conhecimento” ou, ainda, ao “novo paradigma da comunicação” (tudo declinações do mesmo fenómeno), que nasceram e cresceram a partir dos anos 1980 e 90. A única certeza económica que poderemos ter é a de que daqui por duas ou três décadas tudo estará muito diferente nas sociedades deste mundo. Tal como se passou connosco, em relação aos modos de vida de meados do século XX.

Mas como vai ser o mundo e como irá acontecer esta transformação ninguém sabe. Apenas poderemos extrair algumas implicações das grandes tendências que contextualizam a nossa actividade.

A primeira é, sem dúvida, a da necessidade crescente de energia para alimentar o desenvolvimento económico das sociedades humanas. Prevê-se que a procura de fontes primárias de energia duplique em 2050 (e triplique em 2100) em relação ao presente. O esforço de inovação na área da energia (das novas fontes à eficiência e às novas utilizações) vai ser dominante e quem não se preocupar e se preparar para ser parceiro activo neste domínio verá a sua relevância económica diminuir relativamente à dos outros. Uma leitura dos balanços bienais da OCDE sobre ciência, tecnologia e inovação é bem reveladora a este respeito, nomeadamente a do OECD Science, Technology and Industry Outlook 2004 (OCDE, Paris 2004).

Em segundo lugar, e este factor é sobremaneira importante para os países mais avançados, verifica-se um envelhecimento declarado nas nossas populações. Ora é bem sabido que a inovação resulta de uma atitude de abertura face ao exterior, de uma procura de oportunidades na fronteira dos conhecimentos, de uma rotura face ao estabelecido. Uma população envelhecida não exibe a mesma dinâmica inovadora de uma população em expansão, com dominância de estratos mais jovens.

E, em terceiro lugar, o modelo de competitividade das economias emergentes do oriente é baseado em salários baixos. Por quanto tempo resistirá a “economia baseada no conhecimento”, a que tanto nos orgulhamos de pertencer, à fragmentação induzida por esta feroz competição, sobretudo se for sustentada durante dez a vinte anos?

A imperfeição de Davos é a de não assumir integralmente a complexidade da realidade que vivemos: é impossível saber onde termina o económico e começa o social.

(DN, 1.2.2007)

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