A intolerância, com alguma dose de fanatismo, acompanha-se muitas vezes da incapacidade de reconhecer uma derrota. Em linguagem futebolística, tentam sempre ganhar na secretaria o que perderam no campo. Enganavam-se os que pensaram que os movimentos do "não" iriam ficar tranquilamente resignados, democraticamente, com a sua derrota. Já começou a guerra do aconselhamento.
Antes de comentar o assunto, anoto que esta campanha do aconselhamento promete ser tão "séria" como a do "não". São repetidas as alegações de que o PS e, designadamente, Sócrates estavam a trair o que prometeram na noite de 11. Posso estar enganado, mas nunca ouvi qualquer promessa em relação ao aconselhamento, apenas em relação ao estudo das boas práticas europeias. Mesmo que se queira ir tão longe que se pretenda que isto inclua o caso alemão, ele é muito mais do que a simples questão do aconselhamento. E porque é que o exemplo de um só pais há-de valer mais do que todos os outros?
Mais desonesto é outro argumento, surrealista. Afinal, quem está agora a ser defraudado é o votante no "sim" porque se sabe (!) que este voto só ganhou pelo convencimento de que a lei iria incluir o aconselhamento. Não sabia que o professor Chibanga tinha sido consultado pelos movimentos do "não".
A referência ao caso alemão não é inocente. Os agora lutadores pelo aconselhamento não gostam de deixar claro que na Alemanha as comissões de aconselhamento incluem representantes religiosos. Não tenho dúvidas de que, se aprovado cá o princípio do aconselhamento, o passo seguinte seria a exigência dessa participação.
Não consigo perceber a lógica do aconselhamento. Aconselhar só faz sentido como sabemos quando procuramos conselho, no caso determos dúvidas ou dificuldade de tomar uma decisão. Por princípio, o conselho é simétrico, ou para sim ou para não. Isto quer dizer que, hipoteticamente, uma grávida indecisa podia ser aconselhada a fazer um aborto, coisa que só a ela, estritamente, compete ter como intenção. Gato escondido com o rabo de fora, o que se pretende é que o aconselhamento seja sempre no sentido da dissuasão do aborto.
Coisa diferente, como aliás em qualquer procedimento médico, é haver uma consulta, estritamente médica, que permita à mulher uma decisão informada, um princípio hoje comum a praticamente todas as intervenções médicas. Também diferente é o acompanhamento posterior, tanto no que se refere a eventual apoio psicológico, se necessário, ou a ajuda no planeamento familiar. A meu ver, isto nada tem a ver, directamente, com uma lei do aborto.
Finalmente, e claramente relacionada com este assunto, a questão das declarações do Presidente da República. Não concordo de todo. Quando os partidos convergiram em declarações no sentido do desejo de busca de entendimentos, as declarações do PR são redundantes e configuram, não digo que propositadamente, uma intromissão na actividade parlamentar. O PR tem muitas formas de fazer chegar aos partidos as suas opiniões. Se o faz publicamente, tem de ser por razões importantes. Pergunto-me se não significa isto um aviso prévio em relação a um eventual veto politico, com base numa possível margem pequena de maioria. Se é, o PR corre um sério risco, porque creio que, num caso desta importância política, certamente seria desautorizado a seguir por uma confirmação da votação anterior.
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2 comentários:
Pois, via-se logo que não iam ficar calados. E parece mesmo que não se trata de aconselhamento. Estou mesmo a ver as comissões constituídas por um conjunto de "benfeitores/as" a atazanar as consciências. E se mesmo assim insistirem em pecar pelo menos o "castigo" já foi aplicado.
Ora nem mais. João!
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