02 fevereiro, 2007

Hipocrisias


Respeito as convicções sinceras e honestas de cada um. Respeito as suas crenças religiosas e as implicações morais que delas podem derivar. Mas não tolero a hipocrisia. A legenda da fotografia, "Proteger a Vida sem Julgar a Mulher" é, para mim, um exemplo manifesto. Os defensores do não já perceberam bem que há um fundo de simpatia e solidariedade para com as mulheres sofredoras do aborto, que ninguém mais as quer ver no banco dos réus.

Não percebo é como se pode compatibilizar um crime com a não condenação. Só o gato fedorento é que sabe (não percam um dos melhores momentos de humor televisivo). Daqui a dias, haverá uns fundamentalistas a exigir que fique como crime no código penal o acto de fumar, mas que, atendendo à dificuldade dos muitos coitados em deixar o vício, esse crime não levará ninguém a tribunal. Para essas pessoas, o código penal deixa de ser uma lei para se converter num texto de moral ou, pior, num catecismo.

Outra hipocrisia, em que até embarcou gente de esquerda, sempre à espera de um milagre de reconversão das mentalidades da hierarquia católica, é da aparente seriedade do apelo à abstenção de quem não está bem esclarecido (D. José Policarpo dixit). Isto é jogar em dois tabuleiros. Que ganhe o não, é o que esperam, mas, pela calada, vão apostando também na abstenção, para que o referendo não seja vinculativo. O que o cardeal devia aconselhar era que, em caso de dúvida, se vote em branco. Nisto estou de acordo, não com o incivismo da abstenção.

Finalmente, a desonestidade intelectual de um argumento cada vez mais avançado. Que lógica tem não condenar um aborto às dez semanas e condenar às dez semanas e um dia? Comparado com os anteriores exemplos de desonestidade este até é menor, mas ofende qualquer inteligência. Porque é que eu posso conduzir com uma alcoolémia de 0,49% mas não com 0,5%? Porque é que nada me acontece quando vou na auto-estrada a 120 Km/h mas sou multado se vou a 121 Km/h? Porque é que uma zezinha qualquer fica muito preocupada e começa a medicar-se logo que o colesterol aumenta um ponto acima do "normal"?

Isto é tão elementar que nem devia estar a escrever isto. Mas quando vejo pessoas cultas e socialmente responsáveis a dizer coisas destas, só me fica uma alternativa: ou, afinal, são estúpidas, ou são desonestas.

1 comentário:

lino disse...

E não serão, simultaneamente, as duas coisas?