11 fevereiro, 2007

Mandar e obedecer

As paredes dos corredores do meu liceu, "in illo tempore", estavam profusamente decoradas com quadros, obra prima de arte, as máximas de Salazar. Uma era, mais letra menos letra, "se soubesses o que custa mandar, gostarias mais de obedecer toda a vida". Deve ser das coisas mais execráveis que já li. Veio-me à lembrança por causa de um escrito de São José Almeida ("Liberdade"), no Público de 10.2.2007:
"A propósito de um concurso de televisão sobre o maior português de sempre (seja isso lá o que for), na segunda-feira à noite, Maria Elisa Domingues moderou um debate, na RTP1, em que foram apresentados argumentos e desenvolvidos raciocínios diversos sobre o pendor que os portugueses terão para serem mandados, para obedecerem, para aceitarem com docilidade e complacência o autoritarismo de um líder. Querendo tão-só questionar o problema, não estará esta conclusão um pouco desfasada da realidade? Não será que a questão está posta ao contrário? Isto é: não serão as elites portuguesas que têm um forte pendor autoritário e uma mentalidade e hábitos mentais de actuação social e cultural não democráticos, pouco tolerantes e pouco respeitadores do direito à individualidade do outro?"
"Elementary, my dear Watson!" Tenho alguma dúvida sobre essa propensão do português para a obediência. Até aos anos 70, a sociedade portuguesa de que Salazar se assenhorou era essencialmente rural e de cultura camponesa. Nessa cultura, sempre foi importante a rábula, a manhosice, a hipocrisia, a humildade fingida. Tudo isto a levar à imagem de obediência inata, mas só pública. No privado, o camponês sempre foi o ditador da família. E, ao contrário da imagem popularizada por Rafael, era portas a dentro que o Zé Povinho fazia manguitos, não em público.

Muito menos agora se pode esperar obediência instintiva de um povo que, bruscamente, se terciarizou, desertou do mundo rural, aprendeu com a Europa, primeiro na emigração agora nos negócios. São José Lopes tem razão: quem parece que nunca evolui são os que têm tendência para o autoritarismo ou para o qual se sentem predestinados, vá-se lá saber porquê.

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