"A propósito de um concurso de televisão sobre o maior português de sempre (seja isso lá o que for), na segunda-feira à noite, Maria Elisa Domingues moderou um debate, na RTP1, em que foram apresentados argumentos e desenvolvidos raciocínios diversos sobre o pendor que os portugueses terão para serem mandados, para obedecerem, para aceitarem com docilidade e complacência o autoritarismo de um líder. Querendo tão-só questionar o problema, não estará esta conclusão um pouco desfasada da realidade? Não será que a questão está posta ao contrário? Isto é: não serão as elites portuguesas que têm um forte pendor autoritário e uma mentalidade e hábitos mentais de actuação social e cultural não democráticos, pouco tolerantes e pouco respeitadores do direito à individualidade do outro?""Elementary, my dear Watson!" Tenho alguma dúvida sobre essa propensão do português para a obediência. Até aos anos 70, a sociedade portuguesa de que Salazar se assenhorou era essencialmente rural e de cultura camponesa. Nessa cultura, sempre foi importante a rábula, a manhosice, a hipocrisia, a humildade fingida. Tudo isto a levar à imagem de obediência inata, mas só pública. No privado, o camponês sempre foi o ditador da família. E, ao contrário da imagem popularizada por Rafael, era portas a dentro que o Zé Povinho fazia manguitos, não em público.
Muito menos agora se pode esperar obediência instintiva de um povo que, bruscamente, se terciarizou, desertou do mundo rural, aprendeu com a Europa, primeiro na emigração agora nos negócios. São José Lopes tem razão: quem parece que nunca evolui são os que têm tendência para o autoritarismo ou para o qual se sentem predestinados, vá-se lá saber porquê.
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