12 setembro, 2007

Nota gastronómica (XXVIII)

Cozinha da emigração

Vou continuar com feijoada, cozinha açoriana e suas coisas invulgares. Toda a cozinha das ilhas (insisto sempre em que há é cozinhas das várias ilhas, não uma cozinha açoriana única) é genuinamente radicada nas velhas tradições dos povoadores. A esta base acresceu a importação e largo uso de especiarias, creio que pelo mercadear com os navios da volta do largo. Mais recente, caso único que eu conheça de cozinha de emigração retornada, o feijão à calafona, hoje com todo o direito a ser já considerado cozinha regional genuína, principalmente em S. Miguel. Não me consta, pelo contrário, que a cozinha popular madeirense tenha incorporado usos venezuelanos ou sul-africanos.

É curioso que o termo calafona até não tem muito a ver com S. Miguel, muito mais com a Terceira e as outras "ilhas do meio", de onde partiu a maior emigração de camponeses e horticultores, para a Califórnia. Daí o "calafona". Pelo contrário, a emigração micaelense teve principalmente como destino a Nova Inglaterra e era de pescadores, em Batafé (adivinhem...) ou de operários indiferenciados na Maçachuça (idem...).

O que é o feijão calafona? Não vou contar todos os segredos da excelente receita que recolhi mas, no essencial, é um feijão cozido e juntado a carnes, a refogar em banha, cebola picada, alho e temperos. Depois, e esta é que é diferença para o que conheço das feijoadas portuguesas, passa tudo para uma assadeira, regado com um pouco de caldo das carnes e assa-se. Mas com um requinte: bem polvilhado com salsa picada, regado com mel e temperado no fim com canela.

Estranho? Claro que não. Isto é coisa de açoriano que se habituou a comer "baked beans" lá para as bandas de Boston. Como na terra não tinha "maple sirup", passou a usar mel. E a canela vem-lhe dos sabores ancestrais.

Nota - A melhor receita que recolhi vem no meu livro "O gosto de bem comer". É preciso atender à modernidade da receita. Coisas muito antigas tendem a sedimentar, com poucas variações. Esta receita, pelo contrário, difere muito de família para família emigrante.

Sem comentários: