08 setembro, 2007

Nota gastronómica (XXVII)

Feijoada da casa

Escrevi há dias que a feijoada açoriana é tradicionalmente de feijão rajado, não tanto em s. Miguel, mais nas "ilhas do meio". Fora isto, não tem nada de especial, a não ser a especificidade magnífica dos enchidos. Até é muito simples, sem hortaliças nem galinha ou arroz, só porco e enchidos açorianos. Coisa diferente é o feijão assado à calafona, com mel e especiarias, excelente (vem a receita no meu livro). Mas, voltando à simples feijoada, a da minha casa era uma especialidade e merece crónica.

O meu avô materno, de seu incrível nome Pretextato, foi um cabulão monumental, não conseguindo acabar o liceu. De castigo, o meu bisavô, com as posses que tinha, mandou o jovem para o Brasil, a aprender a vida com um primo distante, comerciante carioca bem sucedido. Mas o meu avô, qual quê! Um ano depois, obtido o perdão do pai austero, regressa com grande prova do seu sucesso brasileiro, coisas que a minha avó, com a lágrima ternurenta e saudosa de um amor furioso como nunca percebi outro, tirava da gaveta secreta (quem me dera tê-la!) nos momentos especiais de eu ir doente para a cama: um punhal índio, uns binóculos de teatro, umas pulseiras em cobre, os Albertinhos, duas figuras minúsculas em porcelana, um par de coralinas a que eu sempre chamei carolinas e uma boa ametista, que não sei por onde anda porque nenhum neto foi para bispo nem para farmacêutico.

Mas o meu avô, perdido pela boa mesa que o levou aos 50s de coração exaurido, trouxe coisa muito importante, a tal especialidade da feijoada familiar. Vinha sempre para a mesa, na minha casa de miúdo: farinha de pau, moída bem grosso e ligeiramente tostada! Curioso é que, nos anos 50, se vendesse nos Açores farinha de mandioca.

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