"Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela.
Que é tão bela,
Oh pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Oh pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Oh pescador!
Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Oh pescador.
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela
Foge dela
Oh pescador!"
Lindo poema, mas duas coisas muito diferentes. Nos tempos de hoje, daria grandes discussões sobre plágio; para mim é coisa magnífica de construção cultural.
O poema é de Garrett, ninguém pode duvidar de que é um poema erudito, embora simples, não uma poesia popular. Foi muito bem musicado por Lopes Graça, mas com um toque de ouvido da tradição açoriana, porque a "Barca bela" também é uma velha canção açoriana, surpreendentemente tão semelhante em poema.
Estranho? Se calhar não. Garrett viveu nos Açores, em jovem, com o seu tio, bispo de Angra, D. Frei Alexandre da Sagrada Família. Talvez este poema seja dessa sua juventude, sobre uma velha canção popular que ele ouviu, de que o povo terá gostado mais e que adoptou. Ou então, mais provavelmente, talvez tenha sido mesmo criação de Garrett, poema lido por um literato local que gostou e o musicou na tertúlia da farmácia, talvez a do meu remoto tio Chico Fagundes, à ilharga da Sé, centro do progressismo terceirense. Que daí passou para um serão no clube, cantado por menina prendada, talvez minha trisavó, ao piano, onde um criado aos fundos o ouviu, gostou e o levou para a tasca das Quatro Ribeiras, ou outra freguesia, tasca de copos e música, de onde ele se espalhou pela Terceira, depois pelas ilhas do meio.
Claro que tudo isto é minha imaginação, "e pur, si no e vero e bene trovato!"