27 junho, 2007

Um colóquio memorável

Há pouco tempo, tive uma experiência entre o doloroso e o interessante, a participação num colóquio sobre ensino superior. Falei sobre Bolonha, mas o debate a seguir incidiu principalmente na proposta de lei do regime jurídico das instituições de ensino(/educação) superior. Fiquei entre o espantado e o divertido, embora não ficasse surpreendido, por saber em que águas andavam a maioria dos participantes. Aqui vão alguns mimos com que me presentearam.

"V. elogiou o modelo universitário americano, mas esquece que o modelo americano é essencialmente o da universidade capitalista".

"O que o governo quer com isto das universidades fundacionais é dar uma universidade ao Joe Berardo, como já lhe deu o CCB" (isto tendo eu dito expressamente que tinha muitas reservas em relação às universidades fundacionais).

"Ao contrário das universidades fundação que vão ter um conselho geral, é preciso manter as universidades públicas que, ao menos, não vão ter conselhos gerais com capitalistas de fora a intervir na função do Estado" (isto dito por um catedrático; terá lido a proposta de lei?).

"Nas universidades fundações, só os professores do quadro é que estão assegurados, tudo o resto vai para o desemprego" (lá tive de correr o risco irónico de parecer apoiar a proposta de lei: e o nº 4 do artº 134º, que eu até considero juridicamente muito discutível?). É coisa que me custa a engolir, ter de defender honestamente os meus adversários quando eles estão a ser atacados contra todas as regras da decência intelectual e política.

Outro interveniente opunha-se mesmo a que as universidades pudessem ser institutos públicos, porque isto é pertencer à administração indirecta do Estado, donde uma forma de desresponsabilização do Estado. Universidades sem autonomia financeira, sempre gostava eu de ouvir depois os que dizem que se está a destruir o ensino público, como disse esse interveniente!

Mais uma vez, eu que não sou nenhum "socrático" indefectível, vi-me obrigado a dizer que, em política, há afirmações demasiadamente graves que, se não comprovadas, descredibilizam toda a força dos restantes argumentos, que até pode ser muita. Que eu já tinha escrito forte e feio contra a proposta de lei, sem precisar de fazer processos de intenção. Creio que não me fiz perceber.

Mas o máximo foi: "Falou na U. de Harvard, mas não disse que esse senhor Harvard foi um grande milionário americano que certamente quis a universidade para os seus negócios". Em bom costume internético, LOL!!!

Para os leitores que conheçam mal a que é reconhecida geralmente como a melhor universidade do mundo, ela foi fundada pelos pioneiros "pilgrims" do Massachussets, puritanos, em 1636. É o protótipo da universidade fundacional, radicada na comunidade, privada em termos legais mas sem fins lucrativos, empresariais. De facto, Harvard é nome de gente, mas de um pastor protestante que morreu logo a seguir à criação da universidade, legando-lhe a sua propriedade rural e a sua biblioteca. Foram estes os tais negócios de John Harvard.

O que me vale é ter algum sentido de humor. Saí a rir, em vez de sair a chorar.

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu, confesso, que me afastei da discussão sobre bolonha (por razões de falta de tempo, e agora reparo que várias (muitas) escolas fizeram exactamente o que não se esperava que fosse feito. Nomeadamente dividir os seus velhos curricula por dois graus e deixar tudo na mesma.

MJMatos disse...

Estas "anedotas" ainda são melhores do que as que alguns alunos me "contam" nos exames, 8-). Lá volto eu ao meu pretexto para iniciar o blogue: "há vida inteligente na(lguma) universidade?"