A cozinha do dia-a-dia
Tenho de reparar hoje uma grande injustiça. Quem me ler julgará que eu sou o grande cozinheiro cá em casa. Nada mais falso, só vou para a cozinha ao fim de semana ou em dia de grande inspiração e de muita paciência. Quem aguenta o dia-a-dia, afinal o essencial, é a minha mulher, já em terceira geração de grandes cozinheiras. Em sua homenagem, aqui vai o meu almoço de ontem, uma garoupa assada em molho suave.
Esta nota também é uma provocação, de brincadeira (mas, a brincar, a brincar...). Alguns leitores perguntarão "mas isto merece publicação?" Idealmente, a cozinha do dia-a-dia devia ser rápida, fácil, barata e de boa qualidade. É difícil tudo. Rápida, obrigatoriamente; fácil, tanto quanto possível, até porque rápido e difícil são pouco compatíveis; barato é coisa relativa; boa qualidade talvez seja exigir demais, mas o que não quer dizer comer porcarias. É tudo uma questão de bom senso e de bom gosto.
Cá em casa, garoupa é coisa frequente, assumidamente de origem açoriana. Geralmente, é a garoupinha pequena da minha terra, excelente para fritar. Desta vez, a G comprou uma garoupa média, de cerca de 1,3 kg, aquela que na minha terra se usa para assar ou rechear. Para rechear, coisa excelente de que hei-de falar, não dá tempo agora.
Ela viu que eu tinha no frigorífico, minha preparação semanal de fundos, um "fumet". Não estava com tempo para tratar de legumes ou estufados, achou que o "fumet" já daria bom gosto a legumes. Ligou o forno a aquecer a 180º e, entretanto, pôs o peixe numa assadeira, temperado com um pouco de sal e bem coberto com lascas de manteiga. No fundo da assadeira, 2 dl de "fumet", 1 dl de vinho branco, 1 cálice de verdelho meio seco e uma cs de ervas finas, picadas e secas, de pacote (não se escandalizem os puristas: porque não no dia-a-dia?).
Assou e depois apagou o forno, mantendo o peixe, depois de passar todo o molho para um tacho de fundo espesso. Arrefeceu um pouco, misturou uma gema, bastante sumo de limão, 1 cs de nata e 2 c. chá de maizena, e levou ao lume mexendo sempre muito bem, até engrossar (é claro que não foi propriamente um aveludado, mas esse é para fim de semana ou jantar com tempo). O almoço foi só isto, o peixe, este molho e puré de batata. Provocação final: e se eu não tivesse guardado "fumet", seria horroroso um caldo de peixe industrial? Já agora, e muito importante, o vinho branco que ela usou para o assado era um Rothschild "Mouton Cadet Blanc", 2004 :-).
06 junho, 2007
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4 comentários:
Babei-me!
Quando vejo as suas incursões na área da culinária só posso concluir que o João é mesmo um homem da Renascença.
Duas perguntas. A primeira, cavernícola, de quem não sabe cozinhar. O que é o "fumet" e como se prepara? A segunda é irónica. Com todos esses ingredientes (a garoupa dos Açores, o vinho Rothschild "Mouton Cadet Blanc" como condimento, etc.) o puré era de pacote ou ainda se conseguiu energia para fazer um genuíno? É que se for esta última hipótese, como penso, não é possível falar em cozinha do dia-a-dia ou será?
Caro PJ, espero que tenha entendido a referência ao vinho como puro gozo!
O fumet é o único ponto de qualidade em toda esta história. sempre que posso, ao fim de semana, preparo para o frigorífico um caldo de carne, um de aves e um de peixe, o tal "fumet". As receitas estão aqui, aqui e aqui.
Tem razão, esqueci-me do puré de batata. Bem feito, não é cozinha à la minuta e nem sempre o industrial é incomestível. Não uso o de flocos, mas sim o de blocos congelados, que levo primeiro a destazerem-se num pouco de leite e manteiga, no micro-ondas, ajustando depois a quantidade de leite e temperando com pimenta preta e noz moscada. O que uso é de linha branca do Pingo Doce, mas talvez haja outras marcas.
Muito bom, como sempre!
Agora, "exijo" essa da garoupa Recheada.
Um Abraço
L Vaz
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