06 julho, 2007

Memórias de Zita Seabra

Zita Seabra, ao que leio num Público já com muitos dias, prepara-se para lançar um novo livro de memórias. Espero que seja mais interessante do que o anterior, hoje perdido, cá em casa, no armazém de livros do sótão. É que não me interessam nada as suas historietas sobre o chazinho da Georgette Ferreira. Isto vai de mal a pior. O livro de Raimundo Narciso era muito localizado entre o 5º e o 6º andar da sede da Soeiro. Palpita-me que este de Zita Seabra vai por ainda pior caminho. Da apresentação do livro, que li no jornal, saltaram-me à vista algumas coisas importantes.
"Após a derrota [nas eleições de 1987] fui à reunião do Comité Central do PCP para análise dos resultados eleitorais, onde fiz uma intervenção, a primeira da reunião, discordando absolutamente da orientação que tínhamos seguido. (...) Decidi começar a ler mais livros sobre a dissidência soviética. Tinha a triste sensação de que devia transpor a barreira de informação que tinha imposto a mim própria e conhecer o outro lado, ler o que nós, comunistas, não líamos por se tratar de mera propaganda dos inimigos do Partido."
Não sei o que dizer, se honrar a honestidade de ZS, se me escandalizar com a enormidade da afirmação. Um membro do CC do PCP, em 1987!, ainda não tinha começado a ler certas coisas porque eram propaganda contra o partido? Lembro-me de JPP e da sua citação de Sá de Miranda, "m'espanto às vezes, outras m'avergonho". Mas isto não é estranho, se nos lembrarmos que a grande maioria dos dissidentes dessa época esperou pelo desfecho patético do golpe de Agosto de 1991 contra Gorbatchov. Cunhal vivia virado para leste? Afinal também eles, de outra forma, nunca tendo dito uma palavra sobre as grandes questões que se punham em relação à atitude do PCP/Cunhal em relação ao ideal de uma sociedade portuguesa.

Diz ZS, mais adiante, que
"tinha acabado de sair um livro revolucionário, A Revolução na Economia Soviética: a Perestroika, do economista Abel Aganbenguian, editado em Portugal pela Europa-América, e eu levei-lho. O livro explicava que, ou a URSS mudava, ou perdia o carro da História. Acabado de chegar de lá, Cunhal vinha escandalizado com o que vira e ouvira. Penso que se deve ter encontrado com algum dos seus fiéis amigos, Ponomariov ou outro parecido, porque tinha mudado radicalmente de atitude. Dizia já nessa altura que se corria o risco de pôr em causa a própria existência da URSS."
Isto parece-me total ingenuidade. Pretender-se pôr Cunhal a pensar em função de um livro de um personagem relativamente menor, embora influente, e levado ao seu conhecimento por uma "camarada"? Cunhal teve muitas coisas que me são detestáveis, mas não esteve nunca a este nível. Informação tinha-a e até não me atrevo a afirmar que não tenha tido conhecimento antecipado do tal golpe de Estado, ele que sempre esteve no centro do clube brejneviano. Com isto, a afirmação de Cunhal até era bem clarividente, era mesmo o fim anunciado da URSS. O problema está em gostar ou não disto. Mas o que conta, em relação a Cunhal, de um ponto de vista meu intelectualmente neutro, é que ele viu e os dissidentes não.

Mais surpreendente é outra afirmação de ZS, citando Cunhal.
"Ameaçou os capitulacionistas, explicou que havia quem quisesse que o Partido perdesse as suas raízes ideológicas de partido marxista-leninista, que havia quem quisesse que o Partido deixasse de ter uma perspectiva revolucionária e passasse a partido burguês e com o voto como arma. E contou uma história terrível, dizendo que havia mesmo quem não quisesse respeitar a herança estalinista [JVC, ênfase minha], e procurasse denegrir o nosso partido com essa mesma herança."
Não posso crer. Que Cunhal tenha morrido a pensar em Estaline, não me custa a acreditar, mas que tenha dito isto, mesmo no CC dos fieis dos fieis, essa é que não.

Volta a dizer ZS, citando Cunhal,
"Afinal ele queria levá-lo para uma noite de álcool e prostitutas e Cunhal, quando percebeu, recusou. Mas, perguntou à reunião: Alguém aqui estranha que uns tempos depois este camarada tenha desaparecido?".
Espantoso! Alguém duvida do significado do termo "desaparecido" num discurso totalitário? Alguém imagina Cunhal a dizer tal coisa, embora provavelmente sabendo que era verdade?

Com tudo isto, é certo que não vou comprar o livro.

P. S. (12:06) - Verifico, pela leitura do jornal, que o livro já foi lançado, em sessão de ontem.

1 comentário:

Contacomigo disse...

"Se foi assim" o desabafo da "Grande Entrevista" deu razão a tudo aquilo que renegou. Afinal foi uma tentativa de promoção para o seu livro, que ao que parece perdeu o pouco interesse que restava para a sua aquisição. Para alguém que acredita no mecanismo do capitalismo e que até é deputada de um dos seus mais acérrimos propangandores deu de facto uma imagem muito pobre do seu novo empenhamento político. Foi uma conversa entre donas de casa e pouco mais...
O que foi que esta senhora nos quiz dizer. Será que vão quebrar algumas fontes de receita depois das próximas eleições.
Um ex-UEC.