31 maio, 2007

Dissidência

Li com muito interesse o recente livro de Raimundo Narciso, "Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via". Paradoxalmente, o livro diz-me muita coisa e diz-me muito pouca. Muita, porque envolve amigos, porque evoca entusiasmos e dedicações que partilhei, em outras alturas e circunstâncias, não essencialmente diferentes. Pouca, porque não vivi aquele processo, tendo já saído silenciosamente do PCP, creio que em 1980, mais ano menos ano. Também pouco porque a Soeiro nunca foi o centro da minha vida, a minha profissão. Isto tem muito que se lhe diga, o funcionário político do PCP.

Talvez por minha culpa, só dei pela terceira via aquando da reunião do Hotel Roma, no verão de 1991, na sequência do apoio do PCP ao golpe anti-perestroika. Até então, parece-me que tudo isso era muito centrado no PCP, era discussão iniciática. Nessa altura, andava eu mais do que empenhado era na expectativa alternativa do MDP renascido havia então quatro anos (mesmo assim fora de tempo, infelizmente).

Também a minha adesão ao livro fica um pouco diminuída por as razões da minha pequena e ignota dissidência terem tido pouco a ver com o funcionamento do PCP (eu não era funcionário e muito menos dirigente), muito mais com a visão do mundo já então actual, o projecto de sociedade, o sistema democrático e, muito particularmente, com uma coisa essencial de que esse livro não diz uma palavra: o "verão quente", o aventureirismo e esquerdismo do PCP, a sua recusa de fazer autocrítica, depois do 25 de Novembro. Para já não falar da discussão da questão de Praga de 1968, que tinha causado a minha primeira saída do PCP, discussão que me foi prometida, depois do meu reingresso em 1974, para quando os tempos estivessem mais calmos.

Neste sentido, lembro-me de ter estado mais sintonizado com o grupo dos seis, cuja critica ao PCP me parece que foi menos "funcional" e mais "programática". Talvez me tenha ajudado um maior conhecimento e acesso aos textos, porque um dos membros dos seis era meu velho amigo (porque não dizer? António Silva Graça), colega de trabalho e com ele tinha longas conversas. Creio que quem hoje ainda tiver os textos dessa altura e os comparar com os da terceira via (?) concordará comigo. Para exemplificar a ideia que tínhamos em comum da democracia, vale a pena até citar uma conclusão mútua de que me lembro muito bem, no fim de uma conversa com esse meu amigo: "se o PCP tivesse ganho o 25 de Novembro, hoje estávamos os dois, dissidentes, a conversar não aqui mas em Caxias".

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