Há temas importantes sobre os quais gosto de escrever ao retardador, com distanciamento. Agora que tudo parece estar esquecido no caso Sócrates, é altura, para mim próprio, de um meu balanço final. Muito pouca coisa ficou completamente demonstrada, não me parece que alguma ilegalidade por parte de José Sócrates (JS). Parece-me importante acentuar isto, porque tudo o que vou escrever deriva de um juízo ético, não jurídico. Juridicamente, para mim, apesar de leigo, há uma coisa essencial: JS apresenta um certificado de licenciatura, não é ele que tem de provar que é licenciado, são os outros que têm de provar que ele não é.
No entanto, o facto de não haver provas de ilegalidades não impede fortes indícios de que ninguém se sai bem de toda esta história, no plano ético. Quando crianças brincam a atirar bolas de neve todos se molham. Neste caso, atiraram-se bolas de porcaria.
Começando pelo mais fácil, não se saiu bem a UnI, nem os seus mediáticos e cadastráveis Luís Arouca e Rui Verde (fora o sócio angolano dos diamantes), muito menos o miraculosamente aparecido reitor Ernesto Costa, hoje tranquilamente professor catedrático da U. Coimbra. É obviamente um albergue de malfeitores, alguns dos quais já na prisão. Não é caso de se perguntar se deve ou não extinguir, mas sim de se devia ou não ter sido criada. É também um bom exemplo do papel do bloco central politico na criação do ensino superior privado. Vejam só isto que Ernesto Costa declarou ao Público. "assumi um compromisso perante (...) o ministério da educação". Nessa data, em 1993, o ministério era PSD (governo Cavaco), depois até o grande académico Marques Mendes lá foi professor. Mas isto é só PSD? Não, o actual salvador da Sides, proprietária da UnI, é um senhor Lúcio Pimentel, militante destacado do PS.
Não se saiu bem o blogue "Do Portugal profundo". A meu ver, nunca demonstrou isenção, nunca fez a sua "declaração de interesses". Isto não se exige a um órgão de comunicação social, mas, em tempos de grande influência da blogosfera, creio que lhe é exigível. Ao menos, faça-se justiça, o blogue não se refugia no anonimato, mas aceitou muitos comentários anónimos abjectos ou, pelo menos, de seriedade duvidosa. Quem anda pela net sabe muito bem como o seu anonimato serve para as maiores vilezas e cobardias.
Não se saiu bem o Público. Escolheu muito mal a oportunidade, suscitando suspeitas razoáveis de tudo ser uma vingança pelo fracasso da OPA do patrão. Pior, para um jornal que se quer de referência, parece que fez consigo próprio um campeonato da asneira. Isto era dossiê que a direcção devia ter entregue aos melhores jornalistas, mas que acabou por ser um chorrilho de asneiras, tiros ao lado ou nos pés. Não sou jornalista, não percebo nada da técnica de investigação jornalística, mas não sou estúpido. Nunca eu teria permitido saídas airosas de JS na entrevista da RTP, apenas porque o Público lhe deu as vazas. O jornal publicou questões que até pareceram um presente a JS, na medida em que lhes respondeu facilmente escamoteando assim a necessidade de responder a coisas bem mis incomodativas. Depois, o Público claramente que meteu travão as quatro rodas, defraudando os leitores que tinham ido na onda e que e se preparavam para melhor esclarecimento. Quem deu ordem para o carregar no travão?
Não se saiu bem o cidadão José Sócrates (por agora, não falo no primeiro ministro). Não preciso de invocar qualquer fraude, obtenção de privilégio. Mostra-se como um habilidoso, superficial, com um pé na carreira política, outro numa escala de qualificações académicas que só se pode relacionar mediocremente com a primeira. Saltita de curso em curso; pede equivalências sem saber ao certo o que são os saberes e competências adquiridos; considera, já politico destacado, que a UnI é uma instituição de prestígio; é politicamente ignorante, desconhecendo que o seu colega ministro da educação estava quase a dar o grau de licenciatura ao seu curso do ISEL; acha honesto passar em disciplinas de betão armado sem ter feito um único exercício de cálculo; influencia, de facto, a sua universidade, enviando mensagens em fax ou cartões oficiais do seu posto governamental; apresenta-se a um exame (o tal de inglês) em pleno Agosto, com um trabalho de autoria não controlável; não cumpriu o "work load" (na linguagem de Bolonha) de uma licenciatura a sério, aceitou ter um mesmo professor em quatro disciplinas, com alegre inconsciência (?) da impossibilidade de tal encargo por parte de um professor a sério, etc, etc.
Não se saiu bem o primeiro ministro. Usou sistematicamente o seu gabinete para troca de conversas com a comunicação social. Usou uma entrevista na RTP em que falou uma hora como José Sócrates, outra como primeiro ministro, em balanço de governo. Das duas uma. Ou isto é questão de Estado e então exige-se um apuramento segundo todas as regras do procedimento democrático, ou é questão privada e então o primeiro ministro não pode usar neste caso nenhum meio público. Ou estarei a exagerar na minha ética (republicana)?
Não se saiu bem Mariano Gago, que só agora descobriu os podres de algumas universidades privadas (nem todas, felizmente) e que, mesmo depois do caso (de polícia) Sides/UNI continua a assobiar para o lado em relação a outras eventuais irregularidades. A sua afirmação de que este percurso académico de Sócrates é um regozijo para o pais é uma vergonha e um insulto para os muitos humildes trabalhadores, muitos dos quais da função pública, que tentam qualificar-se, em regime pós-laboral, com grandes dificuldades e sem estas benesses do patrão. O que o ministro devia ter dito, ao mesmo tempo que se preparava para a inevitável demissão, é que o estudante José Sócrates foi o oposto de tudo o que os nossos estudantes devem considerar como exemplo. Para acabar, Mariano Gago recorre também ao aparelho de estado (IGES), numa operação claramente conotada com o caso individual de JS. É um abuso.
Não se saiu bem o PS, com tudo o que de história de "boys" veio ao de cima, até com aspectos caricatos de solidariedades de conterrâneos. Começa a parecer digno de maior investigação uma espécie de grupo da Cova da Beira, com relações promíscuas de partido, de negócios, de nomeações, de relações professor-aluno.
Enfim, tudo isto cheira mal que tresanda! A sorte, para todos os que se sujaram, foi a cumplicidade geral no esquecimento. Presidência da UE "oblige".
Nota - em muita coisa da vida e esepcialmente na política o excesso de zelo é uma coisa bem perigosa e com efeito de boomerang. JS bem pode agradecer a quem se descredibilizou como crítico por palpites e suspeitas infundadas ou por processos de intenção. Bem grave é o que já basta.
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4 comentários:
Se o jornal "Público" desse a conhecer este post, integralmente, prestaria um bom serviço aos seus leitores. Remataria com chave de ouro, mas reabilitadora, a infeliz série "tabloidal" sobre a licenciatura Sócrates.
Gostei muito de ler esta sua análise, Prof. J.V.Costa
A. M. Maia
E esta prof. Vasconcelos e Costa, também é "case closed"?
http://expresso.clix.pt/Actualidade/Interior.aspx?content_id=390046
O Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, encaminhou para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal as denúncias que recebeu sobre o processo de licenciatura de José Sócrates. Esta tarde, a Procuradoria-Geral da República emitiu uma nota, revelando que foram enviadas para o DCIAP " todas as denúncias e documentos remetidos a esta Procuradoria-Geral e relacionados com a Universidade Independente".
Anónimo 2 (???!), "case closed" era só uma figura de estilo, a lembrar que ninguém mais quer falar no assunto. Se está ou não fechado juridicamente, como diz, vamos a ver, não ponho as mãos no lume.
Espero que note bem o que quiz dizer. Não me interessa, para já, o plano legal, só o ético. Neste, acha que estou a ser complacente?
parece quase óbvio não é?
mas a leitura deste post é um alívio quando se sobrevive à nuvem de cretinice tóxica que desce quando normalmente se fala sobre este tema.
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