23 maio, 2007

Nota gastronómica (III)

Guisar sem refogar

Li num blogue uma receita de um bom guisado de borrego de raiz tradicional, mas com uma inovação importante. Não se fazia previamente um refogado. Gordura, cebola e carnes, era tudo acrescentado à panela desde o início. Concordo, também acho que é boa solução quando quero um resultado mais suave, embora julgue que, terminologicamente, é mais correcto falar num estufado que num guisado. Muito bem, mas é um exemplo de como, em cozinha, raramente se inventa, porque em muitos séculos o povo já inventou muita coisa, por vezes esquecida.

Conheço um velho exemplo desta técnica, a do icónico polvo guisado com vinho de cheiro, nos Açores. Não mete refogado, pelo menos da forma como o faço, herança de uma receita da minha avó tida por muito boa. Ao ir ao lume, a panela vai com óleo, cebola picada grado, alho e já o polvo aos bocados, tudo com água até metade. Só depois, quando se equilibrou essa água evaporada com a água destilada pelo polvo, é que se junta o vinho e se tempera (malagueta, pimenta preta, cravinho, louro, salsa). A seguir, apurar, e aí é que se vê o artista.

Um pouco relacionado com isto era o uso, na minha casa de família, dos "assados" de carne. De facto, na tradição terceirense, são estufados, na panela. Faziam-de de vaca e de lombo de porco. Em ambos os casos, depois de dois dias de vinha de alhos, mas com uma diferença importante. No de carne de vaca, ela era primeiro bem selada em óleo, em peça, juntando-se depois cebola aos gomos até muito bem corad e só depois a marinada, para estufar. No caso do lombo, para suavizar, era tudo posto na panela ao mesmo tempo, apurando em conjunto ao longo do estufar. Segredos das velhas avós cozinheiras, porque nunca ouvi falar de se fazer cá tal coisa.

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