Se há coisa com a qual tenho uma relação difícil é o humor. Detesto coisas muito largas, que dão para todos os peixes na canasta. Mais largo do que o humor, e por causa, só a capacidade intelectual humana, que começa cá muito em baixo. Humor de partir às gargalhadas por fazer tropeçar o ceguinho? Por fazer rimar Lacerda com outra coisa? Obrigadinho.
Hoje vou divulgar uma pérola, uma das coisas mais inteligentemente hilariante que tenho lido. Vem num livrinho esquecido, "A pedra no sapato, a pata na poça", do meu amigo Manuel Heinzelmann, que por aqui às vezes comenta como MCR e que se chama, de registo civil, Marcelo Correia Ribeiro. Como defeito, só tem a falta de cultura, o que, sendo ele então abusiva e tachamente delegado no Norte da S. E. Cultura, lhe valeu merecida demissão pelo homem dos concertos de violino de Chopin.
LIÇÃO DE DIREITO CIVIL
Esta, juro-vos é real: acabo de ler no conspícuo "ABC" na pág. 98. Em Nápoles um carro chocou com outro parado onde um casalinho de namorados "estava com intimidades". O dono do carro abalroado acusa, agora, o chocador de, com o acidente, ter provocado a gravidez da prometida pelo que requer à seguradora reparação dos danos causados ao veículo e os provocados à minha prometida bem como tutela de todos os seus direitos já que agora temos de casar à pressa.
A senhora Giovanna Arthur, da seguradora diz que paga tudo excepto a gravidez porque entre outras coisas os técnicos têm de comprovar os danos com fotografias o que parece impossível de fazer em relação ao momento iniciador da gravidez. Munido desta notícia previno o leitor que não só gosta de conduzir mas que tam¬bém não desdenha alargar o conceito de uso deste meio de transporte a extremos que, como se viu, podem arruinar uma vida ou, como é o caso, criar uma nova. Para isso basta um carro, mar q. b., música de fundo, uma posição difícil mas não impossível e um motorista descuidado que nos embata com o X de violência que possibilite a "consumatio". Abra-se aqui um parêntesis. Não poderá o choque ser demasiado forte ao ponto de ferir gravemente os passageiros (diria melhor: utentes) do carro embatido. Digamos que o toque deverá poder caber na difícil categoria de encorajante.
Continuando o parêntesis ocorre esclarecer que o fruto da colisão - o fruto propriamente dito e não a amassadela na carroçaria - obriga os pais a repensar seriamente o nome que lhe vão dar. Produto de duas desatenções (a da intimidade a outrance e a automobilística) e de um volens nolens (que não é confundível com o atentado ao pudor) convém inquirir se o acaso do momento da concepção não obrigará o agente principal a emprestar o seu nome à criatura entretanto feita (se nascida e com vida). Suponhamos que o pai biológico é Manuel e o mecânico um vulgar Toyota. Deverá o infante chamar-se Manuel Toyota etc. e tal?
Claro que estão fora de causa nomes como Bugatti ou Hispano-Suiza por razões evidentes - estas peças não têm por hábito embater modestas viaturas com circulação em Portugal. Também não se crê que dos confins da ex-RDA venha um Trabant desembestado cumprir no jardim lusitano o dever sagrado da procriação. Estão excluídos, por falta de dignidade conceptual, tractores, empilhadoras, autotanques de bombeiros voluntários ou municipais ainda que no caso desta ultima categoria se pudesse pensar no nome do comandante - caso dos sapadores - ou do sócio mais antigo, no caso de voluntários.
2ª questão a pôr é esta: como alimentar nos primeiros tempos o produto deste duplo acidente? Exclui-se, seguramente, a gasolina seja ela super, normal ou verde. Nada impede à luz da legislação vigente, interna e comunitária, que, a jovem criatura concebida em tão invulgar situação não possa recorrer ao leite materno (ou artificial). E isto por uma razão simples: a maioria dos postos de abastecimento de combustível está encerrada entre as 0 e as 8 horas, para já não referir feriados, férias e dias santos de guarda. Acresce ainda a razão eminentemente prática de ser dificilmente adaptável um biberon "chicco" ao bico da bomba de gasolina.
3º ponto. Terão os noivos apressados direito a um ressarcimento por parte da seguradora relativamente ao efeito extemporâneo do choque? Deverá a companhia pagar o parto, as fraldas, a despesa de casamento (boda, flores, convites, etc.)? Nesta como noutras questões haverá que usar de serenidade e aplicar o que na imorredoura faculdade de direito de Coimbra se apelidava "juízo do bonus pater familias" - prudência e bom senso e um toque de fértil imaginação jurídica. Ofereço aos colegas italianos esta pequena amostra de talento: a questão haverá que resolver-se como se de um nascimento prematuro se tratasse recaindo sobre a companhia seguradora apenas e só as despesas que decorrem do adiantamento e concentração de datas e nunca as que resultariam da natural evolução do noivado atrevido que decorria no carro antes do choque.
E a franquia, esse pequeno alçapão que no contrato de seguro faz recair uma parte das despesas resultantes de sinistro sobre o segurado?
Sugere-se o recurso a tribunal arbitral ainda que com uma ressalva: que na composição deste não entre clérigo ou religioso de qualquer confissão, sabidas que são, as interdições com que todas as religiões sobrecarregam a relação pré-matrimonial! Aliás, e para quem julgue que introduzo aqui qualquer "capitis diminutio" de cariz religioso sempre direi que o caso que nos ocupa é de natureza fortemente civilística, isto é laica.
Finalmente tendo em linha de conta a evolução dos costumes, tem-se por conveniente recordar aos motoristas descuidados que não deverão embater automóveis estacionados sobretudo quando estes se encontram em zonas periféricas, em noites de luar e eventualmente ocupados por casais jovens e saudáveis.
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