Escrevi anteontem a alguns amigos: "Não vou publicar no "Bloco de notas" porque os dados factuais são muito escassos, mas reajo com preocupação a uma notícia de hoje. Podem dizer-me que é tolice reagir, mas são coisas da minha pancada." Afinal, face às respostas dos meus amigos, revejo a minha posição, publico mesmo uma nota, ressalvando, contudo, que só disponho dos dados que vieram no jornal.
Segundo a notícia, um professor destacado na Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) foi recambiado por ter contado uma piada sobre o caso Sócrates/UnI, em privado (!), no gabinete de um colega (!). A directora do DREN (fica por alto a questão da denúncia feita a essa senhora e por quem) entendeu que tal piada, proferida no interior de um edifício público e durante o serviço, era uma ofensa a um superior hierárquico. O caso até pode parecer ridículo, coisa pequenina lá para o norte, que não aquece nem arrefece a nossa vida política. Mas quantas coisas pequeninas mudaram muita coisa importante, em efeito borboleta? Watergate como começou? Simples "fait divers" de uns arrombadores.
Apesar de notícia pequenina, fiquei alerta, porque isto me fez lembrar que, há bem pouco tempo, tive uma discussão com um amigo, não aceitando eu o argumento dele, que me pareceu catastrofista, de que estava a haver atitudes que punham em risco a democracia e que eram uma deriva fascizante. Continuo a não aceitar ir tão longe, mas casos destes não podem deixar de ser preocupantes. Talvez para mim o pior é que até nem vêm do governo, mas sim de uma dirigente intermédia, o que pode indiciar o alastramento despercebido de uma cultura rasteira de autoritarismo.
Um dia destes terei de escrever sobre o que penso do governo Sócrates. Indirectamente, relaciona-se com esta questão de hoje. Globalmente, considero positiva a acção deste governo e acho que tem actuado com determinação. O problema que me salta hoje à vista, admito que com algum exagero, é que a determinação, com a consequente coragem, pode ser entendida facilmente como um sinal de autoritarismo. Não digo que Sócrates seja autoritário, mas é bom que tenha cuidado em não deixar parecer aos boys que essa é que é a boa regra. O autoritarismo do regime salazarista não precisava de ser decretado pelo chefe, estava imbuído no aparelho dos párocos, dos regedores, dos professores primários.
No entanto, isto não isenta quem está por cima e se cala. Quem cala consente. Poliicamente, quem consente estimula. Senhora ministra, senhor primeiro ministro, vão dizer alguma coisa?
Manda a honestidade que chame a atenção para dois textos de opinadores de que não gosto nada e de quem estou ideologicamente muito distante: o de Pacheco Pereira, no Público de Sábado, "Poder: 'o que é tem muita força' ", com uma expressão muito bem achada, "o adensamento do ar"; e a coluna de ontem, também no Público, de Vasco Pulido Valente. Pessoalmente, ainda não vou pelo diagnóstico do tal meu amigo catastrofista. No entanto, se considero que a democracia não está doente, acho que está triste.
P. S. (22.5.2007). Sobre este caso, escreve José Vítor Malheiros, hoje, no Público, que é uma obscenidade. Não me tinha ocorrido o termo, mas subscrevo.
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2 comentários:
Olá JVC,
há muito que não passo por cá!
Eu também reagi no Se a esta notícia. Contudo, percebi hoje que falamos do Sr. ex-Deputado do PSD Fernando Charrua. Este senhor foi o mesmo que me disse numa audição no Parlamento que se os docentes do ensino superior fossem despedidos, por não terem obtido nomeação definitiva, provavelmente não mereceriam subsídio de desemprego.
Ou seja, acho iníqua a atitude persecutória contra alguém que manifeste uma opiniao política (ou simplesmente critique o chefe) mas se calhar, nas suas próprias palavras, talvez o senhor deputado do PSD tenha feito por merecer a distinção.
Ainda não me deicidi...
Por mim, estou como Sua Excelência o Doutor Presidente da República Portuguesa: «Eu não sei o que o professor disse ou não disse». Principalmente o que o professor «não disse». Não disse, mas pensou e eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas.
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