Li com muito interesse o recente livro de Raimundo Narciso, "Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via". Paradoxalmente, o livro diz-me muita coisa e diz-me muito pouca. Muita, porque envolve amigos, porque evoca entusiasmos e dedicações que partilhei, em outras alturas e circunstâncias, não essencialmente diferentes. Pouca, porque não vivi aquele processo, tendo já saído silenciosamente do PCP, creio que em 1980, mais ano menos ano. Também pouco porque a Soeiro nunca foi o centro da minha vida, a minha profissão. Isto tem muito que se lhe diga, o funcionário político do PCP.
Talvez por minha culpa, só dei pela terceira via aquando da reunião do Hotel Roma, no verão de 1991, na sequência do apoio do PCP ao golpe anti-perestroika. Até então, parece-me que tudo isso era muito centrado no PCP, era discussão iniciática. Nessa altura, andava eu mais do que empenhado era na expectativa alternativa do MDP renascido havia então quatro anos (mesmo assim fora de tempo, infelizmente).
Também a minha adesão ao livro fica um pouco diminuída por as razões da minha pequena e ignota dissidência terem tido pouco a ver com o funcionamento do PCP (eu não era funcionário e muito menos dirigente), muito mais com a visão do mundo já então actual, o projecto de sociedade, o sistema democrático e, muito particularmente, com uma coisa essencial de que esse livro não diz uma palavra: o "verão quente", o aventureirismo e esquerdismo do PCP, a sua recusa de fazer autocrítica, depois do 25 de Novembro. Para já não falar da discussão da questão de Praga de 1968, que tinha causado a minha primeira saída do PCP, discussão que me foi prometida, depois do meu reingresso em 1974, para quando os tempos estivessem mais calmos.
Neste sentido, lembro-me de ter estado mais sintonizado com o grupo dos seis, cuja critica ao PCP me parece que foi menos "funcional" e mais "programática". Talvez me tenha ajudado um maior conhecimento e acesso aos textos, porque um dos membros dos seis era meu velho amigo (porque não dizer? António Silva Graça), colega de trabalho e com ele tinha longas conversas. Creio que quem hoje ainda tiver os textos dessa altura e os comparar com os da terceira via (?) concordará comigo. Para exemplificar a ideia que tínhamos em comum da democracia, vale a pena até citar uma conclusão mútua de que me lembro muito bem, no fim de uma conversa com esse meu amigo: "se o PCP tivesse ganho o 25 de Novembro, hoje estávamos os dois, dissidentes, a conversar não aqui mas em Caxias".
31 maio, 2007
30 maio, 2007
Nota gastronómica (VII)
Utensílios (in)dispensáveis
Fotografei alguns utensílios que tenho em casa e que podem dar grande discussão. Indispensáveis hoje? Substituíveis? Nos póximos tempos, vou escrever sobre todos. Para se identificar melhor, a coisa grande e redonda, em primeiro plano, é uma sertã de aço inox. Tinha uma muito melhor, de barro cru da vila, da minha terra, mas partiu-se num excesso de lume. Sobre a sertã inox, de pé, está um maçarico (que bem, posso fazer crocantes à moda!). Atrás, bem à direita, um sifão (que bem, posso fazer espumas à moda!) e, ao lado esquerdo, vermelha, uma "daubière". Continuando, não há que enganar, uma genuína cataplana algarvia. Na esquerda baixa, debruado a vermelho, um tapete siliconado de ir ao forno. Por brincadeira, em cima, um descaroçador.
Hoje fico-me pelo descaroçador. Qualquer cozinheiro sabe o jeito que dá e vende-se em qualquer loja dos chineses. No entanto, palpita-me que alguns dos meus leitores não o tem. Em próximas notas, vou tentar mostrar que, a ter de escolher apenas alguns destes, a minha hierarquia seria difícil, talvez começasse pelo descaroçador! E que até algumas das coisas mais na moda são provavelmente as mais dispensáveis e com alternativas, que vou apresentar.
Vejo agora que falta uma coisa importantíssima da minha cozinha, mas já não caberia na fotografia. O meu "wok", coisa essencial para quem quer cozinhar carnes e legumes "deep fried", à chinesa. falarei disto a proósito da sua prima cataplana. Também a minha frigideira especial, muito larga e baixa, a "paellera", o nome diz tudo. Merecia também fotografia, pelo valor estimativo, a minha última colher de pau, hoje peça de museu, pousada na borda da chaminé. Hoje, tudo é plástico siliconado, incluindo as tábuas de cozinha. As de madeira ainda estão a decorar.
À margem – Estas coisas são, habitualmente, oferta da minha mulher. Uma das últimas não cabe bem nesta categoria mas ocupa lugar destacado nos meus hoje indispensáveis: um jarro termos para o "iced tea" na mesa de cabeceira.
Devaneios de jardim (III)
É caso para assinalar a coincidência do uso da palavra jardim, em contextos diferentes. Tenho dúvidas sobre se a cultura portuguesa geral valoriza suficientemente o jardim. Eu próprio, como micaelense, fui habituado a valorizar muito mais os parques do que os jardins.
Há dois anos, passei umas férias magníficas em Ponte de Lima, que me cumpriu todos os meus requisitos: óptima instalação, numa linda casa de turismo de habitação, uma vila muito bonita, boa comida, e, essencial, localização no centro de um círculo a permitir passeios óptimos de uma tarde.
Num dia, visitei com o maior prazer o Festival dos Jardins. Foi a primeira vez que me dei verdadeiramente conta de um jardim como objecto de arte moderna. É por isto que realço a notícia agora lida de que abriu novamente o festival, já em terceira edição. Quem andar por esses lados que não perca.
Há dois anos, passei umas férias magníficas em Ponte de Lima, que me cumpriu todos os meus requisitos: óptima instalação, numa linda casa de turismo de habitação, uma vila muito bonita, boa comida, e, essencial, localização no centro de um círculo a permitir passeios óptimos de uma tarde.
Num dia, visitei com o maior prazer o Festival dos Jardins. Foi a primeira vez que me dei verdadeiramente conta de um jardim como objecto de arte moderna. É por isto que realço a notícia agora lida de que abriu novamente o festival, já em terceira edição. Quem andar por esses lados que não perca.
Bolonha, a China e a Índia
Ainda mal se apagaram as luzes da reunião de Londres do processo de Bolonha e já vem um alerta do comissário europeu da Educação, Jan Figel, em declarações ao jornal britânico The Times. "Dentro de uma década, as universidades europeias podem ser ultrapassadas pelas da China e da Índia".
A capacidade das universidades indianas é bem conhecida, vejam-se os "rankings", e é com base nela que se está a fazer a nova economia indiana de "outsourcing high tech". Em grande parte, isto deve-se a uma coisa pela qual, em Portugal, muitos bradam, o retorno e aproveitamento dos nacionais que foram drenados para os EUA e aí fizeram excelentes formações científicas e técnicas. Quanto à China, ela diz que e quando a China diz que…
Para completar o BRIC, falta a Rússia, que deixou degradar (por fuga de cérebros) o seu excelente sistema universitário mas que rapidamente o poderá recuperar, e o Brasil, o país deste grupo em que talvez a deficiente qualidade universitária geral (mas com muitas ilhas de excelência) ainda seja uma limitação importante.
Anotei há dias que é necessário começar já a pensar em Bolonha II, a partir de 2010, senão antes. Notícias como esta vêm ao encontro disto.
A capacidade das universidades indianas é bem conhecida, vejam-se os "rankings", e é com base nela que se está a fazer a nova economia indiana de "outsourcing high tech". Em grande parte, isto deve-se a uma coisa pela qual, em Portugal, muitos bradam, o retorno e aproveitamento dos nacionais que foram drenados para os EUA e aí fizeram excelentes formações científicas e técnicas. Quanto à China, ela diz que e quando a China diz que…
Para completar o BRIC, falta a Rússia, que deixou degradar (por fuga de cérebros) o seu excelente sistema universitário mas que rapidamente o poderá recuperar, e o Brasil, o país deste grupo em que talvez a deficiente qualidade universitária geral (mas com muitas ilhas de excelência) ainda seja uma limitação importante.
Anotei há dias que é necessário começar já a pensar em Bolonha II, a partir de 2010, senão antes. Notícias como esta vêm ao encontro disto.
29 maio, 2007
Devaneios de jardim (II)
Notas soltas
1. Escrevi há dias sobre o sequestro de Ingrid Betancourt pelas FARC. Leio hoje que são 56 políticos e para cima de 900 outros sequestrados apenas porque são ricos e podem pagar resgates. Eu não tenho nenhuma balança de crimes, mas não tenho dúvidas de que este é hediondo. E não é da responsabilidade de talibans, de fanáticos islamistas, é de gente do nosso mundo ocidental, de cultura judaico-cristã.
2. O MCTES vai inspeccionar todas as universidades privadas, para verificar se cumprem os requisitos mínimos, hoje bastante complacentes. Para já, passam à história logo duas, a Independente e a Internacional. A proposta de lei do sistema de educação superior, agora em discussão, neste aspecto é muito positiva, muito mais exigente (por exemplo, pelo menos um professor doutorado por cada 30 estudantes), de tal forma que, contas feitas por alto, me parece que nenhuma universidade privada passa pelo crivo. Aí é que eu vou ver se há coragem.
3. Já toda a gente sabe que não há autarca que não barafuste contra tudo o que ponha em causa situações adquiridas da sua cidade ou vila, por surrealistas que sejam. Agora, com o encerramento do pólo da Figueira da Foz da Universidade Internacional, passa-se o mesmo. São umas poucas centenas de estudantes, enganados, a meia hora de Coimbra e da sua universidade. Há milhares de estudantes residentes em Sintra ou Cascais que demoram muito mais a chegar às suas universidades em Lisboa.
1. Escrevi há dias sobre o sequestro de Ingrid Betancourt pelas FARC. Leio hoje que são 56 políticos e para cima de 900 outros sequestrados apenas porque são ricos e podem pagar resgates. Eu não tenho nenhuma balança de crimes, mas não tenho dúvidas de que este é hediondo. E não é da responsabilidade de talibans, de fanáticos islamistas, é de gente do nosso mundo ocidental, de cultura judaico-cristã.
2. O MCTES vai inspeccionar todas as universidades privadas, para verificar se cumprem os requisitos mínimos, hoje bastante complacentes. Para já, passam à história logo duas, a Independente e a Internacional. A proposta de lei do sistema de educação superior, agora em discussão, neste aspecto é muito positiva, muito mais exigente (por exemplo, pelo menos um professor doutorado por cada 30 estudantes), de tal forma que, contas feitas por alto, me parece que nenhuma universidade privada passa pelo crivo. Aí é que eu vou ver se há coragem.
3. Já toda a gente sabe que não há autarca que não barafuste contra tudo o que ponha em causa situações adquiridas da sua cidade ou vila, por surrealistas que sejam. Agora, com o encerramento do pólo da Figueira da Foz da Universidade Internacional, passa-se o mesmo. São umas poucas centenas de estudantes, enganados, a meia hora de Coimbra e da sua universidade. Há milhares de estudantes residentes em Sintra ou Cascais que demoram muito mais a chegar às suas universidades em Lisboa.
Bolonha-II?
Sei que tenho leitores muito argutos e profundos conhecedores do processo de Bolonha. Certamente leram nas linhas e entrelinhas tudo o que esteve à volta da reunião de Londres 2007: declaração de Lisboa (EUA), Trends V, comunicado dos ministros.
Não acharam nada de estranho? Muito em breve vou lançar no meu sítio uma nova discussão, para que vos convido. O tema já começa a ter nome, Bolonha 2 ou Bolonha pós-2010. Seja qual for, a ideia já está clara. Bolonha 1, esta, não cumpriu o que se desejava, é preciso outra. Principalmente, ficou quase a zero a dimensão social de Bolonha. Não me pesa a consciência, sempre alertei para que isto era o essencial: o mercado de trabalho vai assimilar Bolonha? Hoje, já se percebe que não. E até, comparando com os EUA, nem é difícil perceber porquê, quando se tem reflectido sobre a empregabilidade, coisa muito diferente de diploma para o emprego. Já o fiz (perdi o "link", mas vou procurar), também sobre coisa relacionada, a educação liberal, e vou aprofundar.
Parafraseando o chamado "europessimismo", podia falar de "bolonhopessimismo". Com tudo o que já escrevi a manifestar o meu entusiasmo com a oportunidade de Bolonha, julgo que tenho autoridade para exprimir agora as minhas reservas. Os últimos sucessos são meramente administrativos. A ideia da área europeia da educação superior, principalmente se vista em termos de competição com os EUA, não foi avante. É preciso discutir isto. Vai ser o espaço privilegiado de debate do meu sítio, para quem quiser aproveitar.
Não acharam nada de estranho? Muito em breve vou lançar no meu sítio uma nova discussão, para que vos convido. O tema já começa a ter nome, Bolonha 2 ou Bolonha pós-2010. Seja qual for, a ideia já está clara. Bolonha 1, esta, não cumpriu o que se desejava, é preciso outra. Principalmente, ficou quase a zero a dimensão social de Bolonha. Não me pesa a consciência, sempre alertei para que isto era o essencial: o mercado de trabalho vai assimilar Bolonha? Hoje, já se percebe que não. E até, comparando com os EUA, nem é difícil perceber porquê, quando se tem reflectido sobre a empregabilidade, coisa muito diferente de diploma para o emprego. Já o fiz (perdi o "link", mas vou procurar), também sobre coisa relacionada, a educação liberal, e vou aprofundar.
Parafraseando o chamado "europessimismo", podia falar de "bolonhopessimismo". Com tudo o que já escrevi a manifestar o meu entusiasmo com a oportunidade de Bolonha, julgo que tenho autoridade para exprimir agora as minhas reservas. Os últimos sucessos são meramente administrativos. A ideia da área europeia da educação superior, principalmente se vista em termos de competição com os EUA, não foi avante. É preciso discutir isto. Vai ser o espaço privilegiado de debate do meu sítio, para quem quiser aproveitar.
Nota gastronómica (VI)
Acompanhamentos simples
Referi-os a propósito das também simples salsichas frescas, em nota recente. Não pensem que janto todos os dias de alta qualidade, o que não significa que não tenham de ser bem feitas. Esqueci-me de um acompanhamento frequente cá em casa, de que gosto muito, aprendido com uma velha amiga belga, o "stoemp".
É um puré de legumes tradicional da cozinha flamenga (desconheço se também se usa na Holanda). Pode-se usar uma grande variedade de legumes, tudo o que se tem em casa ou na horta (será que algum dos meus leitores ainda tem uma horta?). Normalmente, faço-o só com batata, cebola, cenoura e alho francês. Outras vezes, incluo também batata doce (que não tem nada de belga) e substituo a cenoura por abóbora. A minha amiga usava muito o nabo, mas eu não sou grande apreciador.
Aqui vai a receita, sem precisar de grandes recomendações técnicas a quem saiba fazer um banal puré de batata. Refogar num fundo de manteiga uma cebola picada (também acontece acrescentar um dente de alho pisado e picado) e, quando alourada mas não demasiado, juntar 500 g de cenouras às rodelas e a parte branca de dois alhos franceses, às rodelas grossas, podendo também acrescentar-se outros legumes. Temperar com sal, pimenta, tomilho e salsa picada, cobrir com água só até à altura dos legumes e deixar cozer em lume brando, cerca de meia hora. Entretanto, cozer 500 g de batatas, em água com sal, sem as deixar desfazerem-se demais. Derreter 125 g de toucinho gordo ou 3 cs de banha. Juntar às batatas e aos legumes escorridos e passados no "passe-vite" e fazer puré, com leite suficiente.
Referi-os a propósito das também simples salsichas frescas, em nota recente. Não pensem que janto todos os dias de alta qualidade, o que não significa que não tenham de ser bem feitas. Esqueci-me de um acompanhamento frequente cá em casa, de que gosto muito, aprendido com uma velha amiga belga, o "stoemp".
É um puré de legumes tradicional da cozinha flamenga (desconheço se também se usa na Holanda). Pode-se usar uma grande variedade de legumes, tudo o que se tem em casa ou na horta (será que algum dos meus leitores ainda tem uma horta?). Normalmente, faço-o só com batata, cebola, cenoura e alho francês. Outras vezes, incluo também batata doce (que não tem nada de belga) e substituo a cenoura por abóbora. A minha amiga usava muito o nabo, mas eu não sou grande apreciador.
Aqui vai a receita, sem precisar de grandes recomendações técnicas a quem saiba fazer um banal puré de batata. Refogar num fundo de manteiga uma cebola picada (também acontece acrescentar um dente de alho pisado e picado) e, quando alourada mas não demasiado, juntar 500 g de cenouras às rodelas e a parte branca de dois alhos franceses, às rodelas grossas, podendo também acrescentar-se outros legumes. Temperar com sal, pimenta, tomilho e salsa picada, cobrir com água só até à altura dos legumes e deixar cozer em lume brando, cerca de meia hora. Entretanto, cozer 500 g de batatas, em água com sal, sem as deixar desfazerem-se demais. Derreter 125 g de toucinho gordo ou 3 cs de banha. Juntar às batatas e aos legumes escorridos e passados no "passe-vite" e fazer puré, com leite suficiente.
28 maio, 2007
Publicidade
Para quem tiver interesse, tempo e pachorra para ler uma dezena de páginas, aqui fica a nota de um artigo meu publicado online: A proposta de lei do regime jurídico das instituições de ensino superior.
A adequação a Bolonha
Tocou a trombeta para as universidades portuguesas, "para Bolonha e em força". O velho das botas deve estar a rir-se, porque não houve revolução que destruísse o fundamental, o espírito portuga. Já adaptados 895 cursos, mais 282 novos, mais de 50%. Até 2008, 88% de cumprimento de Bolonha. Quer dizer, cursos em dois ciclos e com base em ECTS. Óptimo.
Mas esperem lá, há uma esquisitice, o primeiro requisito que o DL 74/2006 estabelece como critério de adequação a Bolonha: "passagem de um ensino baseado na transmissão de conhecimentos para um ensino baseado no desenvolvimento de competências." Os tais 50% ou 88% têm a ver com isto? São mesmo adequação a Bolonha?
Mas esperem lá, há uma esquisitice, o primeiro requisito que o DL 74/2006 estabelece como critério de adequação a Bolonha: "passagem de um ensino baseado na transmissão de conhecimentos para um ensino baseado no desenvolvimento de competências." Os tais 50% ou 88% têm a ver com isto? São mesmo adequação a Bolonha?
27 maio, 2007
Democracia triste (III)
Em nota anterior, referi Constança Cunha e Sá, acrescentei ontem São José Almeida, como P. S. Podia juntar hoje mais um P. S., agora sobre António Barreto, no Público, "Enfim, só!" (indisponível online). No entanto, vale a pena dar destaque:
"O estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário. Crispado. Despótico. Irritado. Enervado. Detesta ser contrariado. Não admite perguntas que não estavam previstas. Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber. Deseja ter tudo quanto vive sob controlo. Tem os seus sermões preparados todos os dias. Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de encenação.
(…)
Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos. É possível. Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos portugueses pela liberdade."
Devaneios de jardim (I)
Devaneio é forçosamente coisa ligeira, curta de tempo e importância. Hoje é a verificação, num anúncio de jornal, de que cada vez mais se diversifica o nosso importantíssimo código de títulos. Agora já há Prof. Doutor e Prof. Dr. Parece premonitório em relação a uma eventual derrota política de Sócrates e sua ocupação possível no ensino. Não poderá ser Prof. Doutor, mas já não é mau ser Prof. Dr.
26 maio, 2007
Democracia triste (II)
Estou politicamente longe de Constança Cunha e Sá, mas não enjeito totalmente (ressalvadas algumas nuances) o que ela escreveu na sua coluna do Público, em 24.5.2007. Vem ao encontro daquilo a que chamei há dias democracia triste.
"O desaparecimento do PS, a fragilidade da oposição, a ausência de fiscalização parlamentar, a indiferença do Presidente da Republica e a complacência de todos os que dependem do Governo transformaram a vida política num circo de abusos e de arbitrariedades que a propaganda disfarça e o consenso que invariavelmente se gera à volta do poder tem o condão de abafar.P. S. (13:11) - Acabado de ler o jornal, recomendo a crónica de hoje no Público (indisponível online) de São José Almeida, "Intimidação". Vai no mesmo sentido.
Só assim se compreende a falta de pudor de uma governadora civil que, depois de ser desautorizada pelo Tribunal Constitucional, decide zarpar, de "consciência tranquila", para a candidatura do dr. António Costa. Ou o convite para integrar o Governo feito pelo primeiro-ministro a um juiz do Tribunal Constitucional que a Assembleia da Republica tinha eleito há dois meses para um mandato de nove anos. Ou a vontade expressa do ministro dos Assuntos Parlamentares de acabar com aquilo a que ele chama "jornalismo de sarjeta". Ou o estatuto dos jornalistas que está, neste momento, em preparação. Ou a junção das polícias sob a tutela do mesmo ministro. Ou a colocação dos serviços de informação na dependência directa do primeiro-ministro. Ou as reconhecidas pressões do Governo junto da comunicação social."
25 maio, 2007
Nota gastronómica (V)
Gin tonic
Provavelmente não depreenderam dos meus escritos de que uma coisa de que gosto muito e de que co0lecciono receitas é de cocktails. Por isto, não me podia passar despercebida a nota de hoje de David Lopes Ramos, no Público, sobre o gin tónico. Parece que passou da cozinha para as bebidas, mas fica-me a mesma pergunta. Ele está a publicar receitas tradicionais (muito bem) ou a apresentar coisas originais ou adaptadas (mal)?
"Quanto às quantidades de gin e água tónica, há os que são pela igualdade, há outros que preferem duas partes de gin para uma parte de água tónica". Tudo tiros fora da "mouche"!
Lembro-me logo de duas pessoas, primeiro o meu vizinho L. da R. do Saco, que bebia todo o dia chá misturado com grande quantidade de álcool (1:3, chá:álcool, quase à DLR). Ele certamente diria que gin tónico é um copázio de gin com uma gota de água tónica.
Mas também me lembro do coronel Stanley ou seja lá o que for, comandante do 5º regimento de S. M. em Bangalore, que despediu um criado porque não sabia fazer um gin tónico como eu servirei a DLR e como sirvo sempre aos amigos, à velha maneira british: 1 parte de gin, 2 de água tónica.
Nota - Já agora, se DLR continuar a escrever sobre cocktails, que respeite a regra do 1+2 em dois outros "monstros sagrados", o Bloody Mary e o Tom Collins. Quanto ao Dry Martini, sou mais flexível (de 1+2 a 2+1), desde que "shaken, not stirred" (lembram-se?).
P. S. (11:34) - Chamaram-me a atenção para esta coisa de bom humor: C C Trevithick et al., "Shaken, not stirred: bioanalytical study of the antioxidant activities of martinis", Brit. Med. J. 319 (7225): 1600–1602.
Provavelmente não depreenderam dos meus escritos de que uma coisa de que gosto muito e de que co0lecciono receitas é de cocktails. Por isto, não me podia passar despercebida a nota de hoje de David Lopes Ramos, no Público, sobre o gin tónico. Parece que passou da cozinha para as bebidas, mas fica-me a mesma pergunta. Ele está a publicar receitas tradicionais (muito bem) ou a apresentar coisas originais ou adaptadas (mal)?
"Quanto às quantidades de gin e água tónica, há os que são pela igualdade, há outros que preferem duas partes de gin para uma parte de água tónica". Tudo tiros fora da "mouche"!
Lembro-me logo de duas pessoas, primeiro o meu vizinho L. da R. do Saco, que bebia todo o dia chá misturado com grande quantidade de álcool (1:3, chá:álcool, quase à DLR). Ele certamente diria que gin tónico é um copázio de gin com uma gota de água tónica.
Mas também me lembro do coronel Stanley ou seja lá o que for, comandante do 5º regimento de S. M. em Bangalore, que despediu um criado porque não sabia fazer um gin tónico como eu servirei a DLR e como sirvo sempre aos amigos, à velha maneira british: 1 parte de gin, 2 de água tónica.
Nota - Já agora, se DLR continuar a escrever sobre cocktails, que respeite a regra do 1+2 em dois outros "monstros sagrados", o Bloody Mary e o Tom Collins. Quanto ao Dry Martini, sou mais flexível (de 1+2 a 2+1), desde que "shaken, not stirred" (lembram-se?).
P. S. (11:34) - Chamaram-me a atenção para esta coisa de bom humor: C C Trevithick et al., "Shaken, not stirred: bioanalytical study of the antioxidant activities of martinis", Brit. Med. J. 319 (7225): 1600–1602.
Terrorismo
Declarações de Almeida Santos, segundo a Lusa (na página do Público online, 24.5.2007):
O presidente do PS, Almeida Santos, invocou esta noite os riscos de segurança para rejeitar a construção de um aeroporto a sul do Tejo, advertindo que a destruição de uma ponte num atentado terrorista poderia cortar a ligação entre as duas margens do rio.A idade não perdoa...
"Um aeroporto na margem sul tem um defeito: precisa de pontes. Suponham que uma ponte é dinamitada? Quem quiser criar um grande problema em Portugal, em termos de aviação internacional, desliga o norte do sul do país", declarou Almeida Santos no final da reunião da Comissão Nacional do PS.
Nota gastronómica (IV)
Salsichas frescas
Há quem não as coma, coisa barata e nada má? Na cozinha tradicional portuguesa (continental, não se fazem nas ilhas), só conheço uma maneira de as cozinhar, enroladas em couve lombarda e servidas com arroz branco ou refogado. Também as como assim mas, desde que vivi na Suíça, adaptei às nossas salsichas frescas uma forma tradicional do Vaud de preparar salsichas, embora bastante diferentes das nossas. No entanto, a meu ver, a adaptação funciona.
Unto uma assadeira com um pouco de manteiga misturada com uma parte de banha e levo as salsichas ao forno alto, sem mais nada. Vigiando sempre, vejo quando estão inchadas quase a rebentar e pico-as bem com um palito, fazendo sair o suco. Junto uma cebola picada fino (ou chalota, quando arranjo), vinho branco e tempero com sal, pimenta preta e cravinho. Volta a assar e, no fim, misturo o molho a engrossar moderadamente, em lume baixo, com um pouco de maizena diluída em água ou caldo de carne (se o tenho no frigorífico, genuíno, não de pacote), com mostarda de Dijon e estragão fresco picado (da minha mini-horta).
Vario bastante é o acompanhamento, desde simples batatas fritas até arroz de substância ou mesmo branco, "rösti" (também coisa suíça, muito simples, que ensinarei um dia destes) ou mesmo, para relembrar a maneira portuguesa, um estufado simples de repolho.
Há quem não as coma, coisa barata e nada má? Na cozinha tradicional portuguesa (continental, não se fazem nas ilhas), só conheço uma maneira de as cozinhar, enroladas em couve lombarda e servidas com arroz branco ou refogado. Também as como assim mas, desde que vivi na Suíça, adaptei às nossas salsichas frescas uma forma tradicional do Vaud de preparar salsichas, embora bastante diferentes das nossas. No entanto, a meu ver, a adaptação funciona.
Unto uma assadeira com um pouco de manteiga misturada com uma parte de banha e levo as salsichas ao forno alto, sem mais nada. Vigiando sempre, vejo quando estão inchadas quase a rebentar e pico-as bem com um palito, fazendo sair o suco. Junto uma cebola picada fino (ou chalota, quando arranjo), vinho branco e tempero com sal, pimenta preta e cravinho. Volta a assar e, no fim, misturo o molho a engrossar moderadamente, em lume baixo, com um pouco de maizena diluída em água ou caldo de carne (se o tenho no frigorífico, genuíno, não de pacote), com mostarda de Dijon e estragão fresco picado (da minha mini-horta).
Vario bastante é o acompanhamento, desde simples batatas fritas até arroz de substância ou mesmo branco, "rösti" (também coisa suíça, muito simples, que ensinarei um dia destes) ou mesmo, para relembrar a maneira portuguesa, um estufado simples de repolho.
24 maio, 2007
Piratagem
Não é bem piratagem, porque vou identificar o autor desta delícia de humor.
Ser insultado é um "risco profissional" dos políticos e dos árbitros. E não há seguro contra esse risco...É de Vital Moreira.
Os "rankings"
Na proposta de lei da avaliação do ensino superior, já em discussão na AR, prevê-se a elaboração de "rankings" e o ministro Mariano Gago tem defendido enfaticamente a sua necessidade, coisa de que discordo (veja-se "Olhando para a universidade II", pág. 99). Pedro Lourtie, na sua coluna habitual no Diário Económico (23.5.2007, indisponível online), não vai tão longe na rejeição mas levanta problemas importantes.
Nos últimos dias, tem havido para todos os gostos e para todas as feiras de vaidades, de universidades ibero-americanas (!), rankings só de investigação, em geral ou por temas. Ao menos, se vier a haver "rankings" oficiais em Portugal, que sigam rigorosamente os Princípios de Berlim.
Nos últimos dias, tem havido para todos os gostos e para todas as feiras de vaidades, de universidades ibero-americanas (!), rankings só de investigação, em geral ou por temas. Ao menos, se vier a haver "rankings" oficiais em Portugal, que sigam rigorosamente os Princípios de Berlim.
23 maio, 2007
A ficar velho
Não há dúvida, estou mesmo a ficar velho. Conversando com o júnior ao jantar, verifiquei que, como é natural, ele nunca tinha ouvido falar em Simone de Oliveira nem em Ary dos Santos. A conversou desfolhou para a Desfolhada e ele não conseguiu entender, felizmente para quem vive o tempo de hoje, o que foi o escândalo. Ainda se lembram? "Quem faz um filho fá-lo por gosto". Como é que os jovens de hoje podem compreender que era preciso muita coragem para escrever e cantar este verso?
Não apaguem a memória!
Não apaguem a memória!
Cumprindo Bolonha
Esta figura, aparecida no Público, mostra a taxa de efectivação do processo de Bolonha, medida em percentagem de universidades que adoptam o esquema de dois ciclos (três, se contarmos com o doutoramento). Dê-se desconto ao facto de o mapa ser muito incompleto, ficando por colorir, provavelmente a castanho, os mais modernos de Bolonha, como a Rússia, a Ucrânia e os países caucasianos.
Mas quero salientar é outra coisa, o nosso grupo, dos castanhos claro (50-70% de aplicação de Bolonha), a destoar dos laranjas e vermelhos (incluindo a Turquia, pasme-se). No entanto, repare-se que estão da mesma cor de Portugal a Espanha, a Alemanha e a Suécia. Isto é um bom alerta para a necessidade de analisarmos sempre com cuidado as coisas demasiadamente impressionistas, como é uma figura destas.
Podíamos dizer que a Espanha "é cá com'a gente". É meia verdade. Há factores de desleixo, de ineficiência do debate, mas principalmente, o facto de que foi longamente discutida a opção entre o 3+2 ou o 4+1, acabando este por prevalecer, concorde-se ou não (na prática, um 4+2 muito pouco bolonhês, mas os espanhóis são gente de coluna). Mas não se iludam: uma vez adoptado o sistema, estou convencido de que as universidades espanholas vão avançar a todo o vapor e que, para o ano, o mapa tem cor muito diferente.
E a Suécia, não é espantoso, o seu atraso? É que eles são nordicamente teimosos, acham que, no essencial, o seu velho esquema já é compatível com Bolonha e que o que falta não merece uma reforma apressada do sistema. Pior ainda, a Alemanha (com a Áustria a reboque)! Aí, a situação era a oposta, a de um sistema só de um nível e cursos longos que faria da passagem para Bolonha uma enorme revolução. Por isto, o processo tem sido cauteloso, opcional, com grande experimentalismo e, principalmente, com grande atenção ao paradigma de Bolonha muito mais do que ao simples esquema formal. Imagino o que diz uma grande universidade alemã: "2010? E se for 2015, quem é que nos castiga? Expulsam-nos do processo de Bolonha?"
Estão a ver como "as iludências aparudem"?
Nota gastronómica (III)
Guisar sem refogar
Li num blogue uma receita de um bom guisado de borrego de raiz tradicional, mas com uma inovação importante. Não se fazia previamente um refogado. Gordura, cebola e carnes, era tudo acrescentado à panela desde o início. Concordo, também acho que é boa solução quando quero um resultado mais suave, embora julgue que, terminologicamente, é mais correcto falar num estufado que num guisado. Muito bem, mas é um exemplo de como, em cozinha, raramente se inventa, porque em muitos séculos o povo já inventou muita coisa, por vezes esquecida.
Conheço um velho exemplo desta técnica, a do icónico polvo guisado com vinho de cheiro, nos Açores. Não mete refogado, pelo menos da forma como o faço, herança de uma receita da minha avó tida por muito boa. Ao ir ao lume, a panela vai com óleo, cebola picada grado, alho e já o polvo aos bocados, tudo com água até metade. Só depois, quando se equilibrou essa água evaporada com a água destilada pelo polvo, é que se junta o vinho e se tempera (malagueta, pimenta preta, cravinho, louro, salsa). A seguir, apurar, e aí é que se vê o artista.
Um pouco relacionado com isto era o uso, na minha casa de família, dos "assados" de carne. De facto, na tradição terceirense, são estufados, na panela. Faziam-de de vaca e de lombo de porco. Em ambos os casos, depois de dois dias de vinha de alhos, mas com uma diferença importante. No de carne de vaca, ela era primeiro bem selada em óleo, em peça, juntando-se depois cebola aos gomos até muito bem corad e só depois a marinada, para estufar. No caso do lombo, para suavizar, era tudo posto na panela ao mesmo tempo, apurando em conjunto ao longo do estufar. Segredos das velhas avós cozinheiras, porque nunca ouvi falar de se fazer cá tal coisa.
Li num blogue uma receita de um bom guisado de borrego de raiz tradicional, mas com uma inovação importante. Não se fazia previamente um refogado. Gordura, cebola e carnes, era tudo acrescentado à panela desde o início. Concordo, também acho que é boa solução quando quero um resultado mais suave, embora julgue que, terminologicamente, é mais correcto falar num estufado que num guisado. Muito bem, mas é um exemplo de como, em cozinha, raramente se inventa, porque em muitos séculos o povo já inventou muita coisa, por vezes esquecida.
Conheço um velho exemplo desta técnica, a do icónico polvo guisado com vinho de cheiro, nos Açores. Não mete refogado, pelo menos da forma como o faço, herança de uma receita da minha avó tida por muito boa. Ao ir ao lume, a panela vai com óleo, cebola picada grado, alho e já o polvo aos bocados, tudo com água até metade. Só depois, quando se equilibrou essa água evaporada com a água destilada pelo polvo, é que se junta o vinho e se tempera (malagueta, pimenta preta, cravinho, louro, salsa). A seguir, apurar, e aí é que se vê o artista.
Um pouco relacionado com isto era o uso, na minha casa de família, dos "assados" de carne. De facto, na tradição terceirense, são estufados, na panela. Faziam-de de vaca e de lombo de porco. Em ambos os casos, depois de dois dias de vinha de alhos, mas com uma diferença importante. No de carne de vaca, ela era primeiro bem selada em óleo, em peça, juntando-se depois cebola aos gomos até muito bem corad e só depois a marinada, para estufar. No caso do lombo, para suavizar, era tudo posto na panela ao mesmo tempo, apurando em conjunto ao longo do estufar. Segredos das velhas avós cozinheiras, porque nunca ouvi falar de se fazer cá tal coisa.
22 maio, 2007
Bolonha, Londres 2007
O comunicado dos ministros, Londres 2007, causa-me alguma estranheza. Em todos os anteriores encontrei alguma coisa de novo, a valer a pena. Este nada adianta, parece coisa ritual. Será que o processo de Bolonha entrou na rotina?
Parece-me que basta atentar na lista de prioridades para 2009. 1. Abolição das medidas estatais que ainda hoje são entrave à mobilidade (autorizações de residência, etc.). 2. Reforço da acção social na educação superior. 3. Esforço na colheita de dados, para constituição de uma base que favoreça a mobilidade e a empregabilidade. 3. ... 4. O desenvolvimento de uma estratégia que coloque a AEES no centro da discussão da globalização. 5. Intensificação do processo de "stocktaking", isto é, de recolha e de elaboração de toda a informação sobre o desenvolvimento do processo.
Como se vê, banalidades. Mas porquê as minhas reticências no ponto 3? Creio que é o dedo na ferida, que vale bem a pena baixar as bandeiras dos entusiasmos e reflectir. O que é definido como prioridade parece-me coisa imensa, a reequacionar todo o processo, sem o dizer explicitamente.
Parece-me que basta atentar na lista de prioridades para 2009. 1. Abolição das medidas estatais que ainda hoje são entrave à mobilidade (autorizações de residência, etc.). 2. Reforço da acção social na educação superior. 3. Esforço na colheita de dados, para constituição de uma base que favoreça a mobilidade e a empregabilidade. 3. ... 4. O desenvolvimento de uma estratégia que coloque a AEES no centro da discussão da globalização. 5. Intensificação do processo de "stocktaking", isto é, de recolha e de elaboração de toda a informação sobre o desenvolvimento do processo.
Como se vê, banalidades. Mas porquê as minhas reticências no ponto 3? Creio que é o dedo na ferida, que vale bem a pena baixar as bandeiras dos entusiasmos e reflectir. O que é definido como prioridade parece-me coisa imensa, a reequacionar todo o processo, sem o dizer explicitamente.
"Employability. Following up on the introduction of the three-cycle degree system, we ask BFUG to consider in more detail how to improve employability in relation to each of these cycles as well as in the context of lifelong learning. This will involve the responsibilities of all stakeholders. Governments and HEIs will need to communicate more with employers and other stakeholders on the rationale for their reforms. We will work, as appropriate, within our governments to ensure that employment and career structures within the public service are fully compatible with the new degree system. We urge institutions to further develop partnerships and cooperation with employers in the ongoing process of curriculum innovation based on learning outcomes."Esta prioridade só é bem compreendida depois de se ler um considerando anterior.
"We recognise that, in a changing world, there will be a continuing need to adapt our higher education systems, to ensure that the EHEA remains competitive and can respond effectively to the challenges of globalisation. (…) We underline the importance of improving graduate employability, whilst noting that data gathering on this issue needs to be developed further.""Recognize, … Need to adapt… Developed further"? É mesmo linguagem política. Isto foi a resposta minima à pedrada no charco desta reunião que foi o discurso de abertura do ministro inglês, Alan Johnson. Revela a preocupação que começa a haver quanto ao receio de o mercado de trabalho não estar a reagir entusiasticemente em relação a Bolonha. Perante tudo isto, perante, no nosso caso, o que entendo ser a perversão da adequação ao formalismo de Bolonha com total esquecimento do paradigma de Bolonha, peço que me desculpem a vaidade de alguns alertas, por exemplo aqui e aqui. Nunca descanso na vaidade do profeta, as ideias que apregoo só me dão obrigações. Prometo para breve um estudo sobre "a Europa ainda vai a tempo de fazer bem Bolonha?".
21 maio, 2007
Democracia triste
Escrevi anteontem a alguns amigos: "Não vou publicar no "Bloco de notas" porque os dados factuais são muito escassos, mas reajo com preocupação a uma notícia de hoje. Podem dizer-me que é tolice reagir, mas são coisas da minha pancada." Afinal, face às respostas dos meus amigos, revejo a minha posição, publico mesmo uma nota, ressalvando, contudo, que só disponho dos dados que vieram no jornal.
Segundo a notícia, um professor destacado na Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) foi recambiado por ter contado uma piada sobre o caso Sócrates/UnI, em privado (!), no gabinete de um colega (!). A directora do DREN (fica por alto a questão da denúncia feita a essa senhora e por quem) entendeu que tal piada, proferida no interior de um edifício público e durante o serviço, era uma ofensa a um superior hierárquico. O caso até pode parecer ridículo, coisa pequenina lá para o norte, que não aquece nem arrefece a nossa vida política. Mas quantas coisas pequeninas mudaram muita coisa importante, em efeito borboleta? Watergate como começou? Simples "fait divers" de uns arrombadores.
Apesar de notícia pequenina, fiquei alerta, porque isto me fez lembrar que, há bem pouco tempo, tive uma discussão com um amigo, não aceitando eu o argumento dele, que me pareceu catastrofista, de que estava a haver atitudes que punham em risco a democracia e que eram uma deriva fascizante. Continuo a não aceitar ir tão longe, mas casos destes não podem deixar de ser preocupantes. Talvez para mim o pior é que até nem vêm do governo, mas sim de uma dirigente intermédia, o que pode indiciar o alastramento despercebido de uma cultura rasteira de autoritarismo.
Um dia destes terei de escrever sobre o que penso do governo Sócrates. Indirectamente, relaciona-se com esta questão de hoje. Globalmente, considero positiva a acção deste governo e acho que tem actuado com determinação. O problema que me salta hoje à vista, admito que com algum exagero, é que a determinação, com a consequente coragem, pode ser entendida facilmente como um sinal de autoritarismo. Não digo que Sócrates seja autoritário, mas é bom que tenha cuidado em não deixar parecer aos boys que essa é que é a boa regra. O autoritarismo do regime salazarista não precisava de ser decretado pelo chefe, estava imbuído no aparelho dos párocos, dos regedores, dos professores primários.
No entanto, isto não isenta quem está por cima e se cala. Quem cala consente. Poliicamente, quem consente estimula. Senhora ministra, senhor primeiro ministro, vão dizer alguma coisa?
Manda a honestidade que chame a atenção para dois textos de opinadores de que não gosto nada e de quem estou ideologicamente muito distante: o de Pacheco Pereira, no Público de Sábado, "Poder: 'o que é tem muita força' ", com uma expressão muito bem achada, "o adensamento do ar"; e a coluna de ontem, também no Público, de Vasco Pulido Valente. Pessoalmente, ainda não vou pelo diagnóstico do tal meu amigo catastrofista. No entanto, se considero que a democracia não está doente, acho que está triste.
P. S. (22.5.2007). Sobre este caso, escreve José Vítor Malheiros, hoje, no Público, que é uma obscenidade. Não me tinha ocorrido o termo, mas subscrevo.
Segundo a notícia, um professor destacado na Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) foi recambiado por ter contado uma piada sobre o caso Sócrates/UnI, em privado (!), no gabinete de um colega (!). A directora do DREN (fica por alto a questão da denúncia feita a essa senhora e por quem) entendeu que tal piada, proferida no interior de um edifício público e durante o serviço, era uma ofensa a um superior hierárquico. O caso até pode parecer ridículo, coisa pequenina lá para o norte, que não aquece nem arrefece a nossa vida política. Mas quantas coisas pequeninas mudaram muita coisa importante, em efeito borboleta? Watergate como começou? Simples "fait divers" de uns arrombadores.
Apesar de notícia pequenina, fiquei alerta, porque isto me fez lembrar que, há bem pouco tempo, tive uma discussão com um amigo, não aceitando eu o argumento dele, que me pareceu catastrofista, de que estava a haver atitudes que punham em risco a democracia e que eram uma deriva fascizante. Continuo a não aceitar ir tão longe, mas casos destes não podem deixar de ser preocupantes. Talvez para mim o pior é que até nem vêm do governo, mas sim de uma dirigente intermédia, o que pode indiciar o alastramento despercebido de uma cultura rasteira de autoritarismo.
Um dia destes terei de escrever sobre o que penso do governo Sócrates. Indirectamente, relaciona-se com esta questão de hoje. Globalmente, considero positiva a acção deste governo e acho que tem actuado com determinação. O problema que me salta hoje à vista, admito que com algum exagero, é que a determinação, com a consequente coragem, pode ser entendida facilmente como um sinal de autoritarismo. Não digo que Sócrates seja autoritário, mas é bom que tenha cuidado em não deixar parecer aos boys que essa é que é a boa regra. O autoritarismo do regime salazarista não precisava de ser decretado pelo chefe, estava imbuído no aparelho dos párocos, dos regedores, dos professores primários.
No entanto, isto não isenta quem está por cima e se cala. Quem cala consente. Poliicamente, quem consente estimula. Senhora ministra, senhor primeiro ministro, vão dizer alguma coisa?
Manda a honestidade que chame a atenção para dois textos de opinadores de que não gosto nada e de quem estou ideologicamente muito distante: o de Pacheco Pereira, no Público de Sábado, "Poder: 'o que é tem muita força' ", com uma expressão muito bem achada, "o adensamento do ar"; e a coluna de ontem, também no Público, de Vasco Pulido Valente. Pessoalmente, ainda não vou pelo diagnóstico do tal meu amigo catastrofista. No entanto, se considero que a democracia não está doente, acho que está triste.
P. S. (22.5.2007). Sobre este caso, escreve José Vítor Malheiros, hoje, no Público, que é uma obscenidade. Não me tinha ocorrido o termo, mas subscrevo.
20 maio, 2007
Liberdade para Ingrid Betancourt
Associo-me à iniciativa bloguística de João Tunes (a quem "roubo" a foto), logo seguido por MCR, que dela me deu conhecimento. Amplifico a sugestão de uma grande acção bloguística, hoje, neste sentido. No entanto, devo exprimir as minhas dúvidas quanto ao bom senso de uma acção policial dessas, anunciada com grande publicidade. O presidente colombiano cai nas boas graças mas pode estar a pôr em risco a vida da prisioneira.
Relembro também que este é um caso que desafia a nossa identificação automática entre prisioneira e um estado ou uma polícia. Neste caso, os captores são um movimento guerrilheiro, que se autoproclama de esquerda. Por isto, é dever das verdadeiras pessoas de esquerda serem os primeiros a denunciar tal monstruosidade. Por isto, é meu dever.
P. S. - É bom lembrar que as FARC estiveram presentes na última Festa do Avante. Há blogues da autoria de comunistas que eu muito respeito. Espero deles que adiram a esta iniciativa, com condenação explícita das FARC.
19 maio, 2007
Falta de maneiras
O assunto já está mais do que discutido, não adianta nada este escrito e ainda passo por caturra, azedado em indignações. Mas tenho dificuldade em auto-censurar-me. Falo do novo ministro da Administração interna. A sua nomeação, um ou dois meses depois da sua eleição para o Tribunal Constitucional, é um sinal inaceitável do que posso chamar "falta de maneiras democráticas". Parafraseando Talleyrand, é pior do que uma ilegalidade, é uma grosseria.
18 maio, 2007
Notas soltas
Da leitura de hoje do jornal.
1. Recordando-me o que aqui disse há algum tempo, escreve Adam Michnik, personagem histórica que merece o maior respeito intelectual e ético, ex-dirigente do Solidariedade: "Actualmente a Polónia é governada por uma coligação de revanchistas pós-Solidariedade, rufiões pós-comunistas provincianos, os herdeiros dos chauvinistas de antes da Segunda Guerra Mundial, grupos xenófobos e anti-semitas e ainda o meio da Rádio Maryja, os porta-vozes do fundamentalismo etno-clerical." Mas está na UE, enquanto que a Turquia, com a sua tradição republicana e laica, ficará de fora, por mais que desempenhe um papel crucial no diálogo cultural (religioso, inclusive) de uma Europa alargada.
2. Vale a pena atentar também noutra passagem: "A revolução polaca trouxe direitos cívicos juntamente com um aumento de criminalidade, uma economia de mercado e ao mesmo tempo a falência de empresas e um elevado desemprego, a formação de uma classe média dinâmica e simultaneamente uma crescente desigualdade de rendimento. (...) No mundo-prisão do comunismo, uma pessoa era propriedade do Estado, mas este zelava pela sua existência. No mundo da liberdade, ninguém proporciona esses cuidados. É neste ambiente de ansiedade que a actual coligação governa, combinando as panaceias conservadoras de George W. Bush com as práticas centralizadoras de Vladimir Putin."
3. O príncipe Harry de Inglaterra, talvez um pobre pateta que até se mascara de Hitler, tem vocação militar, mas, como príncipe que é, ainda vive nas brumas vitorianas da antepassada. Claro que militar que se preze quer ir para o combate e muita velhinha estilo Marples ou bigodudo medalhado deve ter comentado isto com grande orgulho, à hora do chá. Mas que coisa magnífica para o terrorismo internacional seria capturar o tenente Windsor num arrabalde de Bassorá? E que risco para os pobres dos camaradas de companhia, sem culpa nenhuma de ele ser troféu de caça? Como é que os britânicos ainda vão nestas monarquices? Diz-me um amigo cínico que é uma enorme fonte de receitas turísticas, mesmo que se tenha de aturar tampax camiliano.
4. Os hospitais que não fizerem abortos, segundo a nova lei, por objecção de consciência ficam obrigados a encaminhar as grávidas para outro hospital e pagar a despesa. Ora aqui está uma decisão de grande esperteza. Uso o termo sem sentido pejorativo, muito pelo contrário.
5. Faz hoje anos José Lello. Bem gostaria de ler o postal de parabéns que Ana Gomes lhe deve ter enviado.
1. Recordando-me o que aqui disse há algum tempo, escreve Adam Michnik, personagem histórica que merece o maior respeito intelectual e ético, ex-dirigente do Solidariedade: "Actualmente a Polónia é governada por uma coligação de revanchistas pós-Solidariedade, rufiões pós-comunistas provincianos, os herdeiros dos chauvinistas de antes da Segunda Guerra Mundial, grupos xenófobos e anti-semitas e ainda o meio da Rádio Maryja, os porta-vozes do fundamentalismo etno-clerical." Mas está na UE, enquanto que a Turquia, com a sua tradição republicana e laica, ficará de fora, por mais que desempenhe um papel crucial no diálogo cultural (religioso, inclusive) de uma Europa alargada.
2. Vale a pena atentar também noutra passagem: "A revolução polaca trouxe direitos cívicos juntamente com um aumento de criminalidade, uma economia de mercado e ao mesmo tempo a falência de empresas e um elevado desemprego, a formação de uma classe média dinâmica e simultaneamente uma crescente desigualdade de rendimento. (...) No mundo-prisão do comunismo, uma pessoa era propriedade do Estado, mas este zelava pela sua existência. No mundo da liberdade, ninguém proporciona esses cuidados. É neste ambiente de ansiedade que a actual coligação governa, combinando as panaceias conservadoras de George W. Bush com as práticas centralizadoras de Vladimir Putin."
3. O príncipe Harry de Inglaterra, talvez um pobre pateta que até se mascara de Hitler, tem vocação militar, mas, como príncipe que é, ainda vive nas brumas vitorianas da antepassada. Claro que militar que se preze quer ir para o combate e muita velhinha estilo Marples ou bigodudo medalhado deve ter comentado isto com grande orgulho, à hora do chá. Mas que coisa magnífica para o terrorismo internacional seria capturar o tenente Windsor num arrabalde de Bassorá? E que risco para os pobres dos camaradas de companhia, sem culpa nenhuma de ele ser troféu de caça? Como é que os britânicos ainda vão nestas monarquices? Diz-me um amigo cínico que é uma enorme fonte de receitas turísticas, mesmo que se tenha de aturar tampax camiliano.
4. Os hospitais que não fizerem abortos, segundo a nova lei, por objecção de consciência ficam obrigados a encaminhar as grávidas para outro hospital e pagar a despesa. Ora aqui está uma decisão de grande esperteza. Uso o termo sem sentido pejorativo, muito pelo contrário.
5. Faz hoje anos José Lello. Bem gostaria de ler o postal de parabéns que Ana Gomes lhe deve ter enviado.
Direito civil
Se há coisa com a qual tenho uma relação difícil é o humor. Detesto coisas muito largas, que dão para todos os peixes na canasta. Mais largo do que o humor, e por causa, só a capacidade intelectual humana, que começa cá muito em baixo. Humor de partir às gargalhadas por fazer tropeçar o ceguinho? Por fazer rimar Lacerda com outra coisa? Obrigadinho.
Hoje vou divulgar uma pérola, uma das coisas mais inteligentemente hilariante que tenho lido. Vem num livrinho esquecido, "A pedra no sapato, a pata na poça", do meu amigo Manuel Heinzelmann, que por aqui às vezes comenta como MCR e que se chama, de registo civil, Marcelo Correia Ribeiro. Como defeito, só tem a falta de cultura, o que, sendo ele então abusiva e tachamente delegado no Norte da S. E. Cultura, lhe valeu merecida demissão pelo homem dos concertos de violino de Chopin.
LIÇÃO DE DIREITO CIVIL
Esta, juro-vos é real: acabo de ler no conspícuo "ABC" na pág. 98. Em Nápoles um carro chocou com outro parado onde um casalinho de namorados "estava com intimidades". O dono do carro abalroado acusa, agora, o chocador de, com o acidente, ter provocado a gravidez da prometida pelo que requer à seguradora reparação dos danos causados ao veículo e os provocados à minha prometida bem como tutela de todos os seus direitos já que agora temos de casar à pressa.
A senhora Giovanna Arthur, da seguradora diz que paga tudo excepto a gravidez porque entre outras coisas os técnicos têm de comprovar os danos com fotografias o que parece impossível de fazer em relação ao momento iniciador da gravidez. Munido desta notícia previno o leitor que não só gosta de conduzir mas que tam¬bém não desdenha alargar o conceito de uso deste meio de transporte a extremos que, como se viu, podem arruinar uma vida ou, como é o caso, criar uma nova. Para isso basta um carro, mar q. b., música de fundo, uma posição difícil mas não impossível e um motorista descuidado que nos embata com o X de violência que possibilite a "consumatio". Abra-se aqui um parêntesis. Não poderá o choque ser demasiado forte ao ponto de ferir gravemente os passageiros (diria melhor: utentes) do carro embatido. Digamos que o toque deverá poder caber na difícil categoria de encorajante.
Continuando o parêntesis ocorre esclarecer que o fruto da colisão - o fruto propriamente dito e não a amassadela na carroçaria - obriga os pais a repensar seriamente o nome que lhe vão dar. Produto de duas desatenções (a da intimidade a outrance e a automobilística) e de um volens nolens (que não é confundível com o atentado ao pudor) convém inquirir se o acaso do momento da concepção não obrigará o agente principal a emprestar o seu nome à criatura entretanto feita (se nascida e com vida). Suponhamos que o pai biológico é Manuel e o mecânico um vulgar Toyota. Deverá o infante chamar-se Manuel Toyota etc. e tal?
Claro que estão fora de causa nomes como Bugatti ou Hispano-Suiza por razões evidentes - estas peças não têm por hábito embater modestas viaturas com circulação em Portugal. Também não se crê que dos confins da ex-RDA venha um Trabant desembestado cumprir no jardim lusitano o dever sagrado da procriação. Estão excluídos, por falta de dignidade conceptual, tractores, empilhadoras, autotanques de bombeiros voluntários ou municipais ainda que no caso desta ultima categoria se pudesse pensar no nome do comandante - caso dos sapadores - ou do sócio mais antigo, no caso de voluntários.
2ª questão a pôr é esta: como alimentar nos primeiros tempos o produto deste duplo acidente? Exclui-se, seguramente, a gasolina seja ela super, normal ou verde. Nada impede à luz da legislação vigente, interna e comunitária, que, a jovem criatura concebida em tão invulgar situação não possa recorrer ao leite materno (ou artificial). E isto por uma razão simples: a maioria dos postos de abastecimento de combustível está encerrada entre as 0 e as 8 horas, para já não referir feriados, férias e dias santos de guarda. Acresce ainda a razão eminentemente prática de ser dificilmente adaptável um biberon "chicco" ao bico da bomba de gasolina.
3º ponto. Terão os noivos apressados direito a um ressarcimento por parte da seguradora relativamente ao efeito extemporâneo do choque? Deverá a companhia pagar o parto, as fraldas, a despesa de casamento (boda, flores, convites, etc.)? Nesta como noutras questões haverá que usar de serenidade e aplicar o que na imorredoura faculdade de direito de Coimbra se apelidava "juízo do bonus pater familias" - prudência e bom senso e um toque de fértil imaginação jurídica. Ofereço aos colegas italianos esta pequena amostra de talento: a questão haverá que resolver-se como se de um nascimento prematuro se tratasse recaindo sobre a companhia seguradora apenas e só as despesas que decorrem do adiantamento e concentração de datas e nunca as que resultariam da natural evolução do noivado atrevido que decorria no carro antes do choque.
E a franquia, esse pequeno alçapão que no contrato de seguro faz recair uma parte das despesas resultantes de sinistro sobre o segurado?
Sugere-se o recurso a tribunal arbitral ainda que com uma ressalva: que na composição deste não entre clérigo ou religioso de qualquer confissão, sabidas que são, as interdições com que todas as religiões sobrecarregam a relação pré-matrimonial! Aliás, e para quem julgue que introduzo aqui qualquer "capitis diminutio" de cariz religioso sempre direi que o caso que nos ocupa é de natureza fortemente civilística, isto é laica.
Finalmente tendo em linha de conta a evolução dos costumes, tem-se por conveniente recordar aos motoristas descuidados que não deverão embater automóveis estacionados sobretudo quando estes se encontram em zonas periféricas, em noites de luar e eventualmente ocupados por casais jovens e saudáveis.
Hoje vou divulgar uma pérola, uma das coisas mais inteligentemente hilariante que tenho lido. Vem num livrinho esquecido, "A pedra no sapato, a pata na poça", do meu amigo Manuel Heinzelmann, que por aqui às vezes comenta como MCR e que se chama, de registo civil, Marcelo Correia Ribeiro. Como defeito, só tem a falta de cultura, o que, sendo ele então abusiva e tachamente delegado no Norte da S. E. Cultura, lhe valeu merecida demissão pelo homem dos concertos de violino de Chopin.
LIÇÃO DE DIREITO CIVIL
Esta, juro-vos é real: acabo de ler no conspícuo "ABC" na pág. 98. Em Nápoles um carro chocou com outro parado onde um casalinho de namorados "estava com intimidades". O dono do carro abalroado acusa, agora, o chocador de, com o acidente, ter provocado a gravidez da prometida pelo que requer à seguradora reparação dos danos causados ao veículo e os provocados à minha prometida bem como tutela de todos os seus direitos já que agora temos de casar à pressa.
A senhora Giovanna Arthur, da seguradora diz que paga tudo excepto a gravidez porque entre outras coisas os técnicos têm de comprovar os danos com fotografias o que parece impossível de fazer em relação ao momento iniciador da gravidez. Munido desta notícia previno o leitor que não só gosta de conduzir mas que tam¬bém não desdenha alargar o conceito de uso deste meio de transporte a extremos que, como se viu, podem arruinar uma vida ou, como é o caso, criar uma nova. Para isso basta um carro, mar q. b., música de fundo, uma posição difícil mas não impossível e um motorista descuidado que nos embata com o X de violência que possibilite a "consumatio". Abra-se aqui um parêntesis. Não poderá o choque ser demasiado forte ao ponto de ferir gravemente os passageiros (diria melhor: utentes) do carro embatido. Digamos que o toque deverá poder caber na difícil categoria de encorajante.
Continuando o parêntesis ocorre esclarecer que o fruto da colisão - o fruto propriamente dito e não a amassadela na carroçaria - obriga os pais a repensar seriamente o nome que lhe vão dar. Produto de duas desatenções (a da intimidade a outrance e a automobilística) e de um volens nolens (que não é confundível com o atentado ao pudor) convém inquirir se o acaso do momento da concepção não obrigará o agente principal a emprestar o seu nome à criatura entretanto feita (se nascida e com vida). Suponhamos que o pai biológico é Manuel e o mecânico um vulgar Toyota. Deverá o infante chamar-se Manuel Toyota etc. e tal?
Claro que estão fora de causa nomes como Bugatti ou Hispano-Suiza por razões evidentes - estas peças não têm por hábito embater modestas viaturas com circulação em Portugal. Também não se crê que dos confins da ex-RDA venha um Trabant desembestado cumprir no jardim lusitano o dever sagrado da procriação. Estão excluídos, por falta de dignidade conceptual, tractores, empilhadoras, autotanques de bombeiros voluntários ou municipais ainda que no caso desta ultima categoria se pudesse pensar no nome do comandante - caso dos sapadores - ou do sócio mais antigo, no caso de voluntários.
2ª questão a pôr é esta: como alimentar nos primeiros tempos o produto deste duplo acidente? Exclui-se, seguramente, a gasolina seja ela super, normal ou verde. Nada impede à luz da legislação vigente, interna e comunitária, que, a jovem criatura concebida em tão invulgar situação não possa recorrer ao leite materno (ou artificial). E isto por uma razão simples: a maioria dos postos de abastecimento de combustível está encerrada entre as 0 e as 8 horas, para já não referir feriados, férias e dias santos de guarda. Acresce ainda a razão eminentemente prática de ser dificilmente adaptável um biberon "chicco" ao bico da bomba de gasolina.
3º ponto. Terão os noivos apressados direito a um ressarcimento por parte da seguradora relativamente ao efeito extemporâneo do choque? Deverá a companhia pagar o parto, as fraldas, a despesa de casamento (boda, flores, convites, etc.)? Nesta como noutras questões haverá que usar de serenidade e aplicar o que na imorredoura faculdade de direito de Coimbra se apelidava "juízo do bonus pater familias" - prudência e bom senso e um toque de fértil imaginação jurídica. Ofereço aos colegas italianos esta pequena amostra de talento: a questão haverá que resolver-se como se de um nascimento prematuro se tratasse recaindo sobre a companhia seguradora apenas e só as despesas que decorrem do adiantamento e concentração de datas e nunca as que resultariam da natural evolução do noivado atrevido que decorria no carro antes do choque.
E a franquia, esse pequeno alçapão que no contrato de seguro faz recair uma parte das despesas resultantes de sinistro sobre o segurado?
Sugere-se o recurso a tribunal arbitral ainda que com uma ressalva: que na composição deste não entre clérigo ou religioso de qualquer confissão, sabidas que são, as interdições com que todas as religiões sobrecarregam a relação pré-matrimonial! Aliás, e para quem julgue que introduzo aqui qualquer "capitis diminutio" de cariz religioso sempre direi que o caso que nos ocupa é de natureza fortemente civilística, isto é laica.
Finalmente tendo em linha de conta a evolução dos costumes, tem-se por conveniente recordar aos motoristas descuidados que não deverão embater automóveis estacionados sobretudo quando estes se encontram em zonas periféricas, em noites de luar e eventualmente ocupados por casais jovens e saudáveis.
16 maio, 2007
A relevância social do ensino
Na delícia do gozo da minha mesa de jardim, nesta bela tarde, não pensava vir escrever, mas não resisto. Como disse, creio que ainda até ao fim de semana publicarei um artigo aprofundado sobre o RJIES (para os leigos, a proposta de lei-quadro da educação superior). Para isto, vejo-me forçado a um passo atrás, rever todas as minhas notas tendo em conta a comparação com a nova versão da proposta de lei, embora as alterações não sejam muito importantes.
Entretanto, dei por uma coisa mantida que me obriga a manifestar preocupação. Diz o agora artº 39º, alínea g, que é requisito geral para a criação e funcionamento de um estabelecimento a "garantia de relevância social do ensino (...)". O que é a relevância social do ensino? É coisa que, por definição, não abrange um curso de direcção de orquestra, com dois candidatos por ano e uma data de professores, curso socialmente caríssimo? Ou um curso de grego clássico?
Que os leitores me perdoem eu não ir discutir este primarismo pseudo-socializante da relevância. É discussão mais do que estafada. É coisa que horrorizaria um "scholar" de Oxbridge. Mesmo cá, alguma vez um homem de esquerda clássica, como foi Caraça, se interrogou sobre o que era a relevância social da sua querida matemática? E ele até tratou esta questão da ciência e da sociedade com o maior cuidado, e atendendo a toda a complexidade da questão (vide "A cultura integral do indivíduo"), casando dialecticamente cultura de elite e cultura popular.
O que me tranquiliza é que estas fórmulas nunca têm efeitos práticos. Mas, mesmo assim, é melhor que não venham no DR, porque nos envergonham e mostram a incultura dos mais altos responsáveis.
Entretanto, dei por uma coisa mantida que me obriga a manifestar preocupação. Diz o agora artº 39º, alínea g, que é requisito geral para a criação e funcionamento de um estabelecimento a "garantia de relevância social do ensino (...)". O que é a relevância social do ensino? É coisa que, por definição, não abrange um curso de direcção de orquestra, com dois candidatos por ano e uma data de professores, curso socialmente caríssimo? Ou um curso de grego clássico?
Que os leitores me perdoem eu não ir discutir este primarismo pseudo-socializante da relevância. É discussão mais do que estafada. É coisa que horrorizaria um "scholar" de Oxbridge. Mesmo cá, alguma vez um homem de esquerda clássica, como foi Caraça, se interrogou sobre o que era a relevância social da sua querida matemática? E ele até tratou esta questão da ciência e da sociedade com o maior cuidado, e atendendo a toda a complexidade da questão (vide "A cultura integral do indivíduo"), casando dialecticamente cultura de elite e cultura popular.
O que me tranquiliza é que estas fórmulas nunca têm efeitos práticos. Mas, mesmo assim, é melhor que não venham no DR, porque nos envergonham e mostram a incultura dos mais altos responsáveis.
Indignação justificada
Recebi o seguinte texto, que publico com muito gosto.
Manuela Vaz Velho
Estou completamente indignada com a versão oficial do regime jurídico das instituições de ensino superior de que tive conhecimento hoje. Depois de ter sido informada de que as diferenças fundamentais entre a versão inicial do referido documento, divulgada anteriormente no dia 7/5/2007 e a versão oficial hoje recebida, era principalmente no que dizia respeito à questão do regime fundacional, comecei a ler o documento e, logo na página 3, assim a modos como quem não quer a coisa, há um adjectivo e um substantivo a menos em relação à 1ª versão cuja omissão me deixa inquieta e indignada porque diz respeito à diferença de qualidade dos ensinos politécnico e universitário. Passo a transcrever dois artigos da 1ª e 2ª versões e as respectivas omissões e inclusões de texto:
1ª Versão – Título I
Artigo 5º:
As universidades e demais instituições do ensino universitário são instituições de alto nível na criação, transmissão e difusão da cultura, do saber e da ciência e tecnologia, através da articulação do estudo, do ensino e da investigação fundamental e aplicada e sua difusão.
Artigo 6º
Os institutos politécnicos e demais instituições de ensino politécnico são instituições de alto nível na criação, transmissão e difusão da cultura e do saber de natureza tecnológica e profissional, através da articulação do estudo, do ensino e da investigação aplicada.
Versão actual – Título I
Artigo 6º (corresponde ao 5º da versão anterior)
As universidades e demais instituições do ensino universitário são instituições de alto nível na criação, transmissão e difusão da cultura, do saber e da ciência e tecnologia, através da articulação do estudo, do ensino e da investigação, do desenvolvimento experimental e sua difusão.
Artigo 7º (corresponde ao 6º da versão anterior)
Os institutos politécnicos e demais instituições de ensino politécnico são instituições orientadas para a transmissão e difusão da cultura e do saber de natureza profissional, através da articulação do estudo, do ensino e da investigação orientada e do desenvolvimento experimental.
Agora já não somos instituições de alto nível na criação; passámos a ser só instituições de transmissão e difusão dos mesmos géneros que os na versão anterior excepto o género do saber de natureza tecnológica e perdemos o alto nível. A competência da investigação manteve-se mas passou de aplicada a orientada. Aqui tudo bem porque me parece ser a mesma coisa. O problema é que já não temos competências sequer em termos da transmissão e difusão do saber de natureza tecnológica – passamos a ter só competências na transmissão e difusão do saber de natureza profissional.
Não quero continuar a ler este documento. Não admito que esta diferenciação desqualifique o ensino politécnico e que este deixe de ser de alto nível. Até agora tínhamos o ensino básico, secundário, médio e superior. Se este documento for aprovado teremos o ensino superior de alto nível que é o universitário e o ensino superior sem nível que é o politécnico. Eu que defendo a natureza binária do sistema, que defendo a diferenciação dos dois sistemas e a natureza mais teórico-prática e operativa do ensino politécnico em relação à mais conceptual e teórica do ensino universitário, como o caminho mais apropriado para a maioria da matéria-prima que trabalhamos e para as necessidades reais do mercado de trabalho e, consequentemente da empregabilidade dos nossos diplomados, chego à página 3 do documento e já estou profundamente magoada.
Eu, que gostaria de ver mudada a designação da minha escola de Escola Superior de Tecnologia e Gestão para Escola Superior de Tecnologia, Gestão e Artes, por ser mais abrangente, ainda vou ver a minha Escola mudar para Escola Profissional de Sabe-se Lá O Quê, porque a tecnologia já não é para nós.
Manuela Vaz Velho
Estou completamente indignada com a versão oficial do regime jurídico das instituições de ensino superior de que tive conhecimento hoje. Depois de ter sido informada de que as diferenças fundamentais entre a versão inicial do referido documento, divulgada anteriormente no dia 7/5/2007 e a versão oficial hoje recebida, era principalmente no que dizia respeito à questão do regime fundacional, comecei a ler o documento e, logo na página 3, assim a modos como quem não quer a coisa, há um adjectivo e um substantivo a menos em relação à 1ª versão cuja omissão me deixa inquieta e indignada porque diz respeito à diferença de qualidade dos ensinos politécnico e universitário. Passo a transcrever dois artigos da 1ª e 2ª versões e as respectivas omissões e inclusões de texto:
1ª Versão – Título I
Artigo 5º:
As universidades e demais instituições do ensino universitário são instituições de alto nível na criação, transmissão e difusão da cultura, do saber e da ciência e tecnologia, através da articulação do estudo, do ensino e da investigação fundamental e aplicada e sua difusão.
Artigo 6º
Os institutos politécnicos e demais instituições de ensino politécnico são instituições de alto nível na criação, transmissão e difusão da cultura e do saber de natureza tecnológica e profissional, através da articulação do estudo, do ensino e da investigação aplicada.
Versão actual – Título I
Artigo 6º (corresponde ao 5º da versão anterior)
As universidades e demais instituições do ensino universitário são instituições de alto nível na criação, transmissão e difusão da cultura, do saber e da ciência e tecnologia, através da articulação do estudo, do ensino e da investigação, do desenvolvimento experimental e sua difusão.
Artigo 7º (corresponde ao 6º da versão anterior)
Os institutos politécnicos e demais instituições de ensino politécnico são instituições orientadas para a transmissão e difusão da cultura e do saber de natureza profissional, através da articulação do estudo, do ensino e da investigação orientada e do desenvolvimento experimental.
Agora já não somos instituições de alto nível na criação; passámos a ser só instituições de transmissão e difusão dos mesmos géneros que os na versão anterior excepto o género do saber de natureza tecnológica e perdemos o alto nível. A competência da investigação manteve-se mas passou de aplicada a orientada. Aqui tudo bem porque me parece ser a mesma coisa. O problema é que já não temos competências sequer em termos da transmissão e difusão do saber de natureza tecnológica – passamos a ter só competências na transmissão e difusão do saber de natureza profissional.
Não quero continuar a ler este documento. Não admito que esta diferenciação desqualifique o ensino politécnico e que este deixe de ser de alto nível. Até agora tínhamos o ensino básico, secundário, médio e superior. Se este documento for aprovado teremos o ensino superior de alto nível que é o universitário e o ensino superior sem nível que é o politécnico. Eu que defendo a natureza binária do sistema, que defendo a diferenciação dos dois sistemas e a natureza mais teórico-prática e operativa do ensino politécnico em relação à mais conceptual e teórica do ensino universitário, como o caminho mais apropriado para a maioria da matéria-prima que trabalhamos e para as necessidades reais do mercado de trabalho e, consequentemente da empregabilidade dos nossos diplomados, chego à página 3 do documento e já estou profundamente magoada.
Eu, que gostaria de ver mudada a designação da minha escola de Escola Superior de Tecnologia e Gestão para Escola Superior de Tecnologia, Gestão e Artes, por ser mais abrangente, ainda vou ver a minha Escola mudar para Escola Profissional de Sabe-se Lá O Quê, porque a tecnologia já não é para nós.
15 maio, 2007
Nota gastronómica (II)
Uma nova receita
Vão-me saindo coisas reservadas e, pelo meio, outras que gosto de partilhar com os leitores. É para isto que tenho no meu sítio uma página de receitas. Hoje, fica lá uma nova, "Lombo de peixe com canelones recheados com hortaliça e cobertos com crocante de pasta de alcaparras".
Vão-me saindo coisas reservadas e, pelo meio, outras que gosto de partilhar com os leitores. É para isto que tenho no meu sítio uma página de receitas. Hoje, fica lá uma nova, "Lombo de peixe com canelones recheados com hortaliça e cobertos com crocante de pasta de alcaparras".
Feriado
Hoje faço feriado, aliás, o meu feriado nacional. Hasteei a genuína bandeira portuguesa, a azul e branca, com escudo e coroa. Creio que todos os bons portugueses deviam fazer o mesmo. Sua majestade faz hoje 62 mimosos aninhos. Pagabéns a el guei.
A biodiversidade e a ditadura do politicamente correcto
A terminologia é por vezes bem divertida e sintomática de modas, muitas vezes sem sentido. Este governa prima. Ministérios da economia e da inovação (há uma coisa sem outra?), da ciência, tecnologia e ensino superior (idem). Tínhamos um Instituto da Conservação da Natureza, que agora, importantíssimo, passa a coisa muito mais relevante, Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Nunca vi pleonasmo tão estúpido, mas, como não considero que os nossos governantes são estúpidos, vou ficando por pensar que são rudimentarmente incultos e/ou videirinhamente demagógicos. O que leva a outra coisa. Se digo que não tenho o direito de os considerar estúpidos, nego-lhes o direito de nos considerarem estúpidos. "Ainda por cima, é pá, é coisa que me chateia!" (ainda se lembram do Pinheiro de Azevedo?).
Aproveito para um apelo à reflexão sobre a biodiversidade, a preservação das espécies. Muito bem, mas devemos lutar por preservar a M. tuberculosis ou o vírus da Sida? Não fazem parte da biodiversidade? A erradicação da varíola, em 1980, ou a esperada erradicação próxima da poliomielite, são atentados à biodiversidade? Ai, o politicamente correcto, a coisa mais estupidificante que por aí anda!
Aproveito para um apelo à reflexão sobre a biodiversidade, a preservação das espécies. Muito bem, mas devemos lutar por preservar a M. tuberculosis ou o vírus da Sida? Não fazem parte da biodiversidade? A erradicação da varíola, em 1980, ou a esperada erradicação próxima da poliomielite, são atentados à biodiversidade? Ai, o politicamente correcto, a coisa mais estupidificante que por aí anda!
14 maio, 2007
Nota gastronómica (I)
Conselhos bizarros
Há vinhos brancos que desafiam qualquer escanção, quando tem de aconselhar o seu uso com determinado prato. São vinhos com personalidade muito forte, até com sabores mais comuns em vinhos tintos, com risco de abafar (ou se deixarem banalizar) um peixe relativamente vulgar. Como já aqui disse do excelente Donatário, dos Biscoitos, ou como quando, raramente, consigo um Dorin-Dézaley suíço, do Vaud, acabo por preferir bebê-los sozinhos, ao fim da tarde, com queijos.
Outros exemplos, todos de brancos fermentados em madeira, são o Vinha Formal (Luís Pato), o novo Esporão Private Selection 2006 e o extraordinário e único Vindima de 7 de Outubro de 2003 Quinta do Monte d'Oiro, um vinho que talvez José Bento dos Santos nunca mais seja capaz de reproduzir. Bebo-os com peixes especiais, como o salmonete, com o meu consomê muito suave de marisco, a dar-lhe vigor (isto é, ao contrário, é a sopa a acompanhar o vinho), ou com marisco grande cozido ou grelhado, simples.
Refiro estes três brancos porque, hoje (12.5.2007), vi-os aconselhados como acompanhantes de um banalíssimo bacalhau assado com batatas, em azeite temperado com alho. Garanto que era estritamente isto. Ainda por cima, podia falar de preços, mas não me quero desviar do essencial, que é o bom gosto mínimo. Há gente nos jornais a brincar com o pagode.
Isto foi escrito no Sábado 12 e ia ficar por aqui. Para não me julgarem sempre agressivo, até ia omitir a identificação da noticia, mas há quem abuse da nossa paciência. Ontem, no mesmo local do mesmo jornal, lá vem outra receita de grande novidade, com sugestão de vinhos. Ervilhas guisadas com presunto e ovo escalfado, coisa de grande requinte, exactamente à maneira tradicional, mas a merecer um tinto com uns 10 anos "que tenham em casa", seja um Duas Quintas reserva (um vinho mais que premiado), um Quinta do Monte d'Oiro ou um Luís Pato Vinha Barrosa.
Nisto, há uma coisa acertada: "que tenham em casa". De facto, ervilhas guisadas só com o "vinho da casa"! Mas chamar a esses vinhos "os da casa" que vão com ervilhas de tasca é coisa que causará um enfarto a qualquer daqueles grandes enólogos, João Nicolau de Almeida, José Bento dos Santos e Luís Pato. É que há algumas publicidades venenosas.
Prevejo algumas próximas sugestões. Cozido à portuguesa com Barca Velha; pataniscas de bacalhau com um Murganheira Reserva bruto; e, para uma nota internacional, "filete de ternera en su suco" das cafeterias da Gran Via, com Vega Sicilia. Bacalhau com natas, aquele dos "catterings" medíocres, cheira logo a cozinha francesa e chama obviamente um Chateau Lafite!
E, com isto, deixa de se justificar o meu anunciado recato. Estas pérolas aparecem numa secção, Ficar, do caderno P2 do Público e são da lavra de um jornalista e crítico gastronómico que me habituei a respeitar: David Lopes Ramos. O homem passou-se! É a coisa mais caridosa que me ocorre escrever.
P. S. - Não percebi se DLR está a publicar receitas suas se apenas a transcrever coisas do mais banal património gastronómico comum. Era bom que esclarecesse.
À margem - Também sábado, na revista do Expresso, Pedro Marques propõe uma receita de salmonetes recheados com amêijoas, mexilhões e percebes, salteados (ou refogados, já que a receita inclui cebola?), com puré de ervilhas. Pode ser questão de gosto pessoal meu, mas duvido que seja assim que este chefe deva apreciar mesmo e saber valorizar o sabor ímpar do salmonete.
Há vinhos brancos que desafiam qualquer escanção, quando tem de aconselhar o seu uso com determinado prato. São vinhos com personalidade muito forte, até com sabores mais comuns em vinhos tintos, com risco de abafar (ou se deixarem banalizar) um peixe relativamente vulgar. Como já aqui disse do excelente Donatário, dos Biscoitos, ou como quando, raramente, consigo um Dorin-Dézaley suíço, do Vaud, acabo por preferir bebê-los sozinhos, ao fim da tarde, com queijos.
Outros exemplos, todos de brancos fermentados em madeira, são o Vinha Formal (Luís Pato), o novo Esporão Private Selection 2006 e o extraordinário e único Vindima de 7 de Outubro de 2003 Quinta do Monte d'Oiro, um vinho que talvez José Bento dos Santos nunca mais seja capaz de reproduzir. Bebo-os com peixes especiais, como o salmonete, com o meu consomê muito suave de marisco, a dar-lhe vigor (isto é, ao contrário, é a sopa a acompanhar o vinho), ou com marisco grande cozido ou grelhado, simples.
Refiro estes três brancos porque, hoje (12.5.2007), vi-os aconselhados como acompanhantes de um banalíssimo bacalhau assado com batatas, em azeite temperado com alho. Garanto que era estritamente isto. Ainda por cima, podia falar de preços, mas não me quero desviar do essencial, que é o bom gosto mínimo. Há gente nos jornais a brincar com o pagode.
Isto foi escrito no Sábado 12 e ia ficar por aqui. Para não me julgarem sempre agressivo, até ia omitir a identificação da noticia, mas há quem abuse da nossa paciência. Ontem, no mesmo local do mesmo jornal, lá vem outra receita de grande novidade, com sugestão de vinhos. Ervilhas guisadas com presunto e ovo escalfado, coisa de grande requinte, exactamente à maneira tradicional, mas a merecer um tinto com uns 10 anos "que tenham em casa", seja um Duas Quintas reserva (um vinho mais que premiado), um Quinta do Monte d'Oiro ou um Luís Pato Vinha Barrosa.
Nisto, há uma coisa acertada: "que tenham em casa". De facto, ervilhas guisadas só com o "vinho da casa"! Mas chamar a esses vinhos "os da casa" que vão com ervilhas de tasca é coisa que causará um enfarto a qualquer daqueles grandes enólogos, João Nicolau de Almeida, José Bento dos Santos e Luís Pato. É que há algumas publicidades venenosas.
Prevejo algumas próximas sugestões. Cozido à portuguesa com Barca Velha; pataniscas de bacalhau com um Murganheira Reserva bruto; e, para uma nota internacional, "filete de ternera en su suco" das cafeterias da Gran Via, com Vega Sicilia. Bacalhau com natas, aquele dos "catterings" medíocres, cheira logo a cozinha francesa e chama obviamente um Chateau Lafite!
E, com isto, deixa de se justificar o meu anunciado recato. Estas pérolas aparecem numa secção, Ficar, do caderno P2 do Público e são da lavra de um jornalista e crítico gastronómico que me habituei a respeitar: David Lopes Ramos. O homem passou-se! É a coisa mais caridosa que me ocorre escrever.
P. S. - Não percebi se DLR está a publicar receitas suas se apenas a transcrever coisas do mais banal património gastronómico comum. Era bom que esclarecesse.
À margem - Também sábado, na revista do Expresso, Pedro Marques propõe uma receita de salmonetes recheados com amêijoas, mexilhões e percebes, salteados (ou refogados, já que a receita inclui cebola?), com puré de ervilhas. Pode ser questão de gosto pessoal meu, mas duvido que seja assim que este chefe deva apreciar mesmo e saber valorizar o sabor ímpar do salmonete.
12 maio, 2007
A fome e a fartura
(Publicado há dias, mas já indisponível, em Reformar a Educação Superior)
Tenho estado a "deliciar-me" com a leitura da proposta de lei de regime jurídico das instituições de ensino superior, 340/2007 (ainda com uma ou outra coisa a corrigir, mas que creio que irrelevante). Depois de dois anos a assobiar para o lado, foi a toda a pressa que o governo aprovou, para apreciação pela Assembleia da República, esta proposta de lei. Perdeu tempo de debate interno, essencial em matéria de tal impacto na cultura institucional e, logo, na eficácia. Podia ter justificado esta perda de tempo com o apoio do relatório da OCDE, mas nem é o caso. Sai um monstro legislativo, de 87 páginas e 153 artigos, uma indigestão para quem não tem vocação burocrática. Às vezes, pergunto-me se isto não é voluntariamente dissuasor. Outras vezes, penso que é só incompetência, como agora: má arrumação dos temas, estilo palavroso a que o MCTES já nos habituou (ai, o rigor da escrita científica!), repetições até de frases inteiras, erros de gramática. Mas não é disto que quero tratar.
Reparo na sabedoria do provérbio "não há fome que não dê em fartura". Creio que reconhecerão que poucos se têm batido como eu pela intervenção de externos, "stakeholders", na governação das universidades. O ministro, que eu tenha lido, nunca deu muita importância a isto mas agora, com a onda europeia e o relatório da OCDE, converteu-se e, como é costume aos convertidos, tem de ir pelos menos a três missas por dia. Eu fico-me por uma breve oração ao deitar.
O novo conselho geral de cada universidade tem de ter entre 10 e 25 membros, dos quais pelo menos 30% externos à instituição (curiosamente, nunca se esclarece se podem ser ou não professores de outras universidades, o que seria um engraçadíssimo Carrossel Napolitano, grande filme musical da minha meninice, "eu dou-te um chapéu a ti, tu dás-me um chapéu a mim"). Todas as unidades orgânicas de grande dimensão devem ter um órgão equivalente. Vamos a contas de merceeiro.
Fora a Aberta, temos 13 universidades públicas. Cada uma terá, em média, 15 conselheiros gerais e o mínimo de externos: 13 x 15 x 0,3 = 59. Não considerando departamentos, apenas áreas departamentais nas universidades departamentadas, há 120 unidades orgânicas. Vamos pelos mínimos: 120 x 10 x 0,3 = 360. Total de externos, 419. Vai ser muito difícil eu arranjar um lugarzito destes, só para pôr no currículo? Prometo que fico muito caladinho e não faço ondas.
(Isto é só aperitivo. Daqui a dias publicarei no meu sítio um artigo de crítica aprofundada desta proposta de lei. Avisarei)
Tenho estado a "deliciar-me" com a leitura da proposta de lei de regime jurídico das instituições de ensino superior, 340/2007 (ainda com uma ou outra coisa a corrigir, mas que creio que irrelevante). Depois de dois anos a assobiar para o lado, foi a toda a pressa que o governo aprovou, para apreciação pela Assembleia da República, esta proposta de lei. Perdeu tempo de debate interno, essencial em matéria de tal impacto na cultura institucional e, logo, na eficácia. Podia ter justificado esta perda de tempo com o apoio do relatório da OCDE, mas nem é o caso. Sai um monstro legislativo, de 87 páginas e 153 artigos, uma indigestão para quem não tem vocação burocrática. Às vezes, pergunto-me se isto não é voluntariamente dissuasor. Outras vezes, penso que é só incompetência, como agora: má arrumação dos temas, estilo palavroso a que o MCTES já nos habituou (ai, o rigor da escrita científica!), repetições até de frases inteiras, erros de gramática. Mas não é disto que quero tratar.
Reparo na sabedoria do provérbio "não há fome que não dê em fartura". Creio que reconhecerão que poucos se têm batido como eu pela intervenção de externos, "stakeholders", na governação das universidades. O ministro, que eu tenha lido, nunca deu muita importância a isto mas agora, com a onda europeia e o relatório da OCDE, converteu-se e, como é costume aos convertidos, tem de ir pelos menos a três missas por dia. Eu fico-me por uma breve oração ao deitar.
O novo conselho geral de cada universidade tem de ter entre 10 e 25 membros, dos quais pelo menos 30% externos à instituição (curiosamente, nunca se esclarece se podem ser ou não professores de outras universidades, o que seria um engraçadíssimo Carrossel Napolitano, grande filme musical da minha meninice, "eu dou-te um chapéu a ti, tu dás-me um chapéu a mim"). Todas as unidades orgânicas de grande dimensão devem ter um órgão equivalente. Vamos a contas de merceeiro.
Fora a Aberta, temos 13 universidades públicas. Cada uma terá, em média, 15 conselheiros gerais e o mínimo de externos: 13 x 15 x 0,3 = 59. Não considerando departamentos, apenas áreas departamentais nas universidades departamentadas, há 120 unidades orgânicas. Vamos pelos mínimos: 120 x 10 x 0,3 = 360. Total de externos, 419. Vai ser muito difícil eu arranjar um lugarzito destes, só para pôr no currículo? Prometo que fico muito caladinho e não faço ondas.
(Isto é só aperitivo. Daqui a dias publicarei no meu sítio um artigo de crítica aprofundada desta proposta de lei. Avisarei)
11 maio, 2007
Adivinha
Extraio de uma entrevista recente uma declaração de R, o responsável máximo de uma organização estranha, X.
"Só o R é que fala para o exterior? Porque é o único que representa verdadeiramente toda a X. Mas isso não impede que os [membros] individualmente considerados nos seus locais de trabalho, nas suas profissões, na sua actividade cívica e cultural sejam também portadores destes valores e falem e influenciem enquanto cidadãos formados nessa grande escola de valores que é a X."
Ponho a rifas: X é a Maçonaria, a Opus Dei ou ambas?
09 maio, 2007
Ainda os jornais
Como é que se concebe, nos dias que correm, que um dos mais respeitados jornais portugueses, o DN , não faculte uma página RSS? E também um jornal online, com especial responsabilidade técnica da net, o Diário digital?
08 maio, 2007
Reguada
Muito bem escrevem os nossos jornalistas:
"O estudante coreano Seung Hui Cho, que matou 32 pessoas e depois suicidou-se," (continua)E o mal é não ter escolha, é o mesmo em qualquer jornal, em qualquer noticiário.
07 maio, 2007
"Case closed"
Há temas importantes sobre os quais gosto de escrever ao retardador, com distanciamento. Agora que tudo parece estar esquecido no caso Sócrates, é altura, para mim próprio, de um meu balanço final. Muito pouca coisa ficou completamente demonstrada, não me parece que alguma ilegalidade por parte de José Sócrates (JS). Parece-me importante acentuar isto, porque tudo o que vou escrever deriva de um juízo ético, não jurídico. Juridicamente, para mim, apesar de leigo, há uma coisa essencial: JS apresenta um certificado de licenciatura, não é ele que tem de provar que é licenciado, são os outros que têm de provar que ele não é.
No entanto, o facto de não haver provas de ilegalidades não impede fortes indícios de que ninguém se sai bem de toda esta história, no plano ético. Quando crianças brincam a atirar bolas de neve todos se molham. Neste caso, atiraram-se bolas de porcaria.
Começando pelo mais fácil, não se saiu bem a UnI, nem os seus mediáticos e cadastráveis Luís Arouca e Rui Verde (fora o sócio angolano dos diamantes), muito menos o miraculosamente aparecido reitor Ernesto Costa, hoje tranquilamente professor catedrático da U. Coimbra. É obviamente um albergue de malfeitores, alguns dos quais já na prisão. Não é caso de se perguntar se deve ou não extinguir, mas sim de se devia ou não ter sido criada. É também um bom exemplo do papel do bloco central politico na criação do ensino superior privado. Vejam só isto que Ernesto Costa declarou ao Público. "assumi um compromisso perante (...) o ministério da educação". Nessa data, em 1993, o ministério era PSD (governo Cavaco), depois até o grande académico Marques Mendes lá foi professor. Mas isto é só PSD? Não, o actual salvador da Sides, proprietária da UnI, é um senhor Lúcio Pimentel, militante destacado do PS.
Não se saiu bem o blogue "Do Portugal profundo". A meu ver, nunca demonstrou isenção, nunca fez a sua "declaração de interesses". Isto não se exige a um órgão de comunicação social, mas, em tempos de grande influência da blogosfera, creio que lhe é exigível. Ao menos, faça-se justiça, o blogue não se refugia no anonimato, mas aceitou muitos comentários anónimos abjectos ou, pelo menos, de seriedade duvidosa. Quem anda pela net sabe muito bem como o seu anonimato serve para as maiores vilezas e cobardias.
Não se saiu bem o Público. Escolheu muito mal a oportunidade, suscitando suspeitas razoáveis de tudo ser uma vingança pelo fracasso da OPA do patrão. Pior, para um jornal que se quer de referência, parece que fez consigo próprio um campeonato da asneira. Isto era dossiê que a direcção devia ter entregue aos melhores jornalistas, mas que acabou por ser um chorrilho de asneiras, tiros ao lado ou nos pés. Não sou jornalista, não percebo nada da técnica de investigação jornalística, mas não sou estúpido. Nunca eu teria permitido saídas airosas de JS na entrevista da RTP, apenas porque o Público lhe deu as vazas. O jornal publicou questões que até pareceram um presente a JS, na medida em que lhes respondeu facilmente escamoteando assim a necessidade de responder a coisas bem mis incomodativas. Depois, o Público claramente que meteu travão as quatro rodas, defraudando os leitores que tinham ido na onda e que e se preparavam para melhor esclarecimento. Quem deu ordem para o carregar no travão?
Não se saiu bem o cidadão José Sócrates (por agora, não falo no primeiro ministro). Não preciso de invocar qualquer fraude, obtenção de privilégio. Mostra-se como um habilidoso, superficial, com um pé na carreira política, outro numa escala de qualificações académicas que só se pode relacionar mediocremente com a primeira. Saltita de curso em curso; pede equivalências sem saber ao certo o que são os saberes e competências adquiridos; considera, já politico destacado, que a UnI é uma instituição de prestígio; é politicamente ignorante, desconhecendo que o seu colega ministro da educação estava quase a dar o grau de licenciatura ao seu curso do ISEL; acha honesto passar em disciplinas de betão armado sem ter feito um único exercício de cálculo; influencia, de facto, a sua universidade, enviando mensagens em fax ou cartões oficiais do seu posto governamental; apresenta-se a um exame (o tal de inglês) em pleno Agosto, com um trabalho de autoria não controlável; não cumpriu o "work load" (na linguagem de Bolonha) de uma licenciatura a sério, aceitou ter um mesmo professor em quatro disciplinas, com alegre inconsciência (?) da impossibilidade de tal encargo por parte de um professor a sério, etc, etc.
Não se saiu bem o primeiro ministro. Usou sistematicamente o seu gabinete para troca de conversas com a comunicação social. Usou uma entrevista na RTP em que falou uma hora como José Sócrates, outra como primeiro ministro, em balanço de governo. Das duas uma. Ou isto é questão de Estado e então exige-se um apuramento segundo todas as regras do procedimento democrático, ou é questão privada e então o primeiro ministro não pode usar neste caso nenhum meio público. Ou estarei a exagerar na minha ética (republicana)?
Não se saiu bem Mariano Gago, que só agora descobriu os podres de algumas universidades privadas (nem todas, felizmente) e que, mesmo depois do caso (de polícia) Sides/UNI continua a assobiar para o lado em relação a outras eventuais irregularidades. A sua afirmação de que este percurso académico de Sócrates é um regozijo para o pais é uma vergonha e um insulto para os muitos humildes trabalhadores, muitos dos quais da função pública, que tentam qualificar-se, em regime pós-laboral, com grandes dificuldades e sem estas benesses do patrão. O que o ministro devia ter dito, ao mesmo tempo que se preparava para a inevitável demissão, é que o estudante José Sócrates foi o oposto de tudo o que os nossos estudantes devem considerar como exemplo. Para acabar, Mariano Gago recorre também ao aparelho de estado (IGES), numa operação claramente conotada com o caso individual de JS. É um abuso.
Não se saiu bem o PS, com tudo o que de história de "boys" veio ao de cima, até com aspectos caricatos de solidariedades de conterrâneos. Começa a parecer digno de maior investigação uma espécie de grupo da Cova da Beira, com relações promíscuas de partido, de negócios, de nomeações, de relações professor-aluno.
Enfim, tudo isto cheira mal que tresanda! A sorte, para todos os que se sujaram, foi a cumplicidade geral no esquecimento. Presidência da UE "oblige".
Nota - em muita coisa da vida e esepcialmente na política o excesso de zelo é uma coisa bem perigosa e com efeito de boomerang. JS bem pode agradecer a quem se descredibilizou como crítico por palpites e suspeitas infundadas ou por processos de intenção. Bem grave é o que já basta.
No entanto, o facto de não haver provas de ilegalidades não impede fortes indícios de que ninguém se sai bem de toda esta história, no plano ético. Quando crianças brincam a atirar bolas de neve todos se molham. Neste caso, atiraram-se bolas de porcaria.
Começando pelo mais fácil, não se saiu bem a UnI, nem os seus mediáticos e cadastráveis Luís Arouca e Rui Verde (fora o sócio angolano dos diamantes), muito menos o miraculosamente aparecido reitor Ernesto Costa, hoje tranquilamente professor catedrático da U. Coimbra. É obviamente um albergue de malfeitores, alguns dos quais já na prisão. Não é caso de se perguntar se deve ou não extinguir, mas sim de se devia ou não ter sido criada. É também um bom exemplo do papel do bloco central politico na criação do ensino superior privado. Vejam só isto que Ernesto Costa declarou ao Público. "assumi um compromisso perante (...) o ministério da educação". Nessa data, em 1993, o ministério era PSD (governo Cavaco), depois até o grande académico Marques Mendes lá foi professor. Mas isto é só PSD? Não, o actual salvador da Sides, proprietária da UnI, é um senhor Lúcio Pimentel, militante destacado do PS.
Não se saiu bem o blogue "Do Portugal profundo". A meu ver, nunca demonstrou isenção, nunca fez a sua "declaração de interesses". Isto não se exige a um órgão de comunicação social, mas, em tempos de grande influência da blogosfera, creio que lhe é exigível. Ao menos, faça-se justiça, o blogue não se refugia no anonimato, mas aceitou muitos comentários anónimos abjectos ou, pelo menos, de seriedade duvidosa. Quem anda pela net sabe muito bem como o seu anonimato serve para as maiores vilezas e cobardias.
Não se saiu bem o Público. Escolheu muito mal a oportunidade, suscitando suspeitas razoáveis de tudo ser uma vingança pelo fracasso da OPA do patrão. Pior, para um jornal que se quer de referência, parece que fez consigo próprio um campeonato da asneira. Isto era dossiê que a direcção devia ter entregue aos melhores jornalistas, mas que acabou por ser um chorrilho de asneiras, tiros ao lado ou nos pés. Não sou jornalista, não percebo nada da técnica de investigação jornalística, mas não sou estúpido. Nunca eu teria permitido saídas airosas de JS na entrevista da RTP, apenas porque o Público lhe deu as vazas. O jornal publicou questões que até pareceram um presente a JS, na medida em que lhes respondeu facilmente escamoteando assim a necessidade de responder a coisas bem mis incomodativas. Depois, o Público claramente que meteu travão as quatro rodas, defraudando os leitores que tinham ido na onda e que e se preparavam para melhor esclarecimento. Quem deu ordem para o carregar no travão?
Não se saiu bem o cidadão José Sócrates (por agora, não falo no primeiro ministro). Não preciso de invocar qualquer fraude, obtenção de privilégio. Mostra-se como um habilidoso, superficial, com um pé na carreira política, outro numa escala de qualificações académicas que só se pode relacionar mediocremente com a primeira. Saltita de curso em curso; pede equivalências sem saber ao certo o que são os saberes e competências adquiridos; considera, já politico destacado, que a UnI é uma instituição de prestígio; é politicamente ignorante, desconhecendo que o seu colega ministro da educação estava quase a dar o grau de licenciatura ao seu curso do ISEL; acha honesto passar em disciplinas de betão armado sem ter feito um único exercício de cálculo; influencia, de facto, a sua universidade, enviando mensagens em fax ou cartões oficiais do seu posto governamental; apresenta-se a um exame (o tal de inglês) em pleno Agosto, com um trabalho de autoria não controlável; não cumpriu o "work load" (na linguagem de Bolonha) de uma licenciatura a sério, aceitou ter um mesmo professor em quatro disciplinas, com alegre inconsciência (?) da impossibilidade de tal encargo por parte de um professor a sério, etc, etc.
Não se saiu bem o primeiro ministro. Usou sistematicamente o seu gabinete para troca de conversas com a comunicação social. Usou uma entrevista na RTP em que falou uma hora como José Sócrates, outra como primeiro ministro, em balanço de governo. Das duas uma. Ou isto é questão de Estado e então exige-se um apuramento segundo todas as regras do procedimento democrático, ou é questão privada e então o primeiro ministro não pode usar neste caso nenhum meio público. Ou estarei a exagerar na minha ética (republicana)?
Não se saiu bem Mariano Gago, que só agora descobriu os podres de algumas universidades privadas (nem todas, felizmente) e que, mesmo depois do caso (de polícia) Sides/UNI continua a assobiar para o lado em relação a outras eventuais irregularidades. A sua afirmação de que este percurso académico de Sócrates é um regozijo para o pais é uma vergonha e um insulto para os muitos humildes trabalhadores, muitos dos quais da função pública, que tentam qualificar-se, em regime pós-laboral, com grandes dificuldades e sem estas benesses do patrão. O que o ministro devia ter dito, ao mesmo tempo que se preparava para a inevitável demissão, é que o estudante José Sócrates foi o oposto de tudo o que os nossos estudantes devem considerar como exemplo. Para acabar, Mariano Gago recorre também ao aparelho de estado (IGES), numa operação claramente conotada com o caso individual de JS. É um abuso.
Não se saiu bem o PS, com tudo o que de história de "boys" veio ao de cima, até com aspectos caricatos de solidariedades de conterrâneos. Começa a parecer digno de maior investigação uma espécie de grupo da Cova da Beira, com relações promíscuas de partido, de negócios, de nomeações, de relações professor-aluno.
Enfim, tudo isto cheira mal que tresanda! A sorte, para todos os que se sujaram, foi a cumplicidade geral no esquecimento. Presidência da UE "oblige".
Nota - em muita coisa da vida e esepcialmente na política o excesso de zelo é uma coisa bem perigosa e com efeito de boomerang. JS bem pode agradecer a quem se descredibilizou como crítico por palpites e suspeitas infundadas ou por processos de intenção. Bem grave é o que já basta.
04 maio, 2007
Publicação online
Está cada vez mais difícil encontrar uma editora que nos dê o prazer de ver um "filho", um livro, nos expositores das livrarias. É a crise, só dá para as editoras se aventurarem pelos consagrados, pelos esoterismos e pelas escritoras "light".
Tenho dois livros publicados, coisas aparentemente contraditórias, um livro sobre a universidade e um livro de gastronomia. Houve um outro que me saiu do fundo da alma de menino nunca auto-esquecido, as minhas histórias, lembrando-me sempre de que um homem pode ser muita coisa mas são as suas histórias que o fazem e refazem sempre, com os anos, com o mudar das histórias reais porque os anos vão mudando o imaginar das histórias e elas só são reais porque imaginadas.
Como não vivo de direitos de autor, dei a conhecer esse livro aos amigos, no meu sítio da net. Hoje, podem ler e descarregar o meu "O mastro das alminhas", gratuitamente, no sítio do que julgo ser a primeira editora portuguesa de "e-books", a Sinapses. E há lá outros que valerão bem mais do que o meu.
Tenho dois livros publicados, coisas aparentemente contraditórias, um livro sobre a universidade e um livro de gastronomia. Houve um outro que me saiu do fundo da alma de menino nunca auto-esquecido, as minhas histórias, lembrando-me sempre de que um homem pode ser muita coisa mas são as suas histórias que o fazem e refazem sempre, com os anos, com o mudar das histórias reais porque os anos vão mudando o imaginar das histórias e elas só são reais porque imaginadas.
Como não vivo de direitos de autor, dei a conhecer esse livro aos amigos, no meu sítio da net. Hoje, podem ler e descarregar o meu "O mastro das alminhas", gratuitamente, no sítio do que julgo ser a primeira editora portuguesa de "e-books", a Sinapses. E há lá outros que valerão bem mais do que o meu.
01 maio, 2007
Já nem tudo é uma choldra
Quando se poderia esperar que a nota inaugural fosse coisa séria, fará rir um pouco, mas riso significativamente positivo, a fazer-nos pensar que o nosso hábito, tão frequente, de ainda invocar o Eça (tudo isto continua uma choldra) deve ser moderado.
É verdade que me lembrei disto ao reler um apontamento de há algum tempo e que não dá nenhuma boa ideia da educação superior. É uma notícia da Lusa, de 12.10.2006:
P. S., 2.5.2007 - Nem de propósito. Marçal Grilo escreve hoje no Público um artigo de opinião só disponível online a assinantes), "Apetece-me dizer bem", com a qualidade que é sua imagem de marca. São 31 parágrafos, sempre a começar por "apetece-me dizer bem" e abordando os mais diversos aspectos do Portugal de hoje.
Vale a pena atentar numa espécie de conclusão: "Por tudo isto e por muitas outras coisas que podia igualmente enumerar, apetece-me dizer bem! E isto apesar de eu saber que há corrupção, incompetência, desleixo, falta de planeamento, gente sem qualificações em lugares onde não devia estar e muitos outros "pecados" que nos afectam e nos penalizam. Penso, no entanto, que chegou o tempo de dar esperança às pessoas e de dizer que é "possível" fazer avançar e fazer progredir o país porque os exemplos estão aí a mostrar que tudo é possível desde que nos convençamos de que é preciso estudo e trabalho e fazer muito esforço e por vezes muitos sacrifícios para atingir os objectivos desejados."
É verdade que me lembrei disto ao reler um apontamento de há algum tempo e que não dá nenhuma boa ideia da educação superior. É uma notícia da Lusa, de 12.10.2006:
«A redução do tempo dos cursos do ensino superior devido à sua adequação ao processo de Bolonha poderá pôr em causa a sobrevivência de muitas tunas académicas do país, alertou hoje um membro da Infantuna, de Viseu. João Paulo Sousa, que está responsável pela organização do IV Encontro Nacional de Tunos - a realizar em Viseu, disse à Agência Lusa que este é "um dos problemas mais graves" que vivem actualmente as tunas. "As pessoas vão passar menos tempo nas universidades, há a pressão do mercado de trabalho e aquilo que vão prejudicar são as actividades extracurriculares", lamentou. A proximidade que as tunas têm com o público é considerado um dos principais factores para a grande receptividade que tiveram e ainda têm, bem como o seu tipo de música que, "embora tendencialmente mais elaborada que os congéneres grupos de expressão popular, ainda assim é facilmente perceptível", refere uma nota da organização. "Ainda por cima quando embrulhada com algumas brincadeiras juvenis de cariz cómico, sarcástico e burlesco, provocando serões de descontracção e alegria comummente bem aceites, contactos directos com uma pedinchice inteligente e bem tolerada, ou surpresa de folgazã e romântica serenata a horas e em locais inesperados, normalmente para gáudio de vizinhos e transeuntes e preocupação dos progenitores da(s) visada(s)", acrescenta.»É claro que isto é coisa aberrante na nossa educação superior de hoje. Ela tem muita coisa de má, mas não tanto. E, muito menos nem tanto como, voltando ao Eça, a descrição memorável do conselheiro Acácio.
Escolheu então, «como mais própria para dar ideia da importância do trabalho», a página relativa a Coimbra. Assoou-se, colocou-se no meio da saleta, de pé, com as folhas na mão, e, com uma voz cheia, gestos pausados, leu:Esta nota faz-me pensar numa crítica de um prezado amigo a um diapositivo que uso com frequência nas minhas apresentações:
- «Reclinada molemente na sua verdejante colina, como odalisca em seus aposentos, está a sábia Coimbra, a Lusa Atenas. Beija-lhe os pés. segredando-lhe de amor, o saudoso Mondego. E em seus bosques, no bem conhecido salgueiral, o rouxinol e outras aves canoras soltam. seus melancólicos trilos. Quando vos aproximais pela estrada de Lisboa, onde outrora uma bem organizada mala-posta fazia o serviço que o progresso hoje encarregou à fumegante locomotiva, vêde-la branquejando, coroada do edifício imponente da Universidade, asilo da sabedoria. Lá campeia a torre com o sino, que em sua folgazã linguagem a mocidade estudiosa chama a cabra. Para além logo uma copada árvore vos atrai as vistas: é a celebrada árvore dos Dórias. que dilata seus seculares ramos no jardim de um dos membros desta respeitável família. E avistais logo, sentados nos parapeitos da antiga ponte, em seus inocentes recreios, os briosos moços, esperança da pátria, ou requebrando galanteios com as ternas camponesas que passam reflorindo de mocidade e frescura, ou revolvendo em suas mentes os problemas mais árduos de seus bem elaborados compêndios».
Em Portugal?É verdade em muitos casos, diz o meu amigo, não em muitos outros. O que é necessário é definir uma tendência geral, uma dominante, e é discutível, admito, que ainda seja a que mostro no diapositivo. Aqui fica o que julgo ser um bom tema para discussão.
Os jovens diplomados:
- formação cultural fraca
- dificuldades de elaboração mental e de espírito crítico
- dificuldades de comunicação
- reduzida capacidade de iniciativa e inovação
- falta de ética do estudo e do esforço
- falta de empreendedorismo (objectivo emprego)
P. S., 2.5.2007 - Nem de propósito. Marçal Grilo escreve hoje no Público um artigo de opinião só disponível online a assinantes), "Apetece-me dizer bem", com a qualidade que é sua imagem de marca. São 31 parágrafos, sempre a começar por "apetece-me dizer bem" e abordando os mais diversos aspectos do Portugal de hoje.
Vale a pena atentar numa espécie de conclusão: "Por tudo isto e por muitas outras coisas que podia igualmente enumerar, apetece-me dizer bem! E isto apesar de eu saber que há corrupção, incompetência, desleixo, falta de planeamento, gente sem qualificações em lugares onde não devia estar e muitos outros "pecados" que nos afectam e nos penalizam. Penso, no entanto, que chegou o tempo de dar esperança às pessoas e de dizer que é "possível" fazer avançar e fazer progredir o país porque os exemplos estão aí a mostrar que tudo é possível desde que nos convençamos de que é preciso estudo e trabalho e fazer muito esforço e por vezes muitos sacrifícios para atingir os objectivos desejados."
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