31 janeiro, 2007

Eu e os judeus

Há dias, falei do que julgo ser algum reducionismo de defensismo judeu, num artigo de Esther Mucznik. Hoje vou falar da minha relação especial com o judaísmo, ou melhor, para isto não ter conotação religiosa, com a sociedade judaica. Começo por enquadrar tudo na minha relação habitual de amizade, porque desde já digo que sou amigo dos judeus. Tenho excelentes amigos e já vi que eles se tornam grandes amigos quando, entre outras coisas, compreendem a minha exigência para com os amigos. Aos bons amigos perdoo, mas critico-os lealmente. Se me virem ser condescendente com fraquezas, já sabem que é em relação a pessoas mais ou menos distantes. É esta a minha posição em relação aos judeus e, mais concretamente, Israel.

Tudo começa por eu próprio ter uma longínqua costela judaica. Tive um trisavô sefardita, José Bensabat, que foi de Marrocos estabelecer-se na Terceira, na época da laranja, fazendo negócios de exportação para o norte da Europa. Como morreu muito novo, não deixou na família nada de herança cultural e religiosa hebraica, mas ficou algum sentimento de identidade.

Desde criança, por coisas ensinadas pelo meu pai, outras aprendidas por mim, fui solidificando a minha admiração pelo povo judeu. Foi um povo disperso em diáspora já há 2000 anos, depois de Tito, mas que conseguiu manter secularmente a sua identidade. Impedido de se inserir na base agrícola da economia medieval, descobriu as finanças e antecipou em séculos o capitalismo moderno, goste-se ou não dele. Com isto, cultivou a vida intelectual e basta lembrar, entre centenas, os nomes de Espinosa, Marx e Einstein.

E quem não se solidariza com os oprimidos, a começar pelos portugueses, país da Inquisição? E quem não se verga humildemente, em nome da humanidade, ao visitar Yad Vashem, em Jerusalém (mas também sentir orgulho ao ver a árvore em homenagem a Aristides Sousa Mendes)?

Também a história recente. Quando eu era criança, o meu pai, simpatizante com uma vaga ideia de socialismo, falava-me dos kibutz como exemplo do socialismo. Lembro-me vagamente da resolução da ONU da partilha da Palestina, que o meu pai sempre dizia só ter sido possível pelo apoio forte da URSS. Li depois que, no dia seguinte, foi o novo estado israelita que foi atacado pelos países árabes (embora tirando proveito para escorraçar milhares de palestinianos árabes). Reconheço que, nas guerras seguintes, Israel aproveitou para conquistas territoriais, mas sei que as guerras de 1967 e de 1973 foram provocadas pelos países árabes vizinhos. E já houve alguma guerra em toda a história em que o vencedor não tenha tirado vantagens territoriais?

Se alguém teve paciência para me ler até agora, espero que não me chame um sionista inveterado, por que vou chegar à conclusão. Julgo que, como em relação aos meus amigos, estou na melhor posição para dizer não aos meus amigos judeus.
Não a um estado definido por "raça"/religião em que eu, se lá viver toda a vida, e apesar da tal costela judaica, nunca poderei ser cidadão.

Não a colonatos em zonas que a partilha e resoluções posteriores da ONU atribuíram aos palestinianos.

Não a um muro físico a definir a fronteira.

Não à apropriação de Jerusalém, cidade sagrada de três civilizações, internacionalizada na resolução inicial da ONU.

Não ao terrorismo de estado e aos assassínios dirigidos dos inimigos.

Não à possibilidade de raptar e prender dirigentes de uma entidade política hoje reconhecida, a Autoridade Palestiniana.

Não à destruição de comunidades civis, como recentemente no Líbano.
Etc.

Amigos judeus, acreditem que isto, por muito que discordem, é escrito por um amigo. Um verdadeiro amigo é assim.

2 comentários:

lino disse...

É cá uma mania que eu tenho, nunca deixar de ler um artigo até ao fim. E, a maior parte das vezes, vale a pena. Como, mais uma vez, o João demonstrou cabalmente.

Anónimo disse...

Olá,meu nome joão barros cardoso,vivo em setubal e tenho 37anos,sei que tenho tambem antepassados judaicos,meu avô,já falecido,falava-me que seu bisavô era judeu,nascido em lamego e seu nome era josé pinto cardoso,casádo com uma catolica,minha bisavó.
Eu tal como voçê somos de linhagem judaica,ambos sabemos disso,mas muitos portugueses sem o saber tambem têm uma costela judaica sem o saber.
Nós portugueses tambem somos "filhos" de david,filhos de moises... SHEMA ISRAEL ADONAI ELOHINU ADONAI EZRAD...