20 janeiro, 2007

Ainda o caso do sargento Gomes

Estou perplexo, confuso, talvez devesse deixar assentar a poeira, mas tenho obrigações de rigor intelectual. A comunicação social, com todo o seu poder, fez a história do caso do sargento Gomes e da sua quase filha. História comovente, aqui me manifestei sobre ela. Mas sem qualquer possibilidade de contradição por factos? Talvez não, segundo informação fornecida por quem sabe ler processos, autos e acórdãos, um juiz conselheiro do Supremo. Aqui vai a outra versão.
"O pai biológico da criança tentou desde os 9 meses desta tomar conta dela. Pior: pode ter-se dado o caso de ter sido o sargento quem convenceu a mãe a declarar a criança como filha de pai incógnito para mais facilmente a subtrair ao pai biológico. Nestes casos, há sempre obrigatoriedade de fazer um inquérito judicial. Feito este, e mesmo antes de o pai biológico saber que o era, logo ele declarara - está nos autos - que assumiria integralmente os seus deveres. Isto quando a criança ainda só tinha 9 meses e estava há seis com os pretensos adoptantes, que curiosamente ainda não tinham dado um passo para legalizarem a situação: pedido de adopção. O que só veio a acontecer depois da criança estar perfilhada pelo pai biológico."
A ser assim, há aqui, a meu ver, dois novos factos muito relevantes. Em primeiro lugar, o pai biológico assume a paternidade logo que tem a certeza dela. Não o fez antes? É compreensível, o sentido da paternidade biológica é muito forte e não é fácil, na nossa cultura, aceitar-se que um homem assuma uma paternidade, em circunstâncias porventura duvidosas, sem ter a certeza. Segundo, se foi assim, parece ter havido negligência grave por parte dos "adoptantes". Mas negligência ou ignorância jurídica? Parece que, entretanto, a criança (recorde-se que nessa altura apenas um bebé) já estava perfilhada. Creio ser indiscutível que uma criança perfilhada não pode ser adoptada contra vontade do perfilhador.

Posta assim a dúvida, a minha atitude ainda fica mais difícil. Se foi assim e se a justiça tivesse decidido há quatro anos a favor do pai biológico de um bebé ainda quase inconsciente, seria provavelmente coisa a passar-me ao lado. Agora, é diferente, a miúda tem cinco anos. Parece-me haver um doloroso conflito de direitos. Vou admitir que o pai biológico deseja muito educá-la e amá-la. Mas será a miúda capaz de corresponder a isto, agora que, anos depois, tem outros "pais"? Honestamente, não sei, mas sei que nenhum direito se deve sobrepor ao da criança, decida lá quem souber qual é esse direito. E por isto digo que há uma coisa que eu nunca teria querido ser na vida, juiz. É nisto que insisto, a lei nunca pode ser mais do que um instrumento imperfeito de gestão dos mais inimagináveis conflitos humanos, porque o homem também é "inimaginável".

Outro motivo de reflexão é o do poder da comunicação social. Ele baseia-se muito na capacidade de ir ao encontro da nossa boa fé, coisa tão importante para uma vida intelectual e sentimentalmente bem vivida, se não queremos estar sempre a pensar que afinal vivemos na selva. Se sim, é imperiosa uma discussão muito séria sobre os riscos da boa fé. Mas horroriza-me: vou passar a ter de ser sistematicamente céptico, talvez cínico, aos 62?

Nota: vou seguir este assunto, com atenção, em In Verbis.

4 comentários:

Anónimo disse...

Sim, não sejamos é ingénuos. O "pai biológico teve várias oportunidades de assumir o que tinha de assumir, muito antes de tudo o que aconteceu e foi trágico. O pai biológico dormia com a moça e sabia como tinha relações com ela, mas quando soube que ela estava grávida, rapidamente invocou que ela podia ter dormido com outros e não quis reconhecer nada nem fazer qualquer teste.
Quando a miúda nasceu e a mãe foi pedir ajuda foi corrida de casa do pai biológico pela mãe dele e por ele, igualmente com o argumento do "sei lá se é minha filha...etc."
Só quando foi feita a investigação da paternidade, ele foi obrigado a fazer teste de ADN, e se verificou que era o pai, começou a reivindicar o poder paternal. Nessa altura já a miúda estava há seis meses em casa do pai adoptivo.
O pai adoptivo procedeu como um advogado lhe disse que procedesse: preparou uma declaração da mãe, levou-a a um notário, transformou-a no que pensou ser um documento legal e começou a tomar conta da miúda.

Todos estes factos que aqui estou a revelar, são do domínio público e ocorreram antes do 1º facto da sucessão que transcreve aqui no blog e que presumo ser a que, de forma ardilosa, foi apresentada pelo representante do sindicados dos juizes e magistrados. Mas depois daquilo que o sr. juiz disse, ainda aconteceu que a ordem para entregar a menor foi dada quando ela já tinha dois anos e meio (salvo erro), e foi alvo de recurso pela recusa de ser considerado parte no assunto, apesar de ser a pessoa que criou a criança.
Depois foi-lhe dada a ordem para a entregar e não a entregou. é legítimo?... É legítimo se há um valor que se sobrepõe ao valor do cumprimento dessa ordem.

As coisas também não são só como disse o sr. juiz representante do sindicato, que vem, numa atitude corporativa, defender o colega da acusação pública de ter proferido uma sentença bárbara.

E estou a basear-me no que têm vindo alguns juristas dizer ao público, assustados com a imagem da justiça e dos juizes que tudo isto está a dar.

lino disse...

Pois é.
Li que também houve um especialista que declarou que o "crime" de que o sargento foi acusado devia ter sido "subtracção de menor" e não "sequestro". E que este é punível com 6 anos de prisão, a pena que foi aplicada, enquanto o outro daria só um máximo de 2 anos, que podem ser substitúidos por multa. Parece que o MP também andou mal, digo eu cujo negócio são números e não leis.

Anónimo disse...

O problema é que em Portugal mandam para os tribunais Juizes que são pessoas muito habilitadas intelectualmente, mas sem a experiencia da vida que um cargo desta Natureza exige.

Por outro lado gastam-se fortunas com as assistentes sociais, mas na hora da verdade os Juizes, estão-se nas tintas para os relatórios destas senhoras que andaram no terreno e conhecem os factos e a realidade melhor que os senhores Juizes do alto do seu pedestal.

A justiça Portuguesa, tem de levar um abanão de cima abaixo, para que os cidadãos passem a ser gente e não numeros de processos!

Anónimo disse...

Na msg do seu Blog diz que o pai desde os nove meses da esmeralda tentou sempre ficar com a filha e antes?
A altura de reconhecer a gravidez, a altura do nascimento, a altura das noites mal dormidas, a altura dos biberões e fraldas? Ficou onde? Já sei ficou na parte que essa bebe não é minha. Quer dizer faz-se o filho, mas a altura de assumir responsabilidades só acontece quando um juiz nos obriga a fazer um teste de paternidade, por favor isso é mesmo de pessoas sem valores nenhuns. E se o tal pai biologico ama tanto a filha e quer a filha por amor porque pede uma idiminização ao casal? E uma pensão de alimentos a mãe biologica? (saiu na comunicação social) Isto tudo da sensação que o senhor não quer a filha por amor, mas sim pelo dinheiro que pode conseguir com ela. Uma mera mercadoria...