22 agosto, 2007

Um político pode ser ingénuo?

A intervenção bloguística de Miguel Portas a propósito do caso do milheiral é merecedora de alguma reflexão. Lembremos o essencial. De imediato, MP apoiou a acção como bom exemplo da desobediência civil. Sendo ele dirigente destacado do BE e eurodeputado, só políticos muito medíocres é que não aproveitariam tal presente. A seguir, vem uma semi-retractação, nem peixe nem carne. Depois, uma das coisas mais inconcebivelmente estúpidas que já vi escritas por um político, sinal de desespero.

“Cheguei há mês e meio ao mundo dos blogs. Pessoa amiga avisou-me: neste universo ganha-se em tempo de reacção, o que se perde em serenidade de reflexão. Tem toda a razão. A pulsão para comentar o imediato imediatamente é muito forte e o risco aumenta exponencialmente quando quem comenta ocupa funções de representação de terceiros, como é o caso.”

Patético! Far-me-ia rir se não fosse antes caso para chorar, tratando-se de um destacado dirigente político e eurodeputado. É essa pulsão irresponsável que também o domina na actividade parlamentar? Sim, falo de irresponsabilidade, enquanto que o MP fala de risco. A tendência que temos para adoçar as coisas!

Não é irresponsabilidade usar um instrumento (a blogosfera) que não se domina minimamente? E quem é que garante a MP que é obrigatório um tempo de reacção curto? Mesmo que o seja em alguns casos, há uma regra de ouro: escrever um rascunho, deixar passar umas horas, reler, reflectir, reescrever e depois enviar. Não há nada mais irreversivelmente devastador do que o botão “send”.

Não quero crer que este trabalho elementar de reflexão e de rigor não seja o que MP faz antes de uma intervenção no Parlamento Europeu. Se não, os seus eleitores que pensem bem.

Escreveu também MP:

“Quero destacar o texto do meu amigo Paulo Varela Gomes, de quem costumo concordar e discordar com o vigor que ele sempre coloca nos argumentos. Mandam as regras que um político não exiba “estados de alma”. Eu prefiro outra, bem mais importante, para que o texto do Paulo chama a atenção - sem alma, sem nervo e, principalmente, sem um sentido agudo da injustiça e dos dois pesos e duas medidas que nos governam, um político não serve rigorosamente para mais nada, senão para manter as coisas como estão. Obrigado, portanto.”

É boa prova de que, de facto, MP não conhece a blogosfera. Umas das características deste público é um bom nível intelectual e um grande sentido crítico. Esta tirada demagógica roubou mais uma data de leitores ao Sem Muros, eu incluído.

Em grande parte, o texto anterior é a reprodução de comentários que deixei no blogue de Miguel Portas. Retomo, para lhe dar maior ênfase, uma questão importante, a da ideia do necessário imediatismo de um blogue. Em alguns casos, funciona, mas com base em grandes qualidades pessoais. Estando visceralmente em desacordo com Pacheco Pereira, reconheço-lhe esta qualidade. Outros, muito inteligentemente, como Vital Moreira, publicam umas notas curtas, a levantar bem os problemas mas sem se comprometerem muito e sem abrir portas ao risco da asneira repentista. Infelizmente, a maioria dos blogues políticos é intragável, com entradas à pressão, irreflectidas, muitas vezes a terem depois de serem engolidas com língua de palmo.

Eu não me vou dando mal com a minha lista acumulada de textos, que me vão saindo com gestão cuidada - não digo que certa - dos momentos, da diversidade de temas, do estado de maior calma de quem me lê sobre qualquer assunto. Quantas vezes começo as minhas entradas por "há já algum tempo, escreveu X..."? Muitos dos blogues de que mais gosto também publicam frequentemente textos um pouco "intemporais". Claro que não estou livre do pecado. Neste caso em foco, já escrevi alguns textos sobre os transgénicos. Mas não é coisa que me agrade e dá-me imenso trabalho, porque, como disse, acreditem que isso me obriga a reescritas e reescritas, em tempo curto. E o tempo é bem precioso que eu gosto de saborear com qualidade, sem que seja ele a mandar em mim. Vantagens da reforma.

3 comentários:

PA disse...

Os transgénicos já têm para mim, uma vantagem.
Fiquei hoje a conhecer, o seu blog, que adorei.
Vim por via do Contracapa, que por sua vez, veios por via de João Tunes.

Passou aos meus Favoritos, sem pensar duas vezes.

até à próxima.

GMaciel disse...

E desde quando os políticos são ingénuos???
A eventual "ingenuidade" de MP é pensar que pode convencer-nos da mesma, apresentando esfarrapadas teorias sobre "a pressão do momento", a "inexperiência com o admirável mundo dos blogues", e quejandas tolices.
A arrogância não se manifesta, apenas, pela presunção saloia, também se revela no popularmente chamado, "tiro no pé", como é o caso de MP.
Como sempre, JVC, um texto inteligente que me fez abrir as vias respiratórias, já tão poluídas e entupidas pela fumaça que, uma vez mais, pretende desviar do principal para o acessório: o terrorismo de meia dúzia de cobardes (sim, li os três textos e não podia estar mais de acordo com o epíteto, banalizado ou não)
uma abraço corisco

JVC disse...

"E desde quando os políticos são ingénuos???"

Ó patrício corisco, claro que o título do "post" era ironia! MP, que conheço bem, não tem nada de ingénuo. Aliás, teve uma escola política de jovem (e até para além da juventude) em que se aprendia bem a não se ser ingénuo.

Neste caso, foi pura e simplesmente meter a pata na poça e pior a emenda do que o soneto.