Quem tem uma boa herança de qualidade gastronómica e culinária nunca se atrapalha. Nem é preciso invocar o célebre "desenrascanço" de Pierre Fraisse com o seu lavagante à americana. Quando eu era miúdo, começámos a ir passar férias para uma quinta em que havia umas ervas esquisitas. Dizia o caseiro, meu inesquecível Sr. Manuel, que a Sra. Conceição, sua mulher, tinha ouvido dizer à sua mãe que aquilo se chamava beldroega e que dava uma sopa muito boa.
Portento culinário e inventivo que era a minha avó, sempre curiosa, logo ficou interessada mas não sabia como fazer a sopa. Sabendo que a erva tinha bom aroma, lembrou-se de adaptar o que ela bem conhecia, a sua tradicional sopa de funcho. E aqui fica a sopa de beldroegas como ainda hoje a faço em casa, sabendo-me bem à da casa de S. Rita, na Fajã de Baixo (que pena, hoje quase em ruínas).
1 ramo grande de beldroegas, 4 batatas, 1 cebola, 2 dentes de alho, 1 chispe, 150 g de toucinho, 150 g de linguiça (no continente, um chouriço alentejano), 200 g de feijão branco demolhado, sal, pimenta preta, pimenta da Jamaica (ou cravinho).
Cozer em água sem sal, só a cobrir, o chispe previamente esfregado com sal durante 2 horas, o toucinho e a linguiça. Aproveitar o caldo. Cozer o feijão com a cebola e o alho esmagado, com água a cobrir. Juntar as batatas. Quando as batatas estiverem cozidas, esmagá-las no caldo, mas sem esmagar o feijão. Juntar as beldroegas, acrescentar o caldo das carnes e deixar cozer. Corrigir os temperos. Claro que as carnes não vão para o lixo, mas fica o desafio aos leitores sobre o seu aproveitamento.
E, com isto, parodiando dito célebre, acho que nunca escrevi que "na cozinha nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".
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