21 outubro, 2006

"Wishful thinking"

Manifestei há dias, numa destas notas, a minha surpresa pela forma acrítica com que alguns políticos de esquerda leram as declarações de D. José Policarpo sobre o aborto. Para mim, era evidente que dizer que "o aborto não é uma questão religiosa" era "sound bite" que precisava de muito cuidado de análise.

Preparando desde há dias esta nota, fui recolhendo muitas declarações que demonstram como eu tinha razão. Trabalho escusado, basta uma notícia do Público de ontem, que transcrevo.
O cardeal-patriarca de Lisboa, José Policarpo, esclareceu ontem que nunca fez qualquer apelo à abstenção no referendo sobre o aborto e apelou ao envolvimento de "todos os membros da Igreja e de todos os que defendem a vida" a participar na campanha. "A doutrina da Igreja sobre esta matéria não mudou e nunca mudará. De facto, desde o seu início a Igreja condenou o aborto, porque considera que desde o primeiro momento da concepção existe um ser humano, com toda a sua dignidade, com direito a existir a ser protegido", escreve. No comunicado em que esclarece as recentes declarações que proferiu segundo as quais "a condenação do aborto não é uma questão religiosa mas de ética fundamental", o prelado afirma que se trata, "de facto, de um valor universal: o direito à vida, exigência da moral natural". "Com esta afirmação, não foi minha intenção negar a sua dimensão religiosa", esclarece, frisando a sua posição: "A minha resposta é clara: se não têm coragem de votar "não", que pelo menos se abstenham." Também ontem o Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa emitiu uma nota, na qual apela aos católicos para votarem "não" no referendo e a participarem no debate que agora começa. "Nós, os bispos, não entramos em campanhas de tipo político, mas não podemos deixar de contribuir para o esclarecimento das consciências", explica a nota.
No mesmo número do Público, o articulista manifesta a opinião de que tudo indica que o debate vai ser mais civilizado e tranquilo, com menos "terrorismo intelectual" (expressão minha). "Wishful thinking", novamente? Depois veremos. Como exemplo, aqui deixo uma opinião, de uma mensagem que recebi: "Não me parece linear encarar a gravidez, mesmo nas fases iniciais, como um simples tumor ou papiloma que se extrai por razões estéticas ou mais simplesmente porque 'não dá jeito'." Uma mulher aborta porque não dá jeito ou porque o futuro filho é um sinal que fica mal na cara! Certamente que quem diz isto nunca falou com uma mulher que fez um aborto. Eu sim.

Nota - ainda baseando-me no Público, há uma clínica espanhola estremenha que tem larga procura de mulheres portuguesas, cerca de 4000, em 2005. A maioria pertence a estratos sócio-económicos altos. "Mas o dado mais impressionante é que 62 por cento não estavam a utilizar métodos anticoncepcionais". Palavras para quê? É Portugal, este jardim à beira-mar plantado.

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