O projecto de estatuto de carreira docente dos professores estipula que não podem aceder às classificações de excedente e de muito bom os professores que ultrapassem uma determinada quota. Isto é, independentemente do mérito pessoal, fica-se dependente da distribuição de mérito na escola. Os professores estão contra isto e compreendo-os bem. Há alguns anos, dar-lhes-ia inteira razão, mas isto é um exemplo típico de como atitudes baseadas em valores têm de ser moderadas pelas coisas práticas. Em teoria, as quotas são perversas. Um professor com índice x de mérito pode ser facilmente classificado como tal numa escola com corpo docente mediano, mas já não o será em escolas em que a maioria dos professores esteja próxima desse x. Obviamente, é injusto. O x vale o mesmo ou não de escola para escola?
A entidade para que trabalhei durante três dezenas de anos, entidade exemplar, sempre teve um sistema de promoções "por mérito". Os protestos eram muitos, contra a discricionariedade do sistema. Depois da revolução, reivindicou-se um sistema de concursos a vagas, ao estilo da função pública, coisa que me pareceu aberrante, mas exemplar das contradições do período revolucionário. Os investigadores científicos conseguiram um regime de excepção, com promoções baseadas exclusivamente no mérito. Não me lembro de um único caso que tivesse causado objecções, porque tudo está no rigor dos processos.
Quando fui director de um instituto público, aprendi a moderar os meus princípios, com a prática. Dois meses depois da minha posse, decorreu o processo anual de avaliação de todos os funcionários, na escala 0-10. Os meus directamente dependentes, mesmo com classificações por mim atribuídas de 7 ou 8, protestaram, porque todos os outros levavam 10. Lembro-me bem de um caso, de um director de unidade que me veio pedir a substituição de uma funcionária inconcebível, que lhe perturbava todo o serviço. A minha única resposta foi apresentar-lhe a ficha de classificação, por ele feita, que a classificava com nota 10, máxima. Calou-se.
Imaginemos que não há quotas. Quantos professores, na brandura dos nossos costumes, serão classificados em cada escola como excelentes? Aposto o meu rendimento mensal em que serão todos. Como alterar isto senão por uma reforma das mentalidades? Mas como reformar as mentalidades? Alguém sabe como? D. Pedro na carta de Bruges, Gil Vicente, os estrangeirados, D. Luís da Cunha, Verney, os afrancesados, Passos Manuel, Caraça e Sérgio (tão distantes e tão próximos)? Ou Vasco Pulido Valente, Filomena Mónica e Pacheco Pereira? Ou uma acção concertada de gente lúcida, hoje perdida, cada um escrevendo por seu lado, sem sinergias? Aqui deixo um desafio: quem quer fazer hoje uma nova "Seara Nova XXI"? Não estamos desesperadamente a precisar dela?
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6 comentários:
Aposto o meu rendimento mensal em que serão todos.
Apostaria erradamente.
E digo-lhe porqu~e, usando o exemplo do passado.
No ECD em vigor existe a possibilidade dos docentes terem Muito Bom e terem uma bonificação por isso.
Só que o Min. Educação, tal como agora pretende fazer com certos detalhes da avaliação dos docentes, remeteu a regulamentação de tal atribuição para diploma posterior.
Que nunca produziu.
Ninguém teve, pois, o dito "Muito Bom" e a consequente bonificação.
O que significa que nhum docente nos últimos 8 anos foi muito bom na sua actividade?
Espantam-se agora as almas que quase ninguém tenha tido classificação negativa (na minha actual Escola até houve, mas...)?
Não há uma famosa curva que explica que numa distribuição da frequência de classificações, os níveis mais baixo e mais alto se equivalem?
Mesmo que tenha sido só um professor (o tal da minha Escola) a ter classificação negativa, já excedeu em infinito o zero que o Ministério permitiu de "muito Bons".
Não me leve a mal, mas para a próxima, será melhor apostar o seu dinheiro em algo menos incerto.
;)
"porquê"
"nenhum"
É pressa é inimiga...
"Mas como reformar as mentalidades? Alguém sabe como?"
Também acredito que a manutenção da vida neste planeta passa por uma mudança profunda das mentalidades; as mesmas que estão subjacentes às actuais mudanças no ECD!
Na 2ª linha "podem aceder às classificações de "excedente" e de muito bom" onde está "excedente" não seria "excelente" ? :) :)
Foge a boca para a verdade!... Pois os "excelentes" vão ser "excedentes" visto que o quadro de professor titular vai ser pequeno não havendo vagas para os muitos dos excelentes que se forem produzindo... O objectivo mesmo é reduzir os custos, a despesa pública. O resto são cantigas... o mérito? O que é que isso interessa? O que é preciso é reduzir os gastos.
Na educação superior já acontece isso. Há inúmeros doutorados no politécnico que não passam de equiparado a professor adjunto porque não há vagas no quadro. Têm mérito para ser prof. coordenador mas nem sequer prof. adjunto do quadro conseguem ser. No universitário passa-se o mesmo.
Esta propaganda do mérito esconde o real objectivo de apenas cortar na despesa.
LOL!!! para o comentário anterior. Mas, falando a sério, é bem pertinente.
"Há alguns anos, dar-lhes-ia inteira razão, mas isto é um exemplo típico de como atitudes baseadas em valores têm de ser moderadas pelas coisas práticas."
(P.S.: o sublinhado é meu).
Será que as coisas práticas são destituídas de valores (estéticos, morais, éticos, económicos,...?
Oops! Económicos, sim; pois estamos a construir uma sociedade absolutamente economicista: money talks...!
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