14 outubro, 2006

Ainda estarei cá para ver?

A Coreia do Norte procedeu a um ensaio de deflagração de uma arma nuclear, coisa que certamente toda a gente de bom senso deplora. Mas muito se pode discorrer sobre isto. Entretanto, os anjos da guerra já estão a desembainhar as espadas, o que quer dizer, em muitos casos, as suas canetas de jornalistas. Bush, como era de esperar, já afirmou que não exclui qualquer forma de retaliação, o que já sabemos bem o que quer dizer. Felizmente, neste caso, deve ficar por "sound bite".

Julgo que uma intervenção militar é inimaginável, até porque teria sempre de contar, pelo menos, com a benevolência da China, o que não se vê como possível. E como intervir militarmente num pais com potencial nuclear, com fronteira com a China e a reduzida distância de Seul?

Outra coisa são as sanções políticas e económicas. Parece inegável que a Coreia do Norte está em desagregação económica, que há fome, que tem precisado de um avultado programa de ajuda alimentar e energética. Será que isto dará eficácia às sanções? Duvido. O Iraque sobreviveu a elas durante muitos anos e, caso mais flagrante, Cuba, mesmo depois da falta da ajuda soviética, sobrevive ao rigoroso embargo americano. Em situações em que a opinião pública é controlada, é fácil suscitar atitudes de vitimização contra as sanções e, paradoxalmente, reforçar com isto o apoio ao regime castigado.

No entanto, não é sobre a estratégia militar ou as sanções, neste caso concreto, que quero falar, área em que sou completamente incompetente. Quero começar pelo direito de intervenção. Parece-me evidente que ele é indiscutível, desde que decidido por uma instância internacional respeitada, quando se trata de atentados à paz ou à ordem internacional. Outra coisa é a intervenção para mera substituição de um regime politico. Hoje creio que ninguém tem dúvidas sobre que foi isto que se passou no Iraque. Por isto, por mais que eu, pessoalmente, considere execrável a ditadura monárquica norte-coreana, não é por esta via que a queria ver substituída. Aliás, isto levar-nos-ia longe: têm os EUA em agenda o derrube do também execrável e corrupto regime da Arábia Saudita?

Quanto à Coreia do Norte, parece-me que ainda é cedo para se falar numa ameaça real à paz internacional - embora tendo presente que muitas vezes a diefrença entre virtual e real é subtil. Parece-me que esta iniciativa nuclear é mais uma fuga para a frente, em duas dimensões: internamente, para efeitos propagandísticos, de "orgulho" nacional, factor de sustentação de um regime ditatorial; externamente, um factor de dissuasão por parte de um pais declarado como fazendo parte do "eixo do mal" e que, possivelmente, não tem condições militares e económicas para resistir a uma intervenção militar convencional. No entanto, devo insistir em que, pela minha parte, isto em nada diminui a minha repulsa pela corrida atómica da Coreia do Norte.

Tudo isto também me suscita uma impressão de grande hipocrisia. Afinal, com excepção do Japão, por razões bem conhecidas, todos os outros países que se estão a pronunciar violentamente têm grandes arsenais nucleares. É como um clube muito aristocrático que não aceita qualquer sócio. E a Índia e o Paquistão, países pobres com populações na miséria mas que desenvolveram um arsenal nuclear, tanto mais perigoso quanto estão há muito envolvidos num conflito directo, em Caxemira? E alguém garante que Israel não possua armas nucleares?

Bem sei que isto é utópico, mas julgo que só haverá verdadeira autoridade para proibir e sancionar a aquisição de armamento nuclear quando houver a destruição total das armas nucleares, em todos os países do mundo. Sonho com isto. Nesse dia, se cá estivesse, sentiria muito mais orgulho de ser homem.

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