Creio que ninguém contesta que, em menos de uma geração e falando só depois do 25 de Abril, Portugal mudou profundamente. Novas empresas competitivas e baseadas na inovação, rede viária notável, novos hospitais, cobertura escolar, educação infantil, desenvolvimento exponencial da investigação científica, tanto mais, sem a preocupação de ordenar ou completar esta lista.
Mas isto significa que os portugueses mudaram? A resposta parece linear, se Portugal mudou é porque os portugueses mudaram. No entanto, a pergunta encerra um aspecto essencial que pode não se reflectir na mudança económica. Mudaram as mentalidades? Um queiroziano inveterado dirá que não. Veja-se a galeria dos personagens magnífica e tristemente típicos da "corja": Abranhos, Acácio, Gouvarinho, Dâmaso, Palma, até o próprio Fradique, um nefelibata diletante. Não estão todos por aí?
No entanto, devemos moderar a nossa tendência masoquista. No passado dia 21, o Público deu destaque a um inquérito sobre questões ditas fracturantes, que revelam bem a evolução da mentalidade.
Todas as seguintes perguntas tiveram resposta maioritariamente favorável: Educação sexual na escola? Legalização da eutanásia, a pedido do doente? Legalização da prostituição? Ordenação de mulheres pela Igreja Católica? Utilização de embriões para investigação em células estaminais? Quotas para mulheres em cargos políticos electivos? A maioria também recusa a pena de morte para homicidas. Tiveram resposta negativa as perguntas: Legalização do consumo de drogas leves? Adopção de crianças por homossexuais?
Parece-me que, em geral, estas respostas revelam uma alteração de atitudes inimaginável há trinta anos. No entanto, haja cautela. Uns dias depois, no mesmo jornal, um artigo interessante de Pedro Magalhães mostra que inquéritos que apelam a opiniões são pouco fiáveis e por vezes até com resultados contraditórios, contra o que acontece com as sondagens sobre decisões, como as eleitorais.
Repare-se também que este inquérito do Público versa principalmente o domínio dos valores morais e dos costumes. No entanto, a ética é muito mais ampla. Para me convencer da mudança de mentalidade dos portugueses, gostava de ver os resultados de um inquérito que incluísse, por exemplo, as seguintes perguntas:
- Um estudante apanhado a usar cábulas num exame deve ser expulso da universidade?
- É aceitável o "dinheiro para a cervejinha", na repartição pública?
- Fugir aos impostos é sinal de esperteza?
- Exige sempre factura com IVA?
- Já alguma vez reclamou, como consumidor?
- A auto-exigência no trabalho é um fardo ou um dever ético?
- Já alguma vez foi a uma assembleia de freguesia?
- Vai às reuniões de pais da escola dos seus filhos?
- Conhece o programa do partido em que vota?
- Tem algumas plantas em casa, nem que seja num vaso?
- Sabe de cor a letra do hino nacional?
- Já alguma vez "meteu uma cunha"?
- Etc., etc.
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1 comentário:
pj, forma indirecta e adaptável a quem vive em apartamentos de testar o gosto pela natureza, que também faz parte da cultura.
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