A autocensura é pior do que a censura, porque sacrifica voluntariamente a liberdade. Isto quer dizer que temos de defender Salman Rushdie e os cartoonistas dinamarqueses e os amigos do Idomeneo, independentemente de gostarmos ou não deles. Se alguém não gostar deles tem à sua disposição todos os instrumentos do debate público e do discurso crítico próprios de uma comunidade inspirada pelas Luzes. Também é verdade que não somos obrigados a comprar este ou aquele livro ou a ouvir esta ou aquela ópera. Em que mundo triste viveríamos se tudo o que pode ofender um determinado grupo não pudesse ser dito. Uma sociedade multicultural que aceitasse cada um dos tabus dos seus diversos grupos não teria nada para dizer.
O tipo de reacções a que temos assistido recentemente perante pontos de vista que são ofensivos para alguns não anunciam nada de bom para o futuro da liberdade. É como se uma nova vaga de contra-iluminismo estivesse a varrer o Mundo com as opiniões mais restritivas a tornarem-se dominantes. Devemos reafirmar de forma veemente as nossas opiniões esclarecidas contra estas reacções. Defender o direito de todos a dizer o que pensam, mesmo que detestemos o que digam, é um dos primeiros princípios da liberdade. Por isso, Idomeneo deve ser representado e Salman Rushdie deve ser publicado. O direito de um editor a publicar cartoons ofensivos para os crentes de Maomé (ou de Cristo, tanto faz) depende apenas da sua avaliação, quase do seu gosto. Eu posso não o fazer, mas defenderei sempre o direito de alguém decidir de outra maneira. É discutível se incidentes recentes como estes exigem um "diálogo entre religiões". O debate público que permite clarificar cada caso num sentido ou noutro parece mais apropriado do que a conciliação. Os ganhos do discurso iluminista são demasiado preciosos para serem transformados em valores negociáveis. Defender estes ganhos é a tarefa que hoje enfrentamos.
22 outubro, 2006
"O contra-iluminismo de hoje"
Por respeito para com os direitos do jornal, não transcrevo na íntegra o notável artigo de Ralf Dahrendorf no público de hoje. Mas, ao menos, os parágrafos finais.
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