28 março, 2007

Ganhou Salazar

Ganhou as "eleições", coisa que ele tanto abominava, que ironia! Eu não estava com pachorra para comentar tal parvoíce televisiva, mas surpreendo-me com o destaque que está a ter, nomeadamente no Público de ontem. É um concurso televisivo a que dou tanta importância como àqueles em que foram vencedores um ignoto José Maria que gosta de galinhas e um Castelo Branco que gosta sei lá de quê.

O que me interessa é que, em sondagens cientificamente válidas, o "botas" ficou muito para trás e, muito mais importante, que, em eleições, a extrema direita seja insignificante. Quando muito, poderia dizer é que o português de hoje, rejeitando os extremos anti-democráticos, também não culpabiliza devidamente o salazarismo e já o aceita como um acidente de percurso. A memória é curta e, politicamente, as pessoas querem viver é o dia-a-dia, sem pensar muito no futuro, muito menos no passado. O sistema educativo também não ajuda.

Estou convencido de que a "vitória" se deve a uma máquina bem montada, à mobilização dos telefonemas. Mas sejamos justos e rigorosos. A que se deve o segundo lugar de Cunhal? No entanto, se Cunhal tivesse ganho, eu teria exactamente a mesma reacção que tenho perante a "vitória" de Salazar: Cunhal mais importante na nossa história do que Camões ou D. Afonso Henriques? Mais conhecido no mundo do que os dois únicos portugueses daquela lista que fazem parte dos compêndios de história, "Prince Henry the navigator" (ele que só pôs os pés num convés para ir tomar Ceuta!) e Vasco "de" Gama (sem falar de um outro imenso português, que não figurou na lista, Magalhães/Magellan)? Para mim, ganhar Cunhal teria sido igualmente escandaloso.

Umas notas à margem. Primeiro, um elogio a um homem que, obviamente, não é nada das minhas simpatias, Paulo Portas. Talvez influenciado pela nossa admiração comum pelo príncipe perfeito, achei a sua argumentação muito bem articulada. Segundo, patético, Odete Santos aos gritos a invocar a constituição, coisa demasiadamente respeitável para ser chamada àquele palco. Essa senhora já não se usa, já é questão de bom senso e bom gosto o PCP evitar essa identidade mediática.

Finalmente, a coisa mais importante de todo este concurso televisivo. Milhões de portugueses passaram a conhecer um grande Homem, um Justo, que talvez só poucos milhares conhecessem antes: Aristides de Sousa Mendes, o homem do maior nível da coragem, que é da coragem que temos de ter sozinhos, sem publicidade, sem apoio de outros, sem exércitos, sem partidos, sem aparelhos de poder.

2 comentários:

Unknown disse...

E, dentro da mesma linha, o súbito protagonismo de Aristides Sousa Mendes deve-se a quê?...

Não creio que seja a uma noção clara, do povo português, das suas qualidades.

Unknown disse...

Eu tenho sempre de reparar naquilo que ninguém repara, e, neste caso, vem o comentário a propósito da defesa de Paulo Portas da figura de D. João II. Foi uma das apresentações que tive ocasião de ver, prendendo-me a atenção o facto de que uma das pretensas imagens do Príncipe Perfeito era um quadro que representa o casamento de D. Manuel com Dª Leonor.
É apenas um exemplo das muitas lições mal estudadas do concurso (a de Ana Gomes sobre Vasco da Gama era bastante pior).