28 outubro, 2008

Escola e laicidade


Na escola pública que o meu filho mais novo frequenta e que o mais velho também frequentou, situada no centro da cidade do Porto, existem crucifixos em todas as salas de aula. Nas duas extremidades do corredor principal pode ver-se uma figura da Nossa Senhora de Fátima e numa delas uma fotografia dos videntes Francisco e Jacinta Marto. No decurso do mês de Maio um conjunto de senhoras idosas desloca-se à escola para rezar diariamente o terço. Aparentemente trata-se de uma tradição com muitos anos. Em 2004, sem que os pais tivessem previamente conhecimento, realizou-se uma missa no recinto da escola por ocasião da reforma de duas funcionárias muito devotas. Eu e a minha mulher contactámos a responsável da escola, depois da realização da missa, demonstrando-lhe o nosso desagrado pelo facto de o nosso filho ter participado numa cerimónia religiosa dentro de uma escola pública e de os crucifixos continuarem expostos, mesmo sabendo que isso constituía uma violação da lei, incluindo a Constituição da República. Desde essa altura nada mudou.

Alguns afirmam, hipocritamente, que o Estado é laico mas não a sociedade. Esquecem-se de que a separação das igrejas e do Estado é uma conquista civilizacional cujos alicerces são o sangue de gerações e de séculos de lutas e combates. A união entre o Estado e as religiões degrada o Estado e degrada as religiões. 

2 comentários:

Pacheco-Torgal disse...

Opiniões.

Eu tenho a minha e você terá a sua.

A corrupção também é um crime punido por lei e não é por isso que não se pratica.

O mesmo sucede com o código da Estrada, que a grande maioria da população parece não respeitar.

Por acaso nunca excedeu o limite de velocidade ? Não devia a lei não o permite. E se o fez devia ter-se entregue na esquadra mais própria, "sr. guarda passe-me uma multa porque eu infringi o código da estrada, sou um prevaricador".

Não estava á espera que num país de matriz essencialmente católica, o Estado (apesar de "laico") cortasse rente qualquer ligação á religião ? Ou estava ?
Se estava, enganou-se no país.

Não me diga que o seu filho ficou traumatizado para o resto da vida com a experiência ? Acredito que o propósito não tenha sido o de lhe fazerem uma lavagem cerebral.

Pode sempre transferi-lo para uma escola privada, onde tenham um entendimento fundamentalista da separação entre escola e religião.

Anónimo disse...

O Fernando parece defender que pelo simples facto de existirem leis e de estas não serem cumpridas por todos nos dá o direito de as violarmos em função dos nossos interesses pessoais. Se defendêssemos este ponto de vista as leis deixariam pura e simplesmente de funcionar como reguladores da vida social. Aceitaríamos as que fossem do nosso interesse e rejeitaríamos as restantes. Um interessante ponto de vista a roçar o anarquismo mas que conduziria rapidamente ao caos.

“Não me diga que o seu filho ficou traumatizado para o resto da vida com a experiência? Acredito que o propósito não tenha sido o de lhe fazerem uma lavagem cerebral. Pode sempre transferi-lo para uma escola privada, onde tenham um entendimento fundamentalista da separação entre escola e religião.”

Entendo que o fenómeno religioso é extremamente importante para muitas pessoas e que uma escola pública, num estado laico como o nosso, deve abordar esta questão ao nível curricular. Por isso vejo com bons olhos que todos os alunos, desde o 1º ciclo, estudem as religiões e os fenómenos religiosos, incluindo a posição de pontos de vista agnósticos e ateus.
Outra coisa completamente diferente é fazer entrar pela janela aquilo que a Constituição da República Portuguesa (CRP) fez com que ficasse à porta por motivos com os quais me identifico. Assegurar que o Estado é laico permite que todas as religiões sejam colocadas em plano de igualdade e que se evitem fenómenos de endoutrinação religiosa, uns mais subtis outros mais explícitos, como aqueles que descrevi.
Quando sugere que eu coloque o meu filho numa escola privada julgo que está a errar o alvo. Esse convite deve ser dirigido aos pais de crianças que querem que os seus filhos tenham uma educação religiosa. Recordo-lhe o que está estipulado na CRP:

Artigo 43.º
(Liberdade de aprender e ensinar)

1. É garantida a liberdade de aprender e ensinar.

2. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.

3. O ensino público não será confessional.

4. É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas.