25 outubro, 2008

Cartas anónimas

A crónica semanal de hoje do provedor do DN, Mário Bettencourt Resendes, aborda os problemas deontológicos da atitude dos jornais em relação a cartas anónimas. Assunto importante, mas certamente menos do que a importância a dar às denúncias anónimas com implicação criminal. Devem ser postas no caixote do lixo? Mas não terão às vezes substância, sendo o anonimato justificável por defesa?

Falo em causa própria. Era eu director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e recebi uma delegação da Inspecção Geral de Finanças, para uma auditoria. Considerei isto como uma rotina num Estado que deve aos contribuintes a fiscalização, aleatória, do uso dos dinheiros públicos pelas instituições.  Penso ter dado aos auditores todas as condições de trabalho. No fim, o seu relatório foi muito favorável, sem qualquer acusação relevante de responsabilidades minhas, excepto algumas pequenas irregularidades administrativas de que nenhum dirigente se escapa, se aconselhado por dirigentes medianos da função pública.

Afinal, só nesse último momento é que soube que toda a auditoria tinha sido pedida pelo PGR, Cunha Rodrigues, com base numa denúncia anónima, sobre sacos azuis e outras fantasias. Esse senhor, pelos vistos, não tinha cesto do lixo.

Ficou-me deste episódio também a impressão de que muitas vezes as coisas não são tão anónimas como parecem. Analisando a informação que está por detrás da denúncia, pode-se chegar a uma quase certa identificação do denunciante. Neste caso, nunca disse a ninguém qual era o meu palpite/certeza, e até aproveito agora para dizer a muitos que julgo que estão enganados quando pensam na mais evidente pessoa minha inimiga.

Disse que me acusaram de pequenas irregularidades administrativas. Isto leva-me a outra questão, a da responsabilidade de dirigentes de organismos muito especializados em que o director, como eu, é um cientista ou um técnico sem conhecimento da legislação. Está totalmente dependente dos quadros da administração pública, muitas vezes incompetentes. No entanto, é ele que assume a responsabilidade civil extra-contratual e tem de pagar ao Estado, do seu bolso, tudo o que de irregular tenha sido gasto pelo organismo que dirige. Quem é que quer ser dirigente e pôr o espírito de missão à frente da simples segurança do seu conforto financeiro pessoal e familiar? Resultado, a actividade pública, a política, é uma rotina medíocre, defensista, sem risco, sem grandeza.

2 comentários:

Anónimo disse...

Esta foi uma questão levantada pelo Presidente Cavaco Silva quando apreciou e vetou o diploma do regime da responsabilidade civil do Estado.

Pacheco-Torgal disse...

é preciso levar em conta o que é que significam
"pequenas irregularidades administrativas",
pelo que na falta de outros pormenores resta-nos fazer fé nas declarações do principal interessado

embora nada tenha a ver com este caso, eu conheço casos de denúncias graves que foram depois prosaicamente tratadas por "pequenas" irregularidades somente para abafar o caso