06 março, 2008

A corda na garganta

Quatro universidades, Açores, Évora, Algarve e Trás-os-Montes, estão nas mãos do MCTES, a impor-lhes contratos de saneamento financeiro, apertando-lhes a corda na garganta. Inevitavelmente, despedimento de convidados, congelamento de recrutamentos. Por exemplo, “para atingir a meta de ter 70 por cento do orçamento para pagar salários, a Universidade de Évora terá de dispensar cerca de 200 professores em três anos. Ou seja, 66 docentes por ano” (Público, 5.3.2008). Eu fui professor convidado e sei que, pelo execrando ECDU, essa situação era a única forma de ser útil à universidade (no meu caso, até em dedicação exclusiva, mas só porque não tinha cinco anos de docência - e, afinal, só em horas gratuitas de colaboração docente com universidades, como investigador e ao longo de 30 anos, tinha certamente mais). Por isto, não estou em condições de discutir a situação dos convidados, que deve ser muito diversa. Admito, no entanto, que em muitos casos são dispensáveis. Conheço um caso em que muitos já não dão nem uma aula, em cursos já extintos, mas que mantêm os contratos por influências sociais e políticas.

Mais, congelamento de concursos, injustiça máxima. Como escreve o Público (5.3.2008), “o número de concursos que permitem aos professores subir na carreira académica desceu praticamente para metade, de 2006 para 2007, de 410 para 254, respectivamente. As progressões nos escalões estão congeladas desde 2005, assim como 35 por cento das vagas nos quadros estão por preencher, refere Mário Carvalho, dirigente da Fenprof”. Neste sentido, este apontamento vai muito a pensar no meu amigo MM, mas afinal um entre muitos, um homem já cinquentão, de belíssimo currículo, ganhador de projectos internacionais, convidado por tudo o que é gente importante na sua área por este mundo fora e ainda professor auxiliar. Uma vergonha. Se eu fosse ministro, não conseguiria dormir tranquilamente sabendo de situações como esta.

Afinal, juntamente com o congelamento das sabáticas (ridículo pela sua pequena importância económica mas significativo pela sua grande importância em termos de política universitária) o que vai pesar mais neste esquema é o fim da regra do ECDU que garante a contratação como professor auxiliar de todos os assistentes que se doutorem. Pode-se pensar que é coisa em vias de extinção. Em muitas escolas, certamente, mas no conjunto ainda andarão por cerca de 30% de todo o corpo docente. Este é um assunto em que tenho “mixed feelings”.

Concordo com o fim de uma coisa destas que considero absurda, mas justifico-me em termos estritamente qualitativos. Tipicamente, e como caso exemplar de endogamia, o professor contrata como assistente um jovem simpático, submisso, que lhe faz os fretes, leva-o mal ou bem a doutoramento, ele fica logo auxiliar, ao fim de cinco anos quase invariavelmente tem a nomeação definitiva, até se pode reformar, muitos anos depois e sem um único trabalho publicado, como professor auxiliar, com uma reforma que até nem é nada má.

O que me repugna é que, na actual política do MCTES, tudo me leva a suspeitar de que não estas as “razões virtuosas”, antes pura e simplesmente as razões orçamentais.

Nota - Falei de endogamia e vou deixar uma provocação. Hoje é certamente um termo horroroso, em política universitária. Mas nem sempre foi assim. Por exemplo, a típica universidade humboldtiana funcionou muito com base na endogamia, nas escolas que perpetuavam, em gerações de discípulos, a lição do fundador. Mesmo entre nós, temos bons exemplos. Estou a pensar principalmente na medicina, em “escolas” como a de Reinaldo dos Santos, do seu filho João Cid e dos seus discípulos. Ou no grande grupo satélite de Pulido Valente, que também passava por heranças de família. O que quero dizer com tudo isto é que a política universitária é demasiadamente rica e complexa para permitir discussões esquemáticas sobre frases feitas.

5 comentários:

Anónimo disse...

O congelamento de progressões é uma vergonha de todo o tamanho. Actualmente, as escolas argumentam que durante estes dois anos de congelamento, também o tempo de serviço não contou. Escandaloso!

Conheço casos de "progressão por mérito" (mestrados e doutoramentos) que também não evoluiram na carreira devido às "interpretações" caseiras do congelamento.

Acho que a luta cega contra a "endogamia" pode em certos casos ser mais prejudicial do que benéfica.

homoclinica disse...

Só dois comentários:
- No politécnico não há essa passagem automática à categoria seguinte, só por ter o doutoramento. Conheço muita gente que concluiu o doutoramento e continua a ser assistente ou prof. adjunto, porque só quando houver vaga no quadro (e nunca há) e se realizar um concurso público aberto a todos os candidatos de todas escolas universitárias ou politécnicas é que pode concorrer e eventualmente passar. Neste momento, com o excesso de docentes que há, um jovem doutorado não tem a mínima hipótese. Aparece logo um prof. catedrático com um currículo invejável e que quer sair da escola da província onde está.
- Outra questão é essa dum professor auxiliar ter também quase automática a sua nomeação definitiva e poder continuar sem publicar nada desde o doutoramento. Na escola que conheço melhor, o IST, está muitíssimo longe de ser assim. Já foi recusada a nomeação definitiva a várias pessoas, apesar de terem alguma coisa, mas pouca, publicada.

Anónimo disse...

Caro JVC

Sem estar aqui a fazer de defensor do Ministro, pois concordo com as apreciações que o JVC tem feito acerca da respectiva accão governativa, não posso passar sem deixar aqui duas notas:

1ª Em grande parte, a responsabilidade pela situação que atravessa hoje em dia a UE tem de ser assacada à própria instituição, em resultado das políticas exageradamente expansionista seguidas durante os anos 90, quando já era de prever a quebra de alunos que veio a ocorrer anos mais tarde.
2ª O seu amigo e meu ex-professor MM, não é hoje pelo menos professor associado, não por culpa do ministro, mas sim por culpa do esquema habitual "os díscipulos e os amigos primeiro".

Caso não publique este comentário eu compreendo perfeitamente.
A razão de meu anonimato é por demais evidente.

Cumprimentos

JVC disse...

Porque é que poderia não querer publicar o comentário anterior?

Anónimo disse...

Caro JVC

Apenas disse "Caso não publique este comentário eu compreendo perfeitamente" porque o bolgue é seu, e só publica os comentários que bem entender.
Não havia aqui mais nenhuma razão, pois aquilo que eu disse, tem sido referido por si e por outros comentadores da casa, para muitas outras situações semelhantes.

Um abraço

E desculpe o anonimato