26 março, 2008

Bolonha à portuguesa

Quem tem tido a paciência de ouvir as minhas repetitivas apresentações sobre Bolonha sabe bem que termino sempre com alguns “slides” sobre Bolonha à portuguesa. Parodiando o meu amigo Pepe Ginés-Mora, porque somos todos semelhantemente ibéricos, é hambúrguer rafeiro com molho de tomate à bolonhesa.

Há dias, o Público trazia um artigo contraditório. “Nove em cada dez cursos do ensino superior estão adaptados ao Processo de Bolonha, ou seja, deixaram de ter quatro ou cinco anos de duração. Alguns foram divididos em dois ciclos de ensino - a licenciatura com três a quatro anos e o mestrado com um ano e meio a dois anos de estudos . No total dos 2837 cursos em funcionamento, 2502 já procederam às mudanças, o que equivale a 88 por cento. Destes, 94 são cursos integrados, ou seja, os alunos têm de fazer os dois ciclos, por exemplo, Medicina ou Arquitectura.”

Começo por aqui. É claro que não temos 94 cursos de medicina ou de arquitectura, mesmo juntando-se, por essa norma, veterinária e farmácia. É logo um primeiro desvio de Bolonha, a fartura de cursos de engenharia em ciclo integrado.

Interessante nesse artigo, pela relativa novidade em termos de comunicação social, é a dúvida: mas isto será tudo Bolonha? Claro que não é, é uma mistificação para as estatísticas oficiais. E, neste artigo do jornal, vêm testemunhos de professores conscientes que dizem que “o rei vai nu”, que isto não é Bolonha, é uma contrafacção de marca, à cigano da feira de Carcavelos.

Servindo-me dos tais “slides”, e tentando ser muito sintético, lembro que o paradigma de Bolonha é formação de banda larga; especialização a segundo nível, de mestrado; subalternização da aquisição de informação perecível em relação à aquisição de competências transversais; formação cultural; responsabilidade social.

Que as competências transversais são, principalmente, a capacidade de inovação e adaptação, a mentalidade de rigor e crítica, a capacidade de raciocínio, o aprender a aprender, o domínio das TI, a capacidade comunicacional, a responsabilidade social.

E muito falta dizer, sobre a consequente nova pedagogia, em que, frase de que gosto, "o estudante deixa de ser o sujeito passivo do ensino, passa a sujeito activo da aprendizagem". Ficam só perguntas, sobre os cursos já “bolonheses”, para serem respondidas honestamente pelos meus colegas. Onde está o esforço pessoal orientado? Onde estão as tutorias? Onde se faz “problem based learning” (PBL) ou ensino por projectos? Onde há bibliotecas com livros e revistas suficientes para todos os alunos trabalharem simultaneamente? Onde é que há turmas/grupos de discussão de 10-15 alunos? E o “e-learning”?

Bolonha podia ser muito importante, uma revolução na educação superior europeia. Começo a ter dúvidas de que o seja, pelo menos em Portugal.

3 comentários:

Anónimo disse...

E não esquecer o "empreendedorismo" de certos mestrados bolonheses, em áreas de banda "larguíssima", como a dos campos de golfe. Enfim, não há como as interpretações particulares!

Anónimo disse...

"Bolonha podia ser muito importante, uma revolução na educação superior europeia. Começo a ter dúvidas de que o seja, pelo menos em Portugal."

No que respeito a Portugal, e tendo em conta a faculdade onde lecciono, que não representa o ensino superior em Portugal, não tenho dúvidas em acreditar que o Processo de Bolonha é um monumental embuste. Confesso que acreditei na possibilidade de mudança do ensino superior. Hoje simplesmente não consigo. E gostava de acreditar.

Dcaeiro disse...

Um dia destes tem que vir conhecer a Universidade Aberta. Pode ter a certeza que aqui, Bolonha, implicou mudança. E o e-Learning é uma realidade (aliás, hoje o EaD só faz sentido em e-Learning).