28 março, 2008

Nota gastronómica (LIII)

Tapioca, sagu, pérola

Adrià, entre muitas outras coisas, introduziu-nos no hábito das espumas e do sifão, esquecido já depois da época da soda water, e de que falarei um dia destes. Agora criou moda, merecida, com a sua imaginativa e versátil técnica da esferificação. Essencialmente, tudo o que imaginarmos, carnes, peixes, legumes, liquefeitos, pode ser convertido em pequenas esferas, tipo caviar. Claro que a variedade de sabores e de cores é imensa.
Nem parece muito difícil. É acessível a um bom cozinheiro, desde que obtenha o ingrediente essencial, uma espécie de gel extraído de algas, o alginato. Tudo bem misturado a quente com o que se quer comer, combinado com um sal de cálcio, refrigerado e adicionado com aparelho próprio ou até com uma seringa a um óleo, formam-se esferas que contêm qualquer líquido ou pasta que se queira e que depois nos rebentam de sabor, ao trincá-las. Nem é novidade o uso do alginato, já clássico para a indústria dos sumos de fruta e dos sorvetes, para aumentar a espessura, bem como em alguma pastelaria de pudins e coberturas de bolos. Até a indústria cervejeira o usa, para estabilizar a espuma. E até já há quem o consiga com o vulgar agar (vídeo referido no blogue "O avental do gourmet"). Não posso é dizer mais nada, porque precisarei de experimentar a técnica, concentrações, temperaturas, tempos, a final o essencial em qualquer técnica de cozinha.

Isto fez-me lembrar uma outra forma de esferificação que uso, mais limitada mas mesmo assim versátil, usando um produto natural, coisa corrente em casa dos meus pais. Canja e caldo de carne eram muitas vezes clarificados, em bom consomê e acrescentados de massa pérola. Não dava muito sabor, mas o efeito visual era magnífico. Foi coisa que praticamente desapareceu, a massa pérola, nem nos Açores já há, mas compra-se aqui em algumas lojas dietéticas como sagu (não confundir com um prato de vegetais indianos e coco ralado, com o mesmo nome) ou tapioca.

Não são exactamente a mesma coisa, mas na prática são quase equivalentes. Em ambos os casos, são pequenas esferas, brancas e opacas, de uma massa dura. São ambos produtos secos e comprimidos de amido, o sagu proveniente de uma palmeira do sueste asiático, a “sago palm”, no segundo caso a tapioca da mandioca. Julgo que hoje praticamente só se vende a massa de tapioca. A característica comum é a de, cozidas as pérolas, ficarem inchadas e transparentes, absorvendo o líquido em que ferveram. Em casa dos meus pais, era o próprio consomê, mas pode haver variantes bem mais imaginativas.

Essencial é que as esferas demolhem pelo menos meia hora, de preferência em líquido morno. Pode ser simplesmente em água, mas pode-se ir logo dando um toque de sabor e cor usando outras coisas mesmo nesta primeira fase. Depois, cozer no que se quer, pelo menos meia hora, mas o critério absoluto é que as esferas fiquem inchadas e completamente transparentes. Às vezes, pode ser preciso mais do que a tal meia hora.

Versão simples, como disse, só decorativa, cozer no caldo, o meu hábito de menino. Mas há tudo a imaginar. Contrastar cor e sabor? Inchar e cozer em compota diluída em água ou, mais intenso, num achar ou em compota de malagueta. Contrastar cor mas sem doce? Verde com um caldo muito concentrado de espinafres, roxo com couve roxa ou beterraba, vermelho com tomate, tudo bastante concentrado. Contrastar só sabor? Um consomê de galinha com pérolas cozidas em caldo de marisco muito concentrado. Ou então, já agora, um consomê de galinha com ovas de salmão. Aves e marisco, coisa estranha? Ainda hei-de escrever mais sobre isto.

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