Na minha ausência temporariamente forçada desta escrita muita coisa se foi acumulando a justificar comentário ou apontamento. Não sei por onde começar, mas suscita-me particular interesse o estudo do MCTES sobre a empregabilidade da educação superior. É tema que se relaciona com um interesse meu muito caro, o da educação liberal.
Não vou analisar no concreto, caso a caso, as conclusões do estudo. Prefiro chamar a atenção para alguns aspectos gerais e até de método. Começo logo pelo único critério de análise, a inscrição em centros de emprego (CE). Admito que fosse difícil usar outros, na falta de um observatório que já propus num livro que começa a ficar velhinho em idade de registo civil mas infelizmente não em idade real, em muitos casos.
Mesmo este critério não é tratado exaustivamente e deixa interrogações. Quanto tempo ficam esses licenciados inscritos nos CE, em comparação com outros trabalhadores? Que possibilidades de emprego aceitaram ou recusaram, entretanto? Qual a sua área de residência, mais determinante do que a localização do estabelecimento em que tiraram o curso?
Mais importante: quantos licenciados se movem no mercado de trabalho, em ciclos de emprego-desemprego, sem passarem pelos CE? E muito bem, porque possivelmente serão os mais dinâmicos, os mais dotados de iniciativa. Com isto, relaciono ainda outra pergunta, admitindo que não sei como funcionam os CE: o desempregado inscreve-se para um emprego específico, relacionado com a sua habilitação, ou para qualquer emprego?
Esta é a questão essencial. O vício enorme da especialização da nossa educação superior, agravado com a deriva profissionalizante da educação universitária, introduziu um enorme factor de rigidez na regulação do sistema. O pior é que se tiraram as piores conclusões, numa perspectiva estreitamente utilitarista que está a ameaçar de morte a educação superior, até em contradição com o processo que a podia vitalizar, Bolonha.
Os quatro da Sorbonne (ou melhor, os três, descontando o inglês) não perceberam que o modelo anglo-saxónico de um primeiro ciclo curto nunca serviu para formar profissionais. Estes, ou eram formados a um nível de “know how” básico em ensino pós-secundário sem grau ou então a níveis seguintes de educação universitária. A declaração de Bolonha estabelece o primeiro ciclo como relevante para o emprego, mas já depois, com destaque para a declaração de Londres, se fala é de empregabilidade.
Isto quer dizer, por exemplo, que prefiro ouvir no noticiário ou ler no jornal um bom licenciado em português, história ou economia, culto e de cabeça aberta, do que um licenciado em comunicação social que escreve “á” em vez de “há” ou que escreve que Mário Soares foi exilado para S. Tomé em 1947 (isto para referir um caso real e recente). Indo mais longe, que prefiro ser atendido por um funcionário bancário que cultivou a mente aprendendo grego clássico na universidade do que por um colega que se ficou pelo secundário. Esta do grego vem a propósito de uma "blague" que cito sempre: a maior concentração geográfica de falantes de grego clássico é a City de Londres.
Como julgo já ter demonstrado, a empregabilidade na educação superior é difusa e não faz sentido qualquer política maltusiana baseada em critérios estreitamente quantitativos. Quando o MCTES fala na supressão do financiamento de cursos com poucos alunos, quando põe isto à cabeça da discussão do saneamento financeiro de algumas universidades, está pura e simplesmente a fazer política universitária de merceeiro (com o meu pedido de desculpas a muitos merceeiros que talvez tenham mentalidade mais larga). Isto faz-me lembrar a anedota conhecida de um analista económico que protestava, depois de um concerto, contra o desperdício de o compositor só ter usado os trompistas durante dois minutos.
Deixo ainda outra provocação, admitindo que é politicamente incorrecta. Não será que se tem de aceitar mesmo algum desemprego ou “dis-emprego” de licenciados? A evolução económica, social e tecnológica, tem uma velocidade muito superior à da adaptação da educação superior. Quando surge uma necessidade social, é então que se vai preenchê-la a nível educativo? Ou não será necessário dispor sempre de uma reserva?
Nota 1 - Como referi num congresso recente, dois dos principais responsáveis de um dos nossos jornais de referência são… biólogos! E não me consta que alguma vez se tenham inscrito num CE.
Nota 2 - Os meus agradecimentos aos colaboradores que, entretanto, foram mantendo este blogue, com destaque para a Regina Nabais.
02 março, 2008
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5 comentários:
Viva JVC, seja muito bem regressado!
Os seus escritos e congeminações fizeram-nos muita falta.
É óptimo que tenha voltado e, felizmente, em grande forma; precisávamos de si para discorrer racional e sistematicamente sobre a Educação Superior e os seus outros temas de estimação.
Espero é que venha com muita disposição, coragem e a tempo de recuperar o seu blog dos "danifícios", redução de audiências, e perdas de clientela, causados aqui, por esta sua inquilina.
JVC, bem-vindo pelo seu regresso. Desculpe extravasar o seu artigo, mas olhe que a deportação de Mário Soares foi bem mais uma espécie de exílio. Enfim.
Bom regresso. E obrigado pelo texto.
Bem vindo JVC. Confesso que sentia saudades e folgo em vê-lo de regresso ao Bloco de Notas.
Pois! Grande ausência! Mas a reentrada foi logo a "matar" Folgo em vê-lo de volta.
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