09 março, 2008

Há quantos anos não se enchia o Terreiro do Paço?

Foram 80000 ou 100000? Não interessa a possível diferença, são uma multidão, é mais do que a maioria dos nossos professores. Depois da manifestação gigante da CGTP há uns meses e mais recentemente dos cerca de 50000 do PCP, a rua está outra vez a encher-se, coisa que parecia ter acabado há vinte anos. Creio que isto vai provocar nos próximos tempos grande debate, tendo em conta o que já se deve estar a congeminar nos partidos acerca das eleições de 2009.

Já aqui escrevi há tempos que há em Portugal uma sobrevalorização dos independentes, muitas vezes excelentes especialistas, mas não de política. Acabam por ser bons super-directores-gerais mas a fazerem permanente burrada política, coisa de que não têm traquejo ou para a qual, muitas vezes têm uma fatal sobranceria. Isto até vale para Correia de Campos ou Mário Lino, que deviam ser politicamente mais hábeis, porque são da geração em que eu também aprendi no movimento associativo e na clandestinidade como se faz política. Muito mais isto vale para Maria de Lurdes Rodrigues.

O que mais pena me faz é até concordar com o essencial das suas reformas, com o desdobramento de categorias, com a avaliação, com o aumento do tempo de permanência diário, com as aulas de substituição, com a profissionalização da direcção, com o maior envolvimento da comunidade e dos pais, etc. Só é pena que não veja isto acompanhado pela reforma dos programas e da filosofia do ensino. E também esta minha concordância no essencial não é extensiva ao nível do pormenor, que frequentemente não domino.

O que vai fazer Sócrates (JS)? A sua imagem de marca é da “reforma global”. Mas, como se sabe, se isto faz sangue, só pode ser feito na primeira parte do mandato, ou então é suicídio eleitoral. Em alternativa, coisas positivas (o PRACE e a desburocratização, por exemplo) num primeiro mandato, a luta a sério só depois de uma reeleição, como acontece tradicionalmente nos EUA. É por este tipo de constrições de calendário que penso que JS nunca poderia ter deixado cair Correia de Campos, no momento em que, olhando-se já para as eleições de 2009, toda a gente viu essa demissão como uma cedência de JS, ainda por cima com o aspecto caricato de sacrificar a pobre da ministra da Cultura, só para Correia de Campos não sair sozinho. Parece-me que, se nessa altura JS soubesse o que ia ser esta manifestação de professores, a companhia de Correia de Campos teria sido outra.

Um dos tópicos interessantes de discussão, nesta altura, é o da importância política ou histórica, em Portugal, da “reforma global”. Houve grandes reformadores bem sucedidos, mas sempre numa área bem definida: Passos Manuel na educação, Mouzinho no sistema jurídico, Fontes no desenvolvimento económico. Mas o grande exemplo da reforma “bulldozer” ao estilo de JS, Pombal, foi um fracasso, pouco ficou depois da viradeira. Os portugueses são acomodatícios, vão aceitando que alguma coisa mude mas para que, à príncipe Salina, nada mude no essencial.

Mais importante talvez, o português é invejoso (grande Camões, como soubeste escolher a última palavra dos Lusíadas!). A grande habilidade inicial de JS foi saber mudar coisas apelando para a reacção do homo vulgaris contra alguns privilégios de casta, de funcionários públicos, de militares, de juízes. Funcionou, mas depois começou a cansar e a cheirar a truque, coisa que o Zé cheira bem ao longe. O problema com Correia de Campos foi exactamente este. O ministro fez propostas correctas mas que nunca apareceram como resultado de luta contra algum privilégio corporativo. Tudo foi demasiadamente técnico, não percebeu que ia lutar contra interesses invencíveis que não apresentou ao homem da rua como significando injustiças e privilégios em relação ao Zé Povinho.

Na saúde, um demagogo (não me refiro a Correia de Campos) até teria terreno fácil: a acumulação com a privada (isto não tem um pouco a ver com as listas de espera?), os vencimentos chorudos, o desinteresse que muitos utentes sentem no dia-a-dia por parte de muitos profissionais. Na educação, é o contrário. A grande maioria dos pais sentem o enorme esforço dos professores dos seus filhos, sabem que eles não auferem fortunas de vencimentos, sabem que andam anos e anos de casa às costas. Perante reformas técnicas que não dizem nada à maioria do cidadão, a simpatia do homem comum vai para o professor, não para a ministra (que até, em tempos de importância da fotogenia, tem uma cara pouco simpática). Mais, tudo indica que isto só foi a primeira vaga e que, se os professores souberem evitar asneiras como greves em época de exames, cada vez mais irão em crescendo de luta e simpatia até ao começo do verdadeiro “momentum” eleitoral.

Dito tudo isto, é verdade essencial que as corporações são os grandes inimigos das reformas. Relembro o que escrevi ao início. Concordo com o essencial das reformas, obviamente discordo das razões contrárias, da corporação. O que reconheço é que se deu à corporação um bom presente, vitimizá-la. Como lutar contra as corporações? Não se podem exterminar mas pode-se, até certo ponto, desagregá-las ou tirar-lhes coesão. É a grande habilidade política, conquistar para a reforma o eleitor em geral mas, principalmente, os melhores da corporação, fazê-los sentir que são mais bem vistos como reformadores eles também.

É por isto que vou continuar esta nota, em dia próximo, com a situação na educação superior. O MCTES não tem nenhum mérito político em não estar a sofrer este tipo de contestação. Tem é a sorte de o corporativismo universitário estar muito mais minado por uma consciência crescente da exigência de qualidade e de modernização. Bem, nenhum mérito político talvez seja injusto de se dizer. Afinal, JMG politicamente tem “rabo mais pelado”. Por alguma razão nem quer ouvir falar de revisão do estatuto da carreira docente.

Nota 1 - No entanto, JS é um homem com sorte na vida, nos "estudos", nos projectos profissionais de engenharia de azulejo de retrete. Até tem a sorte de, com tudo isto, ir ter pela frente em 2009 o inefável Dr. Menezes.

Nota 2 - No meio de toda esta história, não consigo ter suficiente sentido surrealista para conseguir perceber o que pretende o PS demonstrar com uma reunião de amigos num pequeno pavilhão desportivo, com mobilização nacional. Que consegue motivar um décimo dos que o PCP pôs na rua ou um cagagécimo do que os professores mobilizaram? Não sou membro do PS, mas custa-me ver como JS e o aparelho que o sustenta são hoje uma excrescência parasitante de um partido em que milita desde há muitos anos muita gente com uma noção ainda nobre da política. Onde é que Alegre foi buscar parte certamente muito significativa dos seus votos?

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