18 janeiro, 2008

Morreu o Pacheco


O escritor mais dotado que me foi dado conhecer. Maldito, maldizente, libertino, libertário e uma escrita de fazer inveja aos vendedores de papel que se arvoram de escritores com obra impressa. O Pacheco não perdoava. Criticava com uma agudeza em muito superior aos bisturis a laser que agora se usam em cirurgia. Dos de renome, ninguém lhe escapou.

Ninguém lhe perdoou. E eu não lhe perdoo ter morrido. Luiz Pacheco teria muito mais para escrever.

Mas nem sempre passou à escrita pequenos episódios de uma imaginação delirante em que era fértil e protagonista. Não olhava para o umbigo e não escrevia só sobre si.

Reli com ternura alguns dos panfletos batidos à máquina, fotocopiados ou ainda mimeografados com que recheava envelopes e vendia, na feira do livro em banca própria de tabuleiro de chá, por vinte paus.

Uma rapariguinha de uns 14 anos, ainda na companhia dos pais, à distância, aparece para comprar um envelope. “Vintes! Autógrafo? Mais vintes.” A nota tinha sido cedida por um dos pais para a compra e miudita sem dinheiro na carteira disse que não tinha mais.

“E tens módulos? Sim. Então são dois!”

A dedicatória demorou quase uma hora de escrita.

Numa volta a Braga para refazer os passos que o tinham levado a escrever o seu célebre Libertino, viu-se sem dinheiro para a volta. Nada de espantar para quem sabia das vidas do Pacheco. Foi-se a um livreiro conhecido e pediu-lhe dinheiro para pagar a pensão e a volta. Embrenhado no seu negócio, e sabendo que o empréstimo nunca teria retorno, o livreiro fez-se rogado.

“Então empresta-me umas quantas bíblias escolares à consignação.”

Com uma enorme vontade de saber o que dali sairia, umas quantas cópias do livro sagrado mudaram de mão. Horas depois, pagando a primeira remessa, veio o pedido de mais.

“Luís, como é que consegues dinheiro a vender isso? Só custa 15 escudos!”

“Mas estas vendo-as a 50. São mais caras porque são autografadas pelo autor.”

Foto Luísa Ferreira/Público

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