13 abril, 2007

O caso Sócrates (III)

O Público insiste, hoje. Também eu, tanto mais que estou agora mais à vontade, depois da minha última entrada ter esclarecido, ao que julgo, que isto, da minha parte, é apenas questão de crítica a jornalismo reles, esteja envolvido o primeiro ministro ou o meu vizinho motorista.

1. "Professor da UnI já tinha dado aulas a Sócrates"

É verdade, no ISEL. Foi confirmado pelo gabinete do PM (que bem podia estar ocupado com outras coisas). Sócrates disse-o claramente, na entrevista: "Conheci António José Morais quando ele foi meu professor" - não especificando onde (confirma o Público). Então onde está a notícia, o que justifica escrita de quase 3000 caracteres (metade do máximo de quem quer escrever um artigo de opinião)?

É que lá vem a seguir, como se fosse novidade, a lista das nomeações e exonerações do Prof. Morais. Merece "nova" notícia? Eu seria supinamente idiota se rejeitasse a ideia de que, em governos de partidos clientelares, há muta nomeação sem lisura e sem isenção ou critérios estritos de competência. Mas, para escrever um nome que seja, terei de estar em condições de, pelo menos, apresentar argumentos bem sólidos. Senão, estou a fazer insinuações. É o que a "notícia" faz.

2. O mimo, hoje, é uma caixa, com o título "Análise: o que ficou e não ficou esclarecido na entrevista de Sócrates". Vou tentar resumir, fielmente.

a) O momento para falar. Sócrates: "Nas últimas semanas decorria um processo de inspecção à UnI. (...) E eu achei que não devia de nenhuma forma condicionar nem o trabalho da Inspecção nem a decisão do Governo com alguma declaração sobre o meu caso pessoal".
Público: "(...) O despacho que determina o encerramento da instituição, conhecido na passada segunda-feira, é provisório e a UnI tem dez dias úteis, a contar dessa data, para fazer o contraditório. Só depois será proferida a decisão final. (...)"
Eu: Espantoso, o preciosismo jurídico do Público, recorrendo ao código de procedimento administrativo, como se a decisão política não estivesse já tomada e amplamente anunciada.

b) A candidatura fora do prazo. Sócrates: "O procedimento que a UnI teve para comigo é exactamente o mesmo que teve para todos. (...) Tenho estas cadeiras do ISEL mas não posso apresentá-las pela razão de que os professores ainda não lançaram as notas, não tenho ainda o certificado do ISEL. (...) Calculo eu que seja este o procedimento comum".
Público: "(...) O primeiro-ministro assumiu, assim, como normal uma clara infracção à lei (...)".
Eu: É bem sabido que a ignorância da lei não aproveita a ninguém, mas é legítimo exigir-se, em termos de responsabilidade moral, que um estudante conheça toda a legislação universitária, mesmo sendo deputado? E repare-se numa coisa que, a meu ver, é malandrice. É certo que foi Sócrates/PM que o relatou, na entrevista, mas quem o praticou foi um então Sócrates/deputado. Este desfasamento temporal não é inocente. Em toda a extensa caixa, refere-se sempre José Sócrates. Este é o único caso em que ele é referido como PM. Detesto que me julguem parvo.

c) A escolha da UnI. Neste aspecto, concordo com o Público e já o escrevi repetidamente. Há escolhas para a vida que vão contra o reconhecido faro politico. As razões de Sócrates são esfarrapadas, mas também é verdade que são estritamente do seu foro privado e o Público nem uma palavra devia escrever. Senão, tenho o direito de perguntar por que universidades se formaram todos os jornalistas do Público (e que belos cursos de comunicação social iriam aparecer).

d) O fax. Sócrates: "Foi mandado em Novembro de 1996. (...) E mandei as duas leis, fundamentalmente a de 95 como digo no fax, em que é referido a expressa incompatibilidade de funções entre membros do Governo e qualquer actividade regular de dar aulas. "
Público: "Sobra a questão de saber por que razão está um fax relativo a um convite pessoal no seu dossier de aluno. E por que razão está a folha de rosto do fax e não os decretos que Sócrates afirma serem sobre a incompatibilidade entre as funções de Governo e a docência?"
Eu: Sobra a questão... Já é estupidez, mais do que casmurrice arrogante. Não há nenhum fax mal arquivado na redacção do Público? Apostam? E se recebem documentos importantes é para serem estudados ou para irem logo para arquivo com a folha de rosto do fax? Repito: isto começa a ser grave, a forma como o Público está a ofender a inteligência dos leitores. E repito também: escreveria exactamente o mesmo em relação a um caso que envolvesse o dono do meu quiosque de jornal, onde até agora comprava o Público.

e) Luís Arouca. Sócrates: "Quem me deu a cadeira de Inglês Técnico foi o reitor da universidade. Reitor que eu só conheci durante a minha frequência na universidade. Eu não o conhecia antes".
Público: "José Sócrates nunca se tinha cruzado com Luís Arouca, mas despedia-se dele por "seu José Sócrates".
Eu: Esta é o máximo. Como se viu no ponto anterior, o Público reconhece que o fax é posterior à licenciatura e, por isso, estranha que esteja no dossier de aluno. Mas agora vem argumentar que o aluno (!) que não conhecia antes esse professor se despedia dele, um ano depois (!), com um tratamento amigável. Sem comentários.

f) Propinas. Sócrates: "Uma outra insinuação é a de que eu teria sido de tal forma privilegiado ou favorecido na UnI que se calhar nem propinas paguei. Fui procurar os papéis. Já lá vão 11 anos. Estão aqui os recibos, que constavam no IRS".
Público: "(...) E como explica que a prova do pagamento de propinas, normalmente constante do dossier dos alunos, não estivesse disponível para consulta na UnI? (...)
Eu: Outra vez. Mas é Sócrates que tem de falar pela UnI e explicar as suas irregularidades? E até fico espantado, porque se me pedirem recibos de há 11 anos, também digo que "já foram para o maneta". Ao fim de 5 anos, os outros é que têm de provar que eu não paguei.

4 comentários:

Mário Lima disse...

Boa noite.
É uma verdadeira trapalhada que o nosso primeiro se meteu.
Não sei como isto vai acabar.
Um bom fim de semana.
Um abraço.
amil

Anónimo disse...

De quem é a culpa desta trapalhada toda?
O ministro Mariano Gago disse que a UnI sempre funcionou bem até há pouco tempo...
Agora aparecem 2 certificados de licenciatura contraditórios.
Isto é um crime de falsificação de documentos.
Alguém será culpado!
Os certificados não são boatos. Existem!
Além do crime de falsificação material de um documento que de facto pode prescrever em 10 anos, há ainda o crime de USO DE DOCUMENTO FALSO, previsto no artigo 256º nº 1, al. c) do C.Penal.
Este crime, pratica-se sempre que o documento falso foi usado, obviamente e mesmo que o documento tenha sido falsificado por outra pessoa.


Ver: http://www.tvi.iol.pt/informacao/noticia.php?id=797395
"O gabinete de José Sócrates admitiu que, em entrevista à RTP, o primeiro-ministro errou na data em que terminou a licenciatura. Sócrates disse que se tinha licenciado em Engenharia Civil na Universidade Independente (UnI) em Setembro de 1996. Mas a TVI divulgou, esta sexta-feira, um certificado que está na Câmara da Covilhã e que mostra que o primeiro-ministro não pode ter-se licenciado nesse mês.
O certificado foi emitido pela Independente a 26 de Agosto de 1996, uma data que prova que Sócrates se licenciou em Agosto e não em Setembro. Além da data, os dois certificados também não coincidem no número de equivalências dadas. Num são 26, no outro são apenas 24.
Tal como a TVI noticiou, há dois certificados diferentes da licenciatura de José Sócrates na Independente. Um é o que foi mostrado na televisão e diz que a licenciatura foi completada em 8 de Setembro de 1996. O outro aponta a data de 8 de Agosto como conclusão da licenciatura, está na câmara da Covilhã, e serviu para a requalificação profissional de José Sócrates que ainda é quadro da autarquia.
O gabinete do primeiro-ministro já admitiu à TVI que José Sócrates só pode ter-se licenciado em Agosto de 96 e não em Setembro, pelo que prestou informações erradas na RTP com base num certificado passado pela Independente com a data errada.

Mas há mais divergências entre os dois certificados. Tal como a TVI noticiou, no certificado que está na Covilhã é dito que José Sócrates fez sete cadeiras na Independente, ao passo que o certificado que o primeiro-ministro tem em seu poder garante que foram apenas cinco as cadeiras feitas.

O gabinete do primeiro-ministro reafirma que cinco é o número certo de cadeiras e que, por isso mesmo, o certificado da Covilhã, que está certo na data da conclusão da licenciatura, está errado quando diz serem sete as cadeiras feitas na Independente.

As duas disciplinas em causa são Computação Numérica e Investigação Operacional que o assessor diz terem sido feitas anteriormente por Sócrates no Instituto de Engenharia de Coimbra e no ISEL em Lisboa

Só que, mais uma vez, os dados não batem certo. No certificado que está na Covilhã a cadeira de Computação Numérica aparece como anual e é referido que Sócrates obteve 14 valores. Mas, no certificado passado pelo próprio Instituto de Engenharia de Coimbra a cadeira chama-se Análise Numérica, aparece como semestral e não anual e está escrito que o aluno teve 15 e não 14 valores. Este erro já não se encontra no certificado passado pela Independente que José Sócrates tem actualmente em seu poder. "

Raimundo Narciso disse...

Olá! É muito interessante este teu trabalho de desmontagem da indigna campanha jornalística. Ela é uma tentativa de substituir a avaliação política pelo julgamento de carácter.
Também achei interessante a crónica de VPV. Descontando os exageros típicos da sua "marca comercial".
Também tenho feito breves comentários, no Puxa (onde reina o salutar pluralismo e divergência entre os colaboradores) não para defender Sócrates nem a clientela do Estado clientelar mas para me indignar com o estado a que isto(certa comunicação social e interesses associados)chegou. Parece que os interesses associados são grandes e a campanha vai intensificar-se.Vamos ver a próxima sondagem. Único objectivo de tanto e tão "competente" jornalismo.
Um abraço e bom trabalho.

Raimundo Narciso disse...

O link Meu sítio pessoal" neste blog, não funciona.