Incluo-me, actualmente, naquele grupo etário que, de forma muito simpática vem sendo referido como (quasi) senior, juventude deficitário, ou "experiência"-beneficiado.
A minha memória que nunca foi "aquelas coisas" aposentou-se de vez!
O que melhor me recordo da noite de 24 para 25 de Abril de 1974, foi de estar, em casa, Carcavelos, a meio de uma noite muito nevoenta, sentada nervosa, aflitíssima e a roer unhas, no meu estirador a tentar concluir dentro de um apertado prazo da chegada da "zorra" de Espanha, que transportaria na manhã seguinte um Caterpillar D6 (um clássico) e uma moto-niveladora que me parecia enormíssima, ao local de meu projecto de mobilização mínima de terras para a Herdade da Comenda (Elvas) - já se trabalhava em optimização à época, com programação linear e suas variantes, calculada à pata, a régua de cálculo e a maquinetas Rowenta - e, não mais que de repente, diante de um imenso mar de contas por acertar e de poligonais por fechar - desatar a ouvir a Grândola Vila Morena - de que muito gostava e ainda gosto.
E depois, ... depois, silêncio.... Pensei que fosse mais um dos achaques das válvulas do meu cansado rádio... e não liguei, aliás nem tinha tempo para ligar ao que quer que fosse...
Grândola Vila Morena era "coisa" que não passava na rádio, à época, por um motivo qualquer que nunca percebi bem qual fosse - não achava então, e ainda hoje não acho que fosse, como dizem, "de intervenção", descrevia, isso sim, uma imagem do Alentejo, o daqueles tempos.
Lembra-me bem de ter pensado: "olha, olha... a nossa parvoíce está a passar-nos...".
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Enganei-me! Não estava! Ainda não nos passou!
É um defeito nacional de sequenciação da cadeia ADN; se formos atrás desta hipótese, e corrigirmos o defeito, de certeza que ficaremos milionários.
Só às 4:00 da manhã, e ainda sobre o estirador, o meu rádio, sempre aceso, ressuscitou, e ouvi uma coisa esquisitíssima: Aqui, posto de comando do Movimento das Forças Armadas,....
Mais uma vez não liguei, e fui dormir, para arrancar para o Alentejo, 3 horas depois.
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Hoje, porque justamente esse tempo, para mim, não é mais do que uma colectânea de vagas lembranças e muito contraditórias - que incluem g3, GNRs, proprietários de herdades apavorados, vacas leiteiras convertidas em churrascos, gente revoltada e pessoas felicíssimas - fui rever alguns factos de 1974, além dos 25% de analfabetos que éramos (o ano passado, 2007, éramos já só 12,5%):
Ano lectivo: 1974/75 (número de alunos)
Escola Primária - 941 765
Liceu * - 612 371
Técnico Profissional * - 123 044
Ensino Superior ** - 58 605
Total - 1 735 785
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* Oficial e privado
** Universidade de Coimbra, Lisboa, Porto, Técnica de Lisboa
O orçamento global do Ministério da Educação em 1973 foi de 6 000 000 de Contos.
Penso que era Ministro Veiga Simão - um verdadeiro mãos largas.
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"De facto, em Agosto de 1973 foram criadas as Universidades Nova de Lisboa, de Aveiro e do Minho e o Instituto Universitário de Évora, bem como os Institutos Politécnicos da Covilhã, Faro, Leiria, Setúbal, Tomar e Vila Real, e ainda os Institutos Politécnicos de Coimbra, Lisboa, Porto e Santarém, por reconversão e fusão dos institutos industriais e comerciais e escolas de regentes agrícolas existentes nessas cidades."
"Em Abril de 1974 estavam em pleno regime de instalação as Universidades Nova de Lisboa (Reitor Fraústo da Silva), Universidade do Minho (Reitor Lloyd Braga), Universidade de Aveiro (Reitor Vítor Gil), o Instituto Universitário de Évora (Reitor Ário de Azevedo) e ainda os Institutos Politécnicos da Covilhã, de Vila Real e de Faro e as Escolas Normais Superiores da Guarda, Lisboa e Ponta Delgada."
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Éramos então todos muito mais novos.
E agora? Estamos nós todos melhor ou pior?
Penso que a resposta mais adequada será: Estamos diferentes e, felizmente, bem vivos!
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Referência: Elvira Brandão. 2004. A ESTRUTURA ORGÂNICA E FUNCIONAL DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NACIONAL AQUANDO DA REVOLUÇÃO DE 25 DE ABRIL DE 1974