11 dezembro, 2006

Unamuno e "viva la muerte"

A propósito da minha entrada anterior, sobre a "morte amada" de alguns perversos, lembrei-me do célebre último discurso de Unamuno (ficou depois em prisão domiciliária até à morte), quando, como reitor da Universidade de Salamanca, respondeu de improviso a uma diatribe inflamada do general fascista Millán Astray, terminada com "Viva la muerte!". Vale a pena recordar. Valho-me da transcrição em "A guerra civil de Espanha", de Hugh Thomas (um clássico imprescindível).
"Todos vós estais suspensos das minhas palavras, todos vós me conheceis e sabeis que sou incapaz de me calar. Em certas ocasiões, calar é mentir, porque o silêncio pode ser interpretado como aquiescência. (...) Agora mesmo ouvi um grito necrófilo e insensato, "viva la muerte". E eu, que passei a vida a compor paradoxos que despertaram a cólera dos que não os compreendiam, devo dizer-lhes, como entendido, que este paradoxo, vindo de fora, me repugna. O general Millán Astray é um aleijado. Digamo-lo sem a menor amenidade. É um inválido de guerra. Tal como Cervantes. Infelizmente, neste momento, há demasiados aleijados em Espanha. E em breve ainda haverá mais se Deus não se apiedar de nós. Penaliza-me que seja um homem como o general Millán Astray a ditar os padrões da psicologia das massas. Um aleijado a quem falta a grandeza espiritual de Cervantes procura uma odiosa consolação para o seu mal provocando mutilações à sua volta".
Após novo grito idêntico e ainda mais furioso do general, Unamuno concluiu:
"Este é o templo do intelecto e eu sou o seu sumo-sacerdote. Sois vós quem profanais os seus paços sagrados. Vencereis porque possuís força bruta mais do que suficiente. Mas não convencereis porque para convencer é preciso persuadir. E, para persuadir, seria necessário possuirdes aquilo de que careceis: razão e direito na luta".
Não devia acrescentar mais nada a tão sublime gesto de coragem, mas há uma nota importante. Ao contrário de muitos outros grandes intelectuais espanhóis, Marañon, Pérez de Ayala, Machado, Menéndez Pidal, Ortega y Gasset, Severo Ochoa, Picasso, muitos outros, Unamuno manteve-se discreto durante parte da guerra civil, se é que não teve mesmo uma atitude simpática para com os que "lutam pela civilização contra a tirania" (Unamuno, sic), isto é, os franquistas que dominavam a sua Salamanca. Mas este episódio mostra que há alturas em que abrasa a chama da grandeza e da excelência intelectual e moral. E da coragem, coisa hoje tão esquecida, numa sociedade mesquinha toda feita de pequenos compromissos de enviesamento moral.

1 comentário:

a. fidalgo disse...

Caro JVC

Uma pequena correcção. Unamuno não fica preso depois da intervenção no Paraninfo de Salamanca em 12 de Outubro de 1936. A reclusão é voluntária depois de ter sido vaiado no Casino. Uma descrição pormenorizada dos acontecimentos encontra-se em Emilio Salcedo, Vida de Don Miguel .
"Se ha dicho y escrito que Unamuno