Pessoas que eu gostava que fossem típicas
Este texto não se encaixa bem nesta série de personagens típicas, mas porque não? São os protagonistas de uma ocasião muito triste, o funeral da minha mãe, pessoas a quem devo gratidão até ao suspiro final. E tenho optimismo em que também são personagens típicas, no melhor sentido.
Já não sei porquê, a missa ficou a cargo do Pe. João, italiano já muito aportuguesado. Como capelão do Hospital de S. Maria, lembrava-se muito bem da "minha velhota", ocasionalmente lá internada, profundamente religiosa, mas progressista, aos 89, toda ela participante em movimentos de modernização religiosa e de acção social. Antes da missa, lembrei-me do prazer dos meus pais, na missa das suas bodas de ouro, ao ouvirem a epístola lida por este seu filho mais velho, mesmo que não crente. Perguntei ao Pe João se podia fazer a leitura, dizendo-lhe honestamente que não era católico. Nenhuma objecção e até me deu a escolha do texto. Como não podia deixar de ser, escolhi um trecho do Livro da Sabedoria (não estranhem a escolha fácil, conheço bem a Bíblia, como um dos enormes monumentos da cultura humana. Homo sum!).
Nos funerais, é vulgar um elogio. Lembrei-me da Irmã Amparo, muito amiga da minha mãe, uma freira directora do centro social em que tão boas tardes de cavaqueira tinha tido a minha mãe com as suas amigas. À margem da liturgia da missa, o Pe. João concordou sem rebuço. Mais bonito foi o que se passou quando o padre se preparava para retomar a missa e foi interrompido. Primeiro uma amiga anónima a avançar e a dar um testemunho sentido, entre lágrimas (e eu também entre lágrimas, como ainda agora), depois outra e outra, julguei que nunca mais acabava a missa. Como último dessa série de testemunhos epontâneos, entre alguma vergonha e uma grande impulsão, não posso esquecer o da D. Teresa, apoio infatigável da minha mãe nos seus tempos finais de diminuída física, felizmente que nunca intelectualmente.
Na altura, por respeito para com os hábitos das igrejas, não fiz o que me apetecia, bater palmas, a todos, Pe. João, Irmã Amparo, amigas que eu não conhecia, D. Teresa, e, obviamente, à minha mãe, afinal a grande responsável por cena tão bonita em ocasião triste. Ficarei para sempre com pena de não ter tido esse atrevimento. Creio que as palmas se teriam ouvido por toda Algés e alguém teria acompanhado com foguetes, os foguetes das festas do Espírito Santo, foguetes com que a minha mãe gostaria de se ter ido, em festa, como sempre foi festa toda a sua vida.
E, se ela conhecesse o Chico, ao chegar sei lá onde, sorrir-me-ia e diria "a festa foi bonita, pá!"
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