13 dezembro, 2006

Gente típica (VI)

Pessoas que eu gostava que fossem típicas

Este texto não se encaixa bem nesta série de personagens típicas, mas porque não? São os protagonistas de uma ocasião muito triste, o funeral da minha mãe, pessoas a quem devo gratidão até ao suspiro final. E tenho optimismo em que também são personagens típicas, no melhor sentido.

Já não sei porquê, a missa ficou a cargo do Pe. João, italiano já muito aportuguesado. Como capelão do Hospital de S. Maria, lembrava-se muito bem da "minha velhota", ocasionalmente lá internada, profundamente religiosa, mas progressista, aos 89, toda ela participante em movimentos de modernização religiosa e de acção social. Antes da missa, lembrei-me do prazer dos meus pais, na missa das suas bodas de ouro, ao ouvirem a epístola lida por este seu filho mais velho, mesmo que não crente. Perguntei ao Pe João se podia fazer a leitura, dizendo-lhe honestamente que não era católico. Nenhuma objecção e até me deu a escolha do texto. Como não podia deixar de ser, escolhi um trecho do Livro da Sabedoria (não estranhem a escolha fácil, conheço bem a Bíblia, como um dos enormes monumentos da cultura humana. Homo sum!).

Nos funerais, é vulgar um elogio. Lembrei-me da Irmã Amparo, muito amiga da minha mãe, uma freira directora do centro social em que tão boas tardes de cavaqueira tinha tido a minha mãe com as suas amigas. À margem da liturgia da missa, o Pe. João concordou sem rebuço. Mais bonito foi o que se passou quando o padre se preparava para retomar a missa e foi interrompido. Primeiro uma amiga anónima a avançar e a dar um testemunho sentido, entre lágrimas (e eu também entre lágrimas, como ainda agora), depois outra e outra, julguei que nunca mais acabava a missa. Como último dessa série de testemunhos epontâneos, entre alguma vergonha e uma grande impulsão, não posso esquecer o da D. Teresa, apoio infatigável da minha mãe nos seus tempos finais de diminuída física, felizmente que nunca intelectualmente.

Na altura, por respeito para com os hábitos das igrejas, não fiz o que me apetecia, bater palmas, a todos, Pe. João, Irmã Amparo, amigas que eu não conhecia, D. Teresa, e, obviamente, à minha mãe, afinal a grande responsável por cena tão bonita em ocasião triste. Ficarei para sempre com pena de não ter tido esse atrevimento. Creio que as palmas se teriam ouvido por toda Algés e alguém teria acompanhado com foguetes, os foguetes das festas do Espírito Santo, foguetes com que a minha mãe gostaria de se ter ido, em festa, como sempre foi festa toda a sua vida.

E, se ela conhecesse o Chico, ao chegar sei lá onde, sorrir-me-ia e diria "a festa foi bonita, pá!"

1 comentário:

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